segunda-feira, 3 de junho de 2013

Doença Renal Crônica (DRC) – Parte 1



A DRC, por muito tempo chamada de insuficiência renal crônica, é definida como uma síndrome clínica, caracterizada por perda lenta, progressiva e irreversível das funções renais. Caracteriza-se pela presença de dano renal ou redução das funções renais por um período igual ou superior a 3 meses, independente da sua etiologia. Os critérios adotados para o diagnóstico da DRC incluem a presença de anormalidades estruturais e funcionais no rim por mais de 3 meses, acompanhadas ou não de redução da função renal ou taxa de filtração glomerular (TFG – capacidade de filtração do rim expressa por depuração de creatinina, cujo valor de normalidade varia de 70 a 110ml/min/1,73m² de superfície corporal.) < 60mL/min por mais de 3 meses.

      No Brasil, estima-se que cerca de 1,4 milhão de indivíduos apresentam algum grau de disfunção renal. Esses números fazem da DRC um problema de saúde pública.

Etiologia

    As principais causas de DRC incluem a hipertensão arterial, o diabetes melito e as glomerulonefrites (é uma inflamação do glomérulo, unidade funcional do rim formada por um emaranhado de capilares, onde ocorrem a filtragem do sangue e a formação da urina.). Já as causas menos frequentes compreendem os rins policísticos, as pielonefrites (infecção bacteriana de um ou de ambos os rins), o lúpus eritematoso sistêmico e as doenças congênitas. A perda de função renal leva a uma série de distúrbios, resultantes da concentração inadequada de solutos, do acúmulo de substâncias tóxicas não eliminadas pela urina e da deficiência na produção de hormônios específicos. Todas essas alterações caracterizam um quadro com manifestações clínicas, denominado síndrome urêmica ou uremia (Quadro 1).

Quadro 1. Principais manifestações clínicas da síndrome urêmica.


Fonte: Cuppari, 2002.

     Para efeitos clínicos, a DRC é dividida em 5 estágios a depender da taxa de filtração glomerular (TFG) (Quadro 2).

Quadro 2. Estadiamento da DRC.


Fonte: Cuppari, 2009.

O estágio 0 da DRC tem importância sob o ponto de vista epidemiológico. Ele inclui os indivíduos com função renal normal e sem lesão renal, mas que devem ser acompanhados por serem do grupo de risco para desenvolver DRC, ou seja, portadores de hipertensão arterial, diabete melito e parentes de portadores de DRC.

► O estágio 1 (TFG ≥ 90mL/min/1,73m²) inclui os indivíduos com função renal normal, mas que apresentam algum tipo de lesão renal ( por exemplo, proteinúria, eliminação proteica através da urina). Esse estágio compreende a fase inicial da lesão renal.

► O estágio 2 (TFG 89 a 60mL/min/1,73m²), chamado lesão renal com diminuição leve da TFG, corresponde ao início da perda da função dos rins. Nessa fase, os níveis de uréia (O produto nitrogenado final do metabolismo das proteínas e o principal constituinte nitrogenado da urina) e creatinina (Substância encontrada nos músculos, no sangue e na urina. Tem aparência cristalina, branca e fortemente alcalina. Produto final do catabolismo da creatina, composto nitrogenado, sintetizado a partir de aminoácidos, encontrado no tecido muscular sob a forma de fosfocreatina) plasmática ainda são normais, não há alterações clínicas de insuficiência renal, e somente métodos mais acurados, como a medida da depuração ou clearance de creatinina, irão detectar déficit da função renal.

► No estágio 3 (TFG 59 a 30mL/min/1,73m²), a lesão renal é mais grave e há um déficit moderado da função renal. Nessa fase, embora os sintomas urêmicos possam estar presentes de maneira discreta, o paciente se mantém clinicamente bem e a alteração presente mais comum é o aumento dos níveis plasmáticos de creatinina e ureia.

► No estágio 4 (TFG 29 a 15mL/min/1,73m²), a lesão renal está associada com uma diminuição importante da TFG e o paciente já apresenta sinais marcados de uremia, sendo os mais comuns a anemia, hipertensão arterial, fraqueza, mal-estar e sintomas digestivos (anorexia, náusea, vômito, diarreia, hálito urêmico).

► O estágio 5 (TFG ≤15mL/min/1,73m²), caracterizado por insuficiência renal avançada, corresponde à fase de perda do controle do meio interno e, portanto, é incompatível com a vida. Por essa razão, o paciente encontra-se altamente sintomático e há necessidade de iniciar a terapia renal substitutiva, que pode ser a hemodiálise, a diálise peritoneal ou o transplante renal.

Fisiopatologia
  

     Os rins têm como função excretar a maior parte dos produtos finais do metabolismo orgânico, controlar a concentração da maioria dos líquidos corpóreos, manter a composição iônica do volume extracelular, participar na regulação do equilíbrio-ácido básico do organismo, além de sintetizar hormônios e enzimas, como a eritropoetina, a 1,25 diidroxivitamina D, a renina e outros. Por exercer todas essas funções, o rim é considerado um órgão vital. A falha da função renal acarreta uma série de distúrbios metabólicos importantes, que podem comprometer o estado nutricional do paciente com DRC.

