O tratamento da DRC compreende duas
fases distintas: a fase não dialítica do tratamento, também conhecida como
tratamento conservador; e a fase de terapia renal substitutiva, na qual a
hemodiálise, a diálise peritoneal ou o transplante renal devem ser iniciados
(abordaremos estas outras fases em futuros posts).
Fase Não Dialítica ou
Tratamento Conservador
O tratamento conservador consiste em
todas as medidas clínicas (remédios, modificações na dieta e estilo de vida)
que podem ser utilizadas para retardar a piora da função renal, reduzir os
sintomas e prevenir complicações ligadas à doença renal crônica. Apesar dessas
medidas, a doença renal crônica é progressiva e irreversível até o momento.
Porém, com o tratamento conservador é possível reduzir a velocidade desta
progressão ou estabilizar a doença.
Esse tratamento é iniciado no momento
do diagnóstico da doença renal crônica e mantido a longo prazo, tendo um
impacto positivo na sobrevida e na qualidade de vida desses pacientes. Quanto
mais precoce começar o tratamento conservador maiores chances para preservar a
função dos rins por mais tempo.
Quando a doença renal crônica
progride até estágios avançados apesar do tratamento conservador, o paciente é
preparado da melhor forma possível para o tratamento de diálise ou transplante.
Aspectos Nutricionais
da DRC
A redução da função renal contribui
para o aparecimento de uma série de distúrbios hidroeletrolíticos, hormonais e
metabólicos que, direta ou indiretamente, contribuem para o desenvolvimento de
um quadro nutricional diverso, marcado pela depleção de reservas de gordura e
proteína, especialmente de tecido muscular. Por outro lado, na última década,
tem-se observado o aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade na DRC.
►
Desnutrição
energético-proteica
A prevalência de desnutrição
energético-proteica (DEP) é elevada e varia de 37 a 48%. As causas da DEP são
inúmeras e incluem fatores relacionados à doença e ao tratamento que contribuem
para a redução da ingestão alimentar e para o aumento do catabolismo proteico
(Quadro 1). Entre esses fatores, destaca-se o estado inflamatório. A
inflamação, por sua vez, pode levar à DEP por aumentar o catabolismo proteico e
por diminuir o apetite pela ação das citocinas pró-inflamatórias.
Quadro 1. Fatores que contribuem para a redução
da ingestão alimentar e aumento do catabolismo proteico na DRC.
►
Sobrepeso
e obesidade
Apesar da prevalência de DEP
encontrada na DRC, tem-se observado que o sobrepeso e a obesidade também são
distúrbios nutricionais frequentes nessa população. Estudos têm sugerido que a
adiposidade pode estar associada ao desenvolvimento de DRC.
O principal aspecto negativo da
obesidade na DRC é a sua relação com a doença cardiovascular. A doença
cardiovascular é a principal causa de morbimortalidade nos pacientes com DRC. A
obesidade, por sua vez, é um fator de risco tradicional para o desenvolvimento
dessa comorbidade, particularmente a obesidade central, caracterizada por
acúmulo de gordura visceral (vide post obesidade).
Acredita-se que a gordura corpórea
poderia exercer um efeito protetor, suprindo as necessidades energéticas e
poupando a massa corpórea magra em situações clínicas desfavoráveis, como em
infecções e/ou inflamação, que acometem com frequência pacientes com DRC. Dessa
forma, o papel da obesidade na DRC ainda é controverso. Por essa razão, medidas
conservadoras, no sentido de manter os pacientes dentro de um peso e de uma
condição nutricional adequada, devem ser implantadas.
Recomendações
nutricionais
♦
Energia
As recomendações de energia para
pacientes com DRC são semelhantes às de indivíduos saudáveis. Segundo o guia
NFK/DOQI, pacientes com DRC e idade inferior a 60 anos devem ser orientados a
ingerir 35 kcal/kg/dia, e aqueles com idade superior devem ingerir 30
kcal/kg/dia, em razão de menor nível de atividade física.
Quadro 2. Recomendações diárias de energia para
pacientes na fase não dialítica ou tratamento conservador.
♦ Proteínas
A restrição proteica é a manipulação
mais comum no tratamento conservador. O objetivo dessa conduta é retardar a
entrada do paciente em diálise e manter estado nutricional adequado. A forma
pela qual a dieta hipoproteica pode postergar o início da terapia dialítica
inclui a redução da sintomatologia urêmica, por diminuir a formação de
compostos nitrogenados tóxicos provenientes do metabolismo de proteína; a
atenuação de alguns distúrbios causados pela DRC, como a hipertensão arterial,
acidose metabólica, dislipidemia, hipercalcemia e hiperfosfatemia; a redução da
proteinúria e a lentificação no ritmo de progressão de lesão renal, embora esta
última seja alvo de controvérsias.
Quadro 3. Recomendações diárias de proteína na
fase não dialítica ou tratamento conservador.
