quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Lítiase Renal



    Litíase renal ou cálculo renal é formação de cristais, “pedras” nos rins devido a presença não usual de substâncias na urina. A litíase renal apresenta índices progressivos de incidência e prevalência, alcançando valores de 10 e 15% em mulheres e homens, respectivamente. 

    A faixa etária mais suscetível encontra-se entre os 20 e 40 anos, quando ocorre maior incidência da primeira crise e do diagnóstico da litíase urinária.

    Existem vários tipos de cálculos renais que diferem em composição e patogênese. O tipo mais comum é composto de oxalato de cálcio e é causado por distúrbios metabólicos frequentemente tratáveis. Em geral, a cristalização ocorre devido a anormalidades na composição urinária, por maior cristalização dos promotores (cálcio, oxalato, ácido úrico), por menor cristalização dos inibidores (citrato, glicosaminoglicanos, nefrocalcina) ou por ambos.

   A dieta exerce papel relevante sobre a excreção urinária de vários componentes da formação de cálculos renais. Dentre os vários nutrientes implicados na formação de cálculos, destacam-se o cálcio, o oxalato, o sódio, o potássio, a vitamina C, a proteína, as purinas, além de ingestão de líquidos.
 
Componentes Alimentares

Cálcio

    No passado, a hipótese de que uma elevada ingestão de cálcio aumentava o risco de formação de cálculos era baseada na alta porcentagem de pacientes com recorrência de cálculos devido à hipercalciúria. Consequentemente, a restrição da ingestão de cálcio era utilizada para diminuir o cálcio urinário e prevenir a recorrência de nefrotlitíase. Entretanto, não existem estudos que comprovem que a restrição de cálcio reduza a ocorrência de cálculos. Alguns autores demonstraram que tal restrição pode resultar em balanço negativo de cálcio e perda de massa óssea. A restrição de cálcio pode também induzir a hiperoxalúria secundária, em virtude da menor disponibilidade de cálcio no lúmen intestinal para ligação com o oxalato dentro do trato gastrointestinal, aumentando o risco de formação de cálculos. A recomendação atual de ingestão de cálcio para pacientes litiásicos é em torno de 800mg/dia.

Quadro 1. Quantidade de cálcio em alguns alimentos.
 
Alimentos
mg de cálcio em 100g de alimento
Porção
mg de cálcio/porção.
Queijo parmesão
1.253
1 colher de sopa (8g)
100
Leite em pó
912
1 copo médio (150ml)
201
Queijo provolone
755
1 fatia média (30g)
227
Queijo prato
721
1 fatia fina (10g)
72
Queijo minas fresco
685
1 fatia média (30g)
205
Queijo mussarela
517
1 fatia fina (10g)
52
Sardinha em lata
437
1 unidade média (34g)
149
Ricota
207
1 fatia média (40g)
83
Iogurte desnatado
183
1 pote (250g)
457
Iogurte de frutas
169
1 pote (120g)
203
Espinafre cozido
136
1 colher de sopa (30g)
41
Leite desnatado
123
1 copo médio (150ml)
185
Iogurte integral
121
1 pote (250g)
302
Leite integral
119
1 copo médio (150ml)
179
Fonte: Ajzen & Schor, 2005.

Oxalato

    O oxalato da dieta contribui com apenas 10 a 20% na oxalúria. A razão para a sua restrição é o fato de o oxalato de cálcio ser o principal componente da maioria dos cálculos renais e de existir uma menor concentração urinária de oxalato do que de cálcio. Isto significa que pequenas alterações na concentração de oxalato têm maior efeito sobre a cristalização de oxalato de cálcio do que grandes alterações na concentração de cálcio.

    O oxalato dietético está presente em grande quantidade em alimentos de origem vegetal. Alimentos que contêm elevados teores de oxalato (> 600mg de oxalato) são o espinafre, a beterraba e o ruibarbo. É interessante observar que o tomate, ao contrário do que se imagina, é um alimento que contém baixo teor de oxalato e, por essa razão, não oferece risco à formação de cálculos renais. Outros alimentos, como as oleaginosas, contêm oxalato numa forma muito biodisponível (solúvel) e, portanto, mesmo com teores menores de oxalato, podem levar a um aumento na oxalúria. A ingestão média habitual na dieta é de aproximadamente 150mg/dia.

    Já foi comprovado que a ingestão de cálcio exerce um efeito tão importante quanto oxalato dietético sobre a oxalúria. Em condições normais, o cálcio absorvido se liga ao oxalato, formando um complexo insolúvel. Portanto, em condições de restrição de cálcio, a redução na quantidade de cálcio na luz intestinal eleva a concentração de oxalato livre disponível para absorção. É aconselhável manter o equilíbrio entre as ingestões de cálcio e oxalato durante as refeições.

Quadro 2. Quantidade de oxalato de alguns alimentos.

Alimentos
mg de oxalato em 100g de alimento
Porção
mg de oxalato/porção.
Ruibarbo cozido
860
1 xícara de chá
2.081
Espinafre cozido
750
1 xícara de chá
420
Beterraba cozida
675
1 xícara de chá
1.147
Nozes Pecan
202
1 xícara de chá
222
Amendoim torrado
187
1 xícara de chá
273
Quiabo cozido
146
1 xícara de chá
234
Cenoura cozida
62
1 xícara de chá
90
Batata-doce cozida
56
1 xícara de chá
184
Café solúvel
33
1 colher se sopa
11
Escarola crua
31
1 xícara de chá
9
Couve cozida
13
1 xícara de chá
17
Tomate cru
2
1 xícara de chá
5
Fonte: Ajzen & Schor, 2005.

Sódio

    O papel do sódio na litogênese baseia-se no seu potencial efeito em elevar o cálcio urinário. Um aumento de 100mEq na ingestão diária de sódio produz um aumento de 25mg na excreção urinária de cálcio. Consequentemente, à maior excreção de cálcio pode-se também observar osteopenia. Portanto, a recomendação para pacientes litiásicos, especialmente os hipercalciúricos, é adequar a ingestão de sódio dietético, bem como evitar a ingestão excessiva de caldo de carne ou frango, não utilizar sopas de pacotes, alimentos enlatados e/ou conservados em salmoura, temperos prontos, etc. Deve-se dar preferência aos temperos e molhos naturais.

Potássio

   Em um grande estudo epidemiológico, foi observada uma associação entre reduzida ingestão de potássio (abaixo de 74 mEq/dia) e um maior risco de formação de cálculos. Tal efeito pode ser atribuído a uma elevação na calciúria e uma redução na citratúria induzida pela menor ingestão de potássio. Portanto, a ingestão de alimentos ricos em potássio, como frutas e vegetais, pode exercer efeito protetor contra a formação de cálculos.

Vitamina C

     A vitamina C (ácido ascórbico) também tem sido considerada como um fator de risco para a formação de cálculos. Estudos in vivo e in vitro demonstraram que a metabolização do ácido ascórbico resulta em produção de oxalato. Apesar disso, um recente estudo epidemiológico mostrou que a ingestão de vitamina C não se associou com o risco de cálculos renais em mulheres saudáveis. De qualquer modo, a contribuição dessa vitamina sobre a oxalúria ainda permanece controversa. Como a distribuição da dieta é extremamente pequena (em torno de 60 a 100mg/dia), não há restrição a ser feita. Entretanto, o consumo de grandes doses de suplemento, superiores a 1g/dia, não deve ser recomendado para pacientes litiásicos.

Proteína

    O nutriente que tem efeito sobre a maioria dos parâmetros urinários envolvidos na formação de cálculos é a proteína. A elevada ingestão de proteína de origem animal contribui para a hiperuricosúria devido à sobrecarga de purinas, hiperoxalúria devido ao aumento da síntese de oxalato e hipocitratúria em função da maior reabsorção tubular de citrato. Adicionalmente, a hipercalciúria induzida pelo consumo de proteína animal pode ser causada pela maior reabsorção óssea e menor reabsorção tubular renal de cálcio. Uma adequada ingestão proteica reduz o oxalato, fosfato, cálcio e ácido úrico urinários e aumenta a excreção urinária de citratos. Assim, a recomendação de ingestão de proteínas para pacientes litiásicos é de 0,8 a 1,2g/kg/dia, sendo 50% de proteína de alto valor biológico. Deve-se salientar que o leite e seus derivados, apesar de serem de origem animal não devem ser restritos devido ao seu conteúdo de cálcio.

Purinas

       O produto final do metabolismo das purinas é o ácido úrico. Portanto, pacientes litásicos com hiperuricosúria devem evitar especialmente alimentos de origem animal ricos em purinas, como vitela, bacon, cabrito, carneiro, fígado, língua, rim, miolo, anchova, sardinha, arenque, bacalhau, truta, ovas de peixe, mexilhão, galeto, peru, porco, coelho, pato e ganso. Entretanto, ainda não está bem estabelecido o quanto uma dieta é elevada ou reduzida em purinas. Alguns autores sugerem que ingestões de purinas superiores a 175mg/dia podem elevar a excreção urinária de ácido úrico.

Carboidratos

      A ingestão de carboidratos simples está relacionada à litíase por aumentar a excreção urinária de cálcio. Alguns investigadores demonstraram que o consumo de glicose reduz a reabsorção renal de fosfato em pacientes litiásicos, contribuindo assim, para hipercalciúria por meio da depleção de fosfato. O fator responsável pela depleção de fosfato em litiásicos não está bem estabelecido.

Líquidos

      Uma elevada ingestão de líquidos é frequentemente recomendada para pacientes litiásicos por aumentar o volume urinário e diminuir a concentração dos promotores de cristalização. Pacientes com litíase renal devem ser orientados a ingerir aproximadamente 30ml de líquidos/kg/dia, o que corresponderia, em média, a 2.100 a 2.500ml de líquidos/dia. Estes devem ser preferencialmente água, chás de frutas, flores ou ervas e sucos de frutas como limão e laranja, por conterem elevado teor de citrato. Os chás, preto e mate, devem ser usados com moderação devido ao elevado teor de oxalato. As bebidas alcoólicas devem ser consumidas com moderação entre os pacientes com hiperexcreção de ácido úrico por conterem purinas. Com relação às bebidas isotônicas, o conteúdo de sal dessa bebida (0,5g/garrafa) somado ao de outros alimentos pode potencialmente elevar a quantidade total de sal a ser consumida diariamente. Por essa razão, o uso excessivo não é aconselhável para litiásicos.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.
 
Referências Bibliográficas:

Cuppari L et al. Doenças renais. In: Cuppari L. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar UNIFESP/ Escola Paulista de Medicina - nutrição clínica no adulto. 1a ed. São Paulo: Manole. 2002. p. 167-199.

Mendonça, COG; Baxmann, AC; Martini, LA; Heiberg; IP. Nutrição na Litíase Renal. In: Ajzen, H; Schor, N. Guia de medicina ambulatorial e hospitalar UNIFESP/ Escola Paulista de Medicina – Nefrologia. 2. ed. São Paulo: Manole, 2005, p. 119-128.

Schor, N; Heiberg, IP. Litíase Renal.  In: Ajzen, H; Schor, N. Guia de medicina ambulatorial e hospitalar UNIFESP/ Escola Paulista de Medicina – Nefrologia. 2. ed. São Paulo: Manole, 2005, p. 101-118.