As
cirurgias como opção de tratamento para obesidade surgiram ainda na década de
50. Desde então, várias técnicas foram desenvolvidas, algumas modificadas ou
aperfeiçoadas, e outras completamente abandonadas, seja por resultados
insatisfatórios ou por causarem graves prejuízos à saúde.
No
mundo todo, incluindo o Brasil, o grande interesse e crescimento da Cirurgia
Bariátrica se deu no final da década de 90 e no inicio dos anos 2000. Também
foi a partir deste momento que surgiram as maiores publicações e estudos de
acompanhamento de pacientes operados a longo prazo. Estes estudos trouxeram
informações sobre perda de peso, melhora das doenças associadas e também
informações sobre as complicações e os riscos da desnutrição causada pela
cirurgia e como preveni-las com suplementação vitamínica adequada.
Independente
da técnica utilizada, todas as cirurgias levam a uma grande perda de peso, que
é mais intensa nos primeiros 6 meses de pós-operatório e tende a estabilizar
após 12-24 meses. Com a cirurgia, a ingestão de nutrientes passa a ser menor, e
a absorção de alguns destes nutrientes também é modificada, seja por desvio da
passagem dos alimentos por uma área de absorção do intestino e/ou por menor
secreção de enzimas e sucos digestivos que auxiliam na sua absorção. Todo o
paciente submetido à Cirurgia Bariátrica terá que repor diversos nutrientes e
vitaminas que o organismo passa a não conseguir absorver dos alimentos ou
absorve apenas parcialmente. Estas reposições, até prova em contrário, serão
por toda a vida (tabela 1).
Polivitamínicos (ou Multivitaminas)
São
suplementos que contém combinações de vitaminas e minerais que devem ser
utilizados no período pós-operatório e devem ser mantidos pelo resto da vida.
Os sintomas destas deficiências de micronutrientes podem ser muito variados,
como queda de cabelo, descamação da pele, diminuição de imunidade, dificuldade
de cicatrização, borramento visual, cegueira noturna, fraqueza muscular,
alteração do paladar, e perda de massa muscular, entre outros.
Tabela 1: Suplementação de vitaminas após
diferentes técnicas de cirurgia bariátrica
|
Bypass
gástrico
|
Gastrectomia
vertical (Sleeve)
|
Derivações
Biliopancreáticas
|
Polivitamínicos
e minerais
|
Sim
(2 doses/dia)
|
Sim
(1 dose/dia)
|
Sim
(2 doses/dia)
|
Ferro
|
Sim
(quando indicado)
|
Sim
(quando indicado)
|
Sim
(sempre)
|
Vitamina
B12 e complexo B
|
Sim
|
Sim
|
Sim
|
Ácido
fólico
|
Sim,
como parte do polivitamínico
|
Sim,
como parte do polivitamínico
|
Sim,
como parte do polivitamínico
|
Citrato
de cálcio e vitamina D
|
Sim
|
Sim
|
Sim
|
Zinco
e cobre
|
Sim,
como parte do polivitamínico
|
Sim,
como parte do polivitamínico
|
Sim,
como parte do polivitamínico
|
Selênio
|
Sim,
como parte do polivitamínico
|
Sim,
como parte do polivitamínico
|
Sim,
como parte do polivitamínico
|
Outras
vitaminas lipossolúveis
|
Não
|
Não
|
Sim
|
Adaptado
de British Obesity and Metabolic Surgery Society, 2014.
A
recomendação da Associação Americana de Cirurgia Bariátrica e Metabólica é que
cada dose de polivitamínico precisa conter:
● Zinco
11mg
● Ácido
fólico 200mcg
● Biotina
30mcg
● Vitamina
K 60mcg
● Selênio
34mcg
● Ferro
25mg
● Cobre1mg
Não
existe apresentação ideal de polivitamínico no Brasil que contenha todas estas
recomendações, e muitas vezes é necessário utilizar combinação de 2
polivitamínicos ou dose dobrada. Nem todos polivitamínicos no mercado
apresentam o mínimo desta formulação, portanto é fundamental seguir
rigorosamente a recomendação da equipe e evitar troca de receitas.
Vitamina B12, B9 (ácido fólico) e Complexo
B.
As
vitaminas do complexo B são indispensáveis para uma série de funções no
organismo. Sua absorção ocorre principalmente na região do duodeno e do jejuno
proximal, que se encontram fora da passagem dos alimentos nos pacientes que tem
desvio intestinal. Além disso, a vitamina B12, para ser absorvida, também
necessita de ácido clorídrico e fator intrínseco, sendo que ambos têm sua
produção reduzida pelo estômago operado, que está significativamente menor.