♦ Lipídios
Pacientes com DRC cursam
frequentemente com alterações no perfil lipídico, que se caracterizam por
colesterol total normal ou aumentado, aumento das frações LDL e IDL, diminuição
da fração HDL, aumento de triglicérides e aumento da LDL oxidado. As causas
para essas alterações ainda não foram completamente elucidadas. Acredita-se que
a resistência à ação da insulina e o aumento nos níveis circulantes de
paratormônio (hormônio produzido pelas glândulas paratireoideanas) diminuam a
atividade da enzima lipase lipoproteica, aumentando o catabolismo de
lipoproteínas ricas em triglicérides contribuindo assim para o aumento dos
triglicérides circulantes.
Quadro 4. Valores desejáveis de colesterol
total e frações para pacientes com DRC.
♦
Sódio e Líquidos
Pacientes com DRC se beneficiam da
restrição de sódio por três razões: melhor controle da pressão arterial, uma
vez que a maioria dos pacientes é hipertensa; menor retenção hídrica e controle
de edema periférico e melhor controle do ganho de peso interdialítico para os
pacientes em hemodiálise. A recomendação de sódio é de 2.000 a 2.300mg por dia
ou 5 a 6g de cloreto de sódio (sal de cozinha - equivalentes a quatro colheres
rasas de chá.) por dia.
A restrição hídrica poderá ser
necessária caso o paciente persista com inchaço, apesar da restrição do sal e
do uso de diuréticos. Pacientes em tratamento conservador raramente necessitam
de restrição hídrica, pois, na maioria dos casos, são capazes de manter o
balanço hídrico.
♦
Potássio
O aumento na concentração sérica de
potássio é mais frequente nos estágios 4 e 5. A hiperpotassemia é multifatorial
e não inclui apenas fatores dietéticos. Além da diminuição da função renal, as
causas da hiperpotassemia incluem a acidose metabólica, uso de
anti-hipertensivos inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), ou de
seus receptores, a baixa eficiência de diálise, hipoaldosteronemia e
constipação intestinal.
Para pacientes na fase não dialítica,
o controle do potássio da dieta deve ser empregado quando houver elevação da
concentração sérica desse eletrólito ou quando já houver perda significativa da
função renal (TFG < 15mL/min).
Em geral, recomenda-se que a ingestão
de potássio seja inferior a 70mEq por dia (~3g/dia). Hortaliças, frutas,
leguminosas e oleaginosas apresentam elevado teor de potássio. O processo de
cozimento em água das hortaliças e frutas promove a perda significativa desse
eletrólito (cerca de 60%). Não é necessário, entretanto, que o paciente seja
orientado a consumir somente alimentos cozidos. Frutas e hortaliças com
reduzido teor de potássio podem ser ingeridas cruas em pequenas quantidades.
♦ Ferro
Será fundamental a avaliação pelo
médico da intensidade da anemia, dos estoques de ferro e de alguns hormônios; é
comum que pacientes com doença renal crônica tenham insuficiência de
eritropoetina (hormônio produzido pelos rins, importante para a maturação dos
glóbulos vermelhos); às vezes é necessária a reposição desse hormônio e também
dos estoques de ferro.
♦
Cálcio e Fósforo
A prescrição dietética de cálcio e
fósforo para pacientes com insuficiência renal crônica deve ser individualizada,
pois depende de vários fatores:
●
Fase da IRC (não dialítica, hemodiálise ou diálise peritoneal).
●
Uso de calcitriol (1,25 diidroxicolecalciferol – forma ativa da vitamina D).
●
Tipo de doença óssea.
●
Concentração sérica de cálcio e fósforo.
Em geral, pacientes na fase não
dialítica que têm boa adesão a dieta hipoproteica apresentam uma ingestão
reduzida de fósforo, uma vez que alimentos fontes de proteína também são boas
fontes de fósforo (leite e derivados e carnes em geral). Por outro lado, essas
dietas acabam tornando-se restritas em cálcio, de forma que, para alcançar as
recomendações desse nutriente, o uso de suplementos de cálcio é frequentemente
necessário. O carbonato de cálcio costuma ser usado como suplemento e deve ser
tomado em horários distantes das refeições para que não ocorra interferência na
absorção do cálcio.
Não existe uma dieta
única para todos os pacientes. Cada paciente deverá ser avaliado de forma
individual e ter sua dieta elaborada com o auxílio de um nutricionista.
As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas
por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos,
nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e
exclusivamente, para seu conhecimento.
Referências Bibliográficas:
Avesani,
CM; Pereira, AML; Cuppari, L. Doença Renal Crônica. Nutrição nas doenças
crônicas não-transmissíveis. 1 ed. São Paulo: Manole, 2009, p. 267-330.
Cuppari
L et al. Doenças renais. In: Cuppari L. Guias de medicina ambulatorial e
hospitalar UNIFESP/ Escola Paulista de Medicina -nutrição clínica no adulto. 1a
ed. São Paulo: Manole. 2002. p. 167-199.
Sociedade Brasileira de Nefrologia.
Disponível em: www.sbn.org.br Acessado em:
03/06/2013.
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