quinta-feira, 18 de julho de 2013

Alimentação no Diabetes Mellitus Tipo 1



O diabetes mellitus (DM) é uma síndrome metabólica caracterizada por hiperglicemia, resultante da deficiência na secreção e/ou ação da insulina. Resulta em distúrbios no metabolismo dos carboidratos, gorduras e proteínas. A hiperglicemia crônica está associada com danos, disfunção e falência em vários órgãos, especialmente olhos, rins, coração, sistema nervoso e artérias. O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) pode ocorrer em qualquer idade, entretanto acomete principalmente crianças, adolescentes e adultos jovens. Ocorre a destruição das células β (beta), levando a uma deficiência absoluta de insulina.

     O tratamento do DM1 deve ser individualizado e consiste de uso de insulina, monitorização domiciliar de glicose, plano de alimentação, atividade física, educação em diabetes e apoio emocional. Uma dieta inadequada ou uma baixa adesão à prescrição dietética está associada ao mau controle do DM.

      No decorrer do século passado, as diretrizes nutricionais foram gradativamente revisadas e se passou a recomendar aumento do consumo de carboidratos e controle na ingestão de alimentos ricos em gordura. Na verdade, indivíduos diabéticos devem ser encorajados a ingerir dieta balanceada, que forneça todos os macro e micronutrientes essenciais, em quantidades corretas. A terapia nutricional deve objetivar não somente o equilíbrio glicêmico, mas também a prevenção do risco cardiovascular, visando ao controle dos lípides e lipoproteínas plasmáticas, além de mediar os processos inflamatórios. Deve-se ter como finalidade prevenir e retardar a taxa de desenvolvimento de complicações. No caso de crianças e adolescentes, também precisa proporcionar crescimento e desenvolvimento adequados.

     No atendimento de indivíduos portadores de diabetes tipo 1, principalmente crianças e adolescentes, os profissionais envolvidos devem estar cientes da importância do envolvimento dos seus cuidadores no contexto do tratamento. Esta supervisão é fundamental, especialmente na primeira infância, e o acompanhamento constante contribui para que, gradativamente, os pacientes tornem-se capazes de realizar sozinhos o seu autocontrole.

    Pelo fato de não haver estudos específicos com diabéticos sobre necessidades de nutrientes, as diretrizes nutricionais da American Diabetes Association (ADA) fundamentam-se nas recomendações vigentes para crianças e adolescentes saudáveis. Diversos estudos evidenciam inadequação na alimentação em grande parte das crianças e dos adolescentes, por apresentarem baixo consumo de hortaliças e frutas e, consequentemente, com alta ingestão de alimentos ricos em gordura. Observa-se o mesmo comportamento alimentar em diabéticos. Portanto, a ênfase inicial do tratamento dietético deve ser a adequação da ingestão de nutrientes. Posteriormente, deve-se ater a aspectos mais específicos relacionados diretamente ao controle da glicemia. É importante ressaltar que alguns estudos mostram que crianças diabéticas com boa adesão ao tratamento possuem hábitos alimentares mais saudáveis em comparação com não-diabéticas.

Recomendações Nutricionais

      Existem várias abordagens nutricionais para o controle do diabetes, e a melhor é aquela com que portador de diabetes e o profissional que o acompanha se sintam mais confortáveis, além de conseguirem o melhor controle. Algumas vezes, percebe-se que aquele plano alimentar recomendado no início do diagnóstico da doença não mais se ajusta às expectativas e aos tratamentos atuais, e aí a necessidade de um novo plano alimentar.

► Energia e Controle de Peso

    O total de calorias da dieta no diabetes tipo 1 em crianças e adolescentes deve ser suficiente para, ao lado do tratamento insulínico, normalizar os níveis de glicose, prevenindo a hipoglicemia. Ao mesmo tempo, deve-se garantir o crescimento e o desenvolvimento adequados.

    É importante considerar a eventual presença de sobrepeso, crescimento e dados mais subjetivos, como o apetite dos pacientes, para adequar a quantidade energética da dieta. O valor calórico da dieta deve objetivar a recuperação de peso em crianças e adolescentes com deficiência ponderal no momento do diagnóstico. Observa-se, entretanto, durante o tratamento, aumento da prevalência de sobrepeso nessa faixa etária, provocado pela falta de atividