Quanto
mais a ciência avança, mais percebemos a complexidade da máquina humana.
Antigamente conhecíamos só um tipo de gordura corporal, porém atualmente
sabemos que há três tipos distintos, com diferentes ações no metabolismo, na
saúde e na doença. Muito além da gordura branca, os cientistas pesquisam como
manter e ativar a gordura marrom e a gordura bege, fundamentais no equilíbrio
da temperatura do corpo, balanço energético e controle de peso. Estas gorduras
têm funções metabólicas específicas, como regulação neuronal, imunológica e
hormonal, e exercem um papel na obesidade e no desenvolvimento de doenças como
o diabetes. A compreensão das características das diversas gorduras humanas
está evoluindo, porém ainda há muitos mecanismos a serem elucidados.
Gordura branca
Quando
pensamos em gordura corporal visualizamos a gordura branca que se acumula na barriga e em outras partes do
corpo. Ela exerce funções fisiológicas como manutenção da temperatura corporal,
estoque de energia para uso futuro e produção de hormônios, como estrogênio,
leptina e adiponectina. O excesso de gordura branca causa alterações
metabólicas associadas com a obesidade, como diabetes tipo 2, doenças
cardiovasculares e inflamação.
Gordura marrom
Uma
gordura menos conhecida, a gordura
marrom, é muito diferente da versão branca, e sua característica mais
marcante é a termogênese, ou produção de calor com queima de calorias da
reserva de gordura branca. Estruturalmente o tecido adiposo marrom é ricamente
vascularizado e possui um número extraordinário de mitocôndrias (o que torna a
gordura escura com um tom marrom-avermelhado), enquanto o tecido adiposo branco
possui somente um vaso para cada célula e um numero escasso de mitocôndrias. Ao
contrário da gordura branca, que armazena calorias, a gordura marrom, repleta
de mitocôndrias, queima energia para produzir calor. No adulto, a gordura
marrom pode se distribuir em diminutas quantidades na região da nuca, nas
costas entre as escápulas, seguindo a coluna vertebral, e internamente nas
vísceras abdominais e rins.
Gordura bege
Recentemente
foi identificado um terceiro tipo de gordura, que vem merecendo intensa
investigação por sua capacidade de queimar glicose e gordura para produzir
calor. A gordura bege está presente no tecido adiposo branco com um fenótipo
(ou característica) de gordura branca, e quando estimulada adquire um fenótipo
de gordura marrom, levando a uma termogênese aumentada. Este fenômeno é
conhecido como “dourar” ou “escurecer” (browning) e ocorre nos depósitos de
gordura subcutânea. Resumindo, ela é originária da gordura branca, porém com
maior número de mitocôndrias, capacidade de adaptação para produzir termogênese
e apresenta genes que estimulam a lipólise (quebra de gordura acumulada).
Mitocôndrias e energia
Mitocôndrias
são as usinas de energia das células. Quanto mais mitocôndrias, mais energia é
produzida. Ela está presente em todas as células do corpo, com exceção dos
glóbulos vermelhos. A gordura marrom/bege é rica em mitocôndrias, que aumentam
a capacidade de produzir calor (termogênese) queimando calorias que vêm da
gordura branca armazenada no corpo.
Termogênese
A
termogênese é uma atividade que inclui uma série de reações bioquímicas e
metabólicas. O produto final é a geração de calor no corpo. Isto pode ser bem
observado em animais em hibernação - porque os ursos não congelam enquanto
dormem nos meses de inverno? A produção de calor a partir dos amplos depósitos
de gordura branca mantém seus corpos aquecidos. Pessoas idosas têm uma
tendência maior a sentir frio, pela deficiência de gordura marrom e de
termogênese, enquanto crianças e jovens, com maior percentual de gordura
marrom, são mais resistentes a baixas temperaturas. Pessoas que moram em países
frios desenvolvem adaptação às baixas temperaturas pelo mesmo mecanismo, a
ativação da termogênese no tecido adiposo marrom pelo frio.
Comida e termogênese
O
processo de termogênese também ocorre após cada refeição, porém neste caso as
calorias usadas para a produção de calor vêm dos alimentos e não da gordura
branca. Se você comer um prato caprichado em pimenta vermelha vai sentir calor
e até suar, e isto se deve ao potente efeito termogênico da capsaicina. Além
das pimentas, há outros alimentos com efeito termogênico, como gengibre,
guaraná, café, mate, chá verde e preto.
Proteína
desacopladora
Diversos
estudos recentes têm demonstrado que a ativação de gordura marrom/bege no
adulto leva à redução da gordura branca acumulada. Durante muito tempo
acreditou-se que o adulto não teria uma quantidade suficiente de gordura marrom
para queimar calorias e produzir uma redução significativa no percentual de
gordura corporal, porém este conceito mudou quando se descobriu a proteína
desacopladora (UCP1), presente nas mitocôndrias da gordura marrom. Também
conhecida como termogenina, esta proteína torna a gordura marrom diferente de
todos os outros tecidos corporais. Ela é responsável pela série de eventos
bioquímicos que transformam calorias em energia, que pode ser usada pelas
células em seu trabalho metabólico ou simplesmente dissipada como calor.
Ativando a gordura marrom/bege
Diversas
intervenções de comportamento podem ajudar no aumento do percentual de gorduras
termogênicas. Exposição crônica ao frio ativa a gordura marrom/bege, promove a
perda de peso e melhora a sensibilidade à insulina em seres humanos, A prática
de exercício físico aumenta a formação de gordura bege a partir dos depósitos
de gordura branca. Estudos mostram que o jejum intermitente promove a produção
de gordura bege, assim como evitar excesso de calorias e comer de forma
regrada. A gordura marrom/bege pode ser modulada por alguns alimentos e
suplementos, os chamados termogênicos.
Regulando o peso corporal
Quanto
mais ativa a gordura marrom/bege, mais fácil é manter o peso ideal. Em outras
palavras, a produção de calor pela gordura marrom/bege é o fator que regula o
peso corporal. Muitas pessoas ingerem
poucas calorias, praticam atividade física e continuam acumulando gordura
corporal, com grande dificuldade para perder peso - variações genéticas podem
influenciar os resultados destas intervenções. Na verdade, dietas muito
restritivas baixam mais ainda a eficiência da termogênese. Pessoas magras
apresentam um aumento de 40% na
produção de calor após uma refeição. Em pessoas obesas este aumento alcança
somente 10%. As calorias que não são gastas no processo de termogênese acabam
sendo armazenadas em forma de gordura.
Nutrientes termogênicos
Diversos
compostos atuam como indutores nutricionais de gordura marrom/bege, com
múltiplos mecanismos de ação. Dentre os mais estudados estão a capsaicina,
canela, curcumina, quercetina, resveratrol, cafeína, chá verde, berberina,
gengibre. Além disso, extratos vegetais, como a menta, também contribuem para
“dourar” a gordura branca e transformá-la em gordura bege. Estudos mostram que
alguns tipos de lipídios, como o ômega-3, azeite e óleo de coco podem
impulsionar a gordura bege e marrom.
Texto elaborado por: Dra. Tamara Mazaracki.
Título de Especialista em Nutrologia –
Associação Brasileira de Nutrologia;
Membro Titular da ABRAN – Associação Brasileira de
Nutrologia;
Pós-graduação em Medicina Ortomolecular, Nutrição
Celular e Longevidade – FACIS-IBEHE – Faculdade de Ciências da Saúde de São
Paulo e Centro de Ensino Superior de Homeopatia;
Pós-graduação em Medicina Estética – Instituto
Brasileiro de Pesquisa e Ensino – IBRAPE.
As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por
atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos,
nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e
exclusivamente, para seu conhecimento.
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