      As principais alterações metabólicas decorrentes do comprometimento da função renal são:

expansão do volume extracelular: o volume fluido extracelular se mantém próximo do normal até os estágios finais da DRC, pois o rim consegue aumentar a fração de excreção de sódio no decorrer da doença. No entanto, nos estágios finais da DRC, essa função é perdida e o aumento na concentração sérica de sódio leva à retenção hídrica, com surgimento de edema, hipervolemia e hipertensão arterial;

acidose metabólica: esse é o distúrbio ácido-básico mais comum na doença renal. Inicialmente, o equilíbrio ácido-básico é mantido por meio do aumento da excreção de amônia pelos néfrons remanescentes. Com a progressão da lesão renal, essa adaptação torna-se insuficiente. Concomitantemente, ocorre diminuição da reabsorção tubular de bicarbonato. Ambas as condições levam à acidose metabólica, mais frequente nos estágios 4 e 5 da DRC. A acidose metabólica por ter repercussão negativa sobre o estado nutricional por ativar a via metabólica proteasoma-ubiquitina, que estimula a degradação de aminoácidos com consequente redução da massa muscular. A utilização de bicarbonato de sódio tem se mostrado eficiente para tratar a acidose metabólica e reduzir a degradação de aminoácidos;

anemia: o rim é responsável por 90% da produção do hormônio eritropoetina. Esse hormônio age na medula óssea e é responsável pela maturação das hemácias. Portanto, pacientes com DRC podem desenvolver quadros de anemia do tipo normocrômica e normocítica. O uso de eritropoetina recombinante humana, aliada à reposição de ferro endovenoso, é a terapia comumente empregada no tratamento da anemia;

doença cardiovascular: a doença cardiovascular é a principal causa de morte de pacientes com DRC, sendo responsável por metade dos óbitos nos pacientes em diálise. Os fatores de risco para doença cardiovascular na DRC são inúmeros e compreende os tradicionais (diabetes, hipertensão, dislipidemia, obesidade e sedentarismo) e os não-tradicionais (hiperhomocisteinemia, inflamação crônica, hiperparatireoidismo secundário, hiperfosfatemia e aumento do estresse oxidativo);

osteodistrofia renal: compreende alterações específicas dos mecanismos de remodelação óssea associados à uremia. Divide-se em doenças de alta remodelação (osteíte fibrosa) e baixa remodelação (doença óssea adinâmica e osteomalacia);

alteração no metabolismo de insulina: pacientes urêmicos podem apresentar resistência à ação da insulina e redução na secreção pancreática de insulina pelas células pancreáticas. Essas alterações podem aparecer quando há uma redução de cerca de 50% na função renal e tendem a se acentuar conforme a diminuição da função renal. Como consequência, processos anabólicos, como a síntese proteica, podem ficar prejudicados e contribuir para perda de massa muscular. Por outro lado, os rins são responsáveis pela depuração de cerca de 25 a 40% da insulina produzida. Sendo assim, com a diminuição da função renal, há menor depuração de insulina e aumento significativo de sua meia-vida, principalmente quando a TFG torna-se inferior a 20mL/min. Por essa razão, é comum a redução da dose de insulina de pacientes diabéticos com DRC;

alterações no perfil lipídico: pacientes com DRC frequentemente apresentam alteração no perfil lipídico, caracterizado por aumento na concentração sérica triglicérides, níveis de colesterol total normais ou aumentados, redução das lipoproteínas de alta densidade (HDL-colesterol) e aumento nas lipoproteínas de densidade baixa (LDL-colesterol) e intermediária (IDL-colesterol). As causas desse distúrbio ainda são pouco conhecidas, mas acredita-se que a resistência à ação da insulina, por diminuir a ação da enzima lipase lipoprotéica tenha um papel importante sobre o aumento da concentração de triglicérides;

alterações no trato gastrointestinal: estão presentes principalmente nos estágios 4 e 5 da DRC e compreendem anorexia, náusea, vômitos e, em alguns casos, diarreia. Essas alterações podem repercutir negativamente sobre o estado nutricional. A ocorrência desses sintomas pode ser amenizada por meio da redução na ingestão de proteína, em razão da diminuição da geração de compostos nitrogenados tóxicos provenientes do metabolismo proteico.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.


Referências Bibliográficas:

Avesani, CM; Pereira, AML; Cuppari, L. Doença Renal Crônica. Nutrição nas doenças crônicas não-transmissíveis. 1 ed. São Paulo: Manole, 2009, p. 267-330.

Cuppari L et al. Doenças renais. In: Cuppari L. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar UNIFESP/ Escola Paulista de Medicina - nutrição clínica no adulto. 1a ed. São Paulo: Manole. 2002. p. 167-199.

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