A
carência de vitaminas do complexo B pode causar cansaço, dores e fraqueza
muscular, câimbras, formigamento nos pés e mãos, anemia, rachaduras na língua e
cantos da boca e pode até evoluir para sintomas graves como perda de memória,
perda de força, paralisias, confusão mental, entre outros.
A
suplementação deve conter vitaminas B12, B1 e B6, e a absorção é melhor por via
intramuscular ou sublingual. A resposta ao uso de complexo B oral é muito
variada e pode não ser efetiva. A dose pode variar, devendo ser avaliado por
dosagem laboratorial de vitamina B12. A reposição deverá ser mantida por toda a
vida, ao menos 1 ampola de vitaminas B12 5000mcg +B1 100mg +B6 100mg a cada
dois ou três meses.
Os
níveis de ácido fólico geralmente conseguem ser mantidos controlados através do
uso de polivitamínicos, porém doses adicionais podem ser necessárias se os
níveis de ácido fólico estiverem insuficientes. Nas mulheres que estão tentando
engravidar e nas gestantes, doses adicionais de ácido fólico (5mg/dia) são
indispensáveis, pois a deficiência de ácido fólico pode causar mal formação na
coluna vertebral do embrião, chamada meningomielocele, uma condição grave que
pode causar paralisia dos membros inferiores.
Cálcio e Vitamina D
As
cirurgias que envolvem desvio intestinal comprometem a absorção de cálcio dos
alimentos e também a redução da mistura de sais biliares com a gordura,
prejudicando a absorção de vitaminas lipossolúveis, como a vitamina D.
A dieta
do paciente operado deve ser rica em leite e derivados do leite, todos com
baixo teor de gordura. Além disso, é indispensável o uso de suplemento de
cálcio, na forma de citrato de cálcio, pois o carbonato de cálcio não é bem
absorvido e de vitamina D. A dose de cálcio diária é de 1000-1500mg e a de
vitamina D pode variar de 1000U por dia até doses tão altas como 150.000
unidades por semana, dependendo dos níveis laboratoriais de cálcio, vitamina D
e paratormônio (PTH). Essa suplementação é individualizada e deve ser mantida
por toda a vida.
Ferro
Diversos
mecanismos estão envolvidos na deficiência de ferro no paciente bariátrico e
podem levar à anemia ferropriva e suas consequências. Entre estas causas
podemos citar:
● Absorção
insuficiente do ferro dos alimentos e dos suplementos orais pelo desvio
intestinal (duodeno e primeira porção do jejuno);
● Aumento
da concentração de hepcidina, decorrente do estado inflamatório crônico da
obesidade e que leva a um aumento da excreção de ferro pelas fezes;
● Redução
da secreção de ácido clorídrico pelo pequeno estômago, que é fundamental para
auxiliar na absorção do ferro dos alimentos e dos suplementos orais;
● Redução
do consumo de carne vermelha, que é a principal fonte de ferro dos alimentos,
seja por intolerância ou por saciedade precoce; e
● Perda
por hemorragias, como observado em mulheres com fluxo menstrual aumentado.
A
reposição de ferro será feita baseada no hemograma e dosagem de ferritina. Nem
todos os pacientes vão necessitar repor ferro, porém é importante salientar que
estas deficiências poderão ocorrer mesmo após muitos anos da cirurgia
bariátrica, sendo fundamental fazer controles laboratoriais, ao menos anuais.
Existem
alguns períodos que a reposição de ferro sempre é necessária:
● Gestação
e período pós-parto (puerpério)
● Pré
e Pós-procedimentos cirúrgicos (atenção especial aos pacientes que são
submetidos à cirurgia plástica)
● Pessoas
com intolerância à carne vermelha
● Mulheres
com fluxo menstrual excessivo
A
reposição de ferro pode ser por via oral, mas a absorção é bastante variável e
muitas vezes são necessárias doses elevadas, que são pouco toleradas. A
aplicação de ferro endovenoso é a forma mais eficaz de corrigir a anemia
ferropriva e normalizar os níveis de ferritina. Caso não seja possível aplicar
por via endovenosa, pode-se aplicar o ferro intramuscular.
Resumindo,
a Cirurgia Bariátrica é uma excelente ferramenta para uma perda sustentada de
peso, porém exige disciplina, comprometimento, alimentação equilibrada,
atividade física, suplementação vitamínica adequada e acompanhamento
multidisciplinar para que estes bons resultados sejam permanentes. Portanto,
respondendo a pergunta inicial, sim, é mesmo necessário suplementar vitaminas
sempre!
Texto
elaborado por: Dra
Jacqueline Rizzolli
Endocrinologista
do Centro de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital São Lucas da PUCRS.
Mestre
em Clinica Médica- Endocrinologia pela UFRGS
Membro
da Diretoria da ABESO gestão 2019-2020.
As informações contidas
neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos
profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos,
educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu
conhecimento.
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