segunda-feira, 10 de junho de 2013

Doença Renal Crônica (DRC) – Parte 2



O tratamento da DRC compreende duas fases distintas: a fase não dialítica do tratamento, também conhecida como tratamento conservador; e a fase de terapia renal substitutiva, na qual a hemodiálise, a diálise peritoneal ou o transplante renal devem ser iniciados (abordaremos estas outras fases em futuros posts).


Fase Não Dialítica ou Tratamento Conservador

O tratamento conservador consiste em todas as medidas clínicas (remédios, modificações na dieta e estilo de vida) que podem ser utilizadas para retardar a piora da função renal, reduzir os sintomas e prevenir complicações ligadas à doença renal crônica. Apesar dessas medidas, a doença renal crônica é progressiva e irreversível até o momento. Porém, com o tratamento conservador é possível reduzir a velocidade desta progressão ou estabilizar a doença.

Esse tratamento é iniciado no momento do diagnóstico da doença renal crônica e mantido a longo prazo, tendo um impacto positivo na sobrevida e na qualidade de vida desses pacientes. Quanto mais precoce começar o tratamento conservador maiores chances para preservar a função dos rins por mais tempo.



Quando a doença renal crônica progride até estágios avançados apesar do tratamento conservador, o paciente é preparado da melhor forma possível para o tratamento de diálise ou transplante.


Aspectos Nutricionais da DRC

A redução da função renal contribui para o aparecimento de uma série de distúrbios hidroeletrolíticos, hormonais e metabólicos que, direta ou indiretamente, contribuem para o desenvolvimento de um quadro nutricional diverso, marcado pela depleção de reservas de gordura e proteína, especialmente de tecido muscular. Por outro lado, na última década, tem-se observado o aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade na DRC.

Desnutrição energético-proteica

          A prevalência de desnutrição energético-proteica (DEP) é elevada e varia de 37 a 48%. As causas da DEP são inúmeras e incluem fatores relacionados à doença e ao tratamento que contribuem para a redução da ingestão alimentar e para o aumento do catabolismo proteico (Quadro 1). Entre esses fatores, destaca-se o estado inflamatório. A inflamação, por sua vez, pode levar à DEP por aumentar o catabolismo proteico e por diminuir o apetite pela ação das citocinas pró-inflamatórias.

Quadro 1. Fatores que contribuem para a redução da ingestão alimentar e aumento do catabolismo proteico na DRC.


Sobrepeso e obesidade

         Apesar da prevalência de DEP encontrada na DRC, tem-se observado que o sobrepeso e a obesidade também são distúrbios nutricionais frequentes nessa população. Estudos têm sugerido que a adiposidade pode estar associada ao desenvolvimento de DRC.

      O principal aspecto negativo da obesidade na DRC é a sua relação com a doença cardiovascular. A doença cardiovascular é a principal causa de morbimortalidade nos pacientes com DRC. A obesidade, por sua vez, é um fator de risco tradicional para o desenvolvimento dessa comorbidade, particularmente a obesidade central, caracterizada por acúmulo de gordura visceral (vide post obesidade).

      Acredita-se que a gordura corpórea poderia exercer um efeito protetor, suprindo as necessidades energéticas e poupando a massa corpórea magra em situações clínicas desfavoráveis, como em infecções e/ou inflamação, que acometem com frequência pacientes com DRC. Dessa forma, o papel da obesidade na DRC ainda é controverso. Por essa razão, medidas conservadoras, no sentido de manter os pacientes dentro de um peso e de uma condição nutricional adequada, devem ser implantadas.

Recomendações nutricionais

Energia

     As recomendações de energia para pacientes com DRC são semelhantes às de indivíduos saudáveis. Segundo o guia NFK/DOQI, pacientes com DRC e idade inferior a 60 anos devem ser orientados a ingerir 35 kcal/kg/dia, e aqueles com idade superior devem ingerir 30 kcal/kg/dia, em razão de menor nível de atividade física.

Quadro 2. Recomendações diárias de energia para pacientes na fase não dialítica ou tratamento conservador.

 

Proteínas

        A restrição proteica é a manipulação mais comum no tratamento conservador. O objetivo dessa conduta é retardar a entrada do paciente em diálise e manter estado nutricional adequado. A forma pela qual a dieta hipoproteica pode postergar o início da terapia dialítica inclui a redução da sintomatologia urêmica, por diminuir a formação de compostos nitrogenados tóxicos provenientes do metabolismo de proteína; a atenuação de alguns distúrbios causados pela DRC, como a hipertensão arterial, acidose metabólica, dislipidemia, hipercalcemia e hiperfosfatemia; a redução da proteinúria e a lentificação no ritmo de progressão de lesão renal, embora esta última seja alvo de controvérsias.

Quadro 3. Recomendações diárias de proteína na fase não dialítica ou tratamento conservador.

Lipídios

     Pacientes com DRC cursam frequentemente com alterações no perfil lipídico, que se caracterizam por colesterol total normal ou aumentado, aumento das frações LDL e IDL, diminuição da fração HDL, aumento de triglicérides e aumento da LDL oxidado. As causas para essas alterações ainda não foram completamente elucidadas. Acredita-se que a resistência à ação da insulina e o aumento nos níveis circulantes de paratormônio (hormônio produzido pelas glândulas paratireoideanas) diminuam a atividade da enzima lipase lipoproteica, aumentando o catabolismo de lipoproteínas ricas em triglicérides contribuindo assim para o aumento dos triglicérides circulantes.

Quadro 4. Valores desejáveis de colesterol total e frações para pacientes com DRC.



Sódio e Líquidos

        Pacientes com DRC se beneficiam da restrição de sódio por três razões: melhor controle da pressão arterial, uma vez que a maioria dos pacientes é hipertensa; menor retenção hídrica e controle de edema periférico e melhor controle do ganho de peso interdialítico para os pacientes em hemodiálise. A recomendação de sódio é de 2.000 a 2.300mg por dia ou 5 a 6g de cloreto de sódio (sal de cozinha - equivalentes a quatro colheres rasas de chá.) por dia.

         A restrição hídrica poderá ser necessária caso o paciente persista com inchaço, apesar da restrição do sal e do uso de diuréticos. Pacientes em tratamento conservador raramente necessitam de restrição hídrica, pois, na maioria dos casos, são capazes de manter o balanço hídrico.

Potássio

          O aumento na concentração sérica de potássio é mais frequente nos estágios 4 e 5. A hiperpotassemia é multifatorial e não inclui apenas fatores dietéticos. Além da diminuição da função renal, as causas da hiperpotassemia incluem a acidose metabólica, uso de anti-hipertensivos inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), ou de seus receptores, a baixa eficiência de diálise, hipoaldosteronemia e constipação intestinal.

Para pacientes na fase não dialítica, o controle do potássio da dieta deve ser empregado quando houver elevação da concentração sérica desse eletrólito ou quando já houver perda significativa da função renal (TFG < 15mL/min).

Em geral, recomenda-se que a ingestão de potássio seja inferior a 70mEq por dia (~3g/dia). Hortaliças, frutas, leguminosas e oleaginosas apresentam elevado teor de potássio. O processo de cozimento em água das hortaliças e frutas promove a perda significativa desse eletrólito (cerca de 60%). Não é necessário, entretanto, que o paciente seja orientado a consumir somente alimentos cozidos. Frutas e hortaliças com reduzido teor de potássio podem ser ingeridas cruas em pequenas quantidades.



Ferro

Será fundamental a avaliação pelo médico da intensidade da anemia, dos estoques de ferro e de alguns hormônios; é comum que pacientes com doença renal crônica tenham insuficiência de eritropoetina (hormônio produzido pelos rins, importante para a maturação dos glóbulos vermelhos); às vezes é necessária a reposição desse hormônio e também dos estoques de ferro.

Cálcio e Fósforo

A prescrição dietética de cálcio e fósforo para pacientes com insuficiência renal crônica deve ser individualizada, pois depende de vários fatores:

● Fase da IRC (não dialítica, hemodiálise ou diálise peritoneal).
● Uso de calcitriol (1,25 diidroxicolecalciferol – forma ativa da vitamina D).
● Tipo de doença óssea.
● Concentração sérica de cálcio e fósforo.

        Em geral, pacientes na fase não dialítica que têm boa adesão a dieta hipoproteica apresentam uma ingestão reduzida de fósforo, uma vez que alimentos fontes de proteína também são boas fontes de fósforo (leite e derivados e carnes em geral). Por outro lado, essas dietas acabam tornando-se restritas em cálcio, de forma que, para alcançar as recomendações desse nutriente, o uso de suplementos de cálcio é frequentemente necessário. O carbonato de cálcio costuma ser usado como suplemento e deve ser tomado em horários distantes das refeições para que não ocorra interferência na absorção do cálcio.

Não existe uma dieta única para todos os pacientes. Cada paciente deverá ser avaliado de forma individual e ter sua dieta elaborada com o auxílio de um nutricionista.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.

Referências Bibliográficas:
Avesani, CM; Pereira, AML; Cuppari, L. Doença Renal Crônica. Nutrição nas doenças crônicas não-transmissíveis. 1 ed. São Paulo: Manole, 2009, p. 267-330.
Cuppari L et al. Doenças renais. In: Cuppari L. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar UNIFESP/ Escola Paulista de Medicina -nutrição clínica no adulto. 1a ed. São Paulo: Manole. 2002. p. 167-199.
Sociedade Brasileira de Nefrologia. Disponível em: www.sbn.org.br Acessado em: 03/06/2013.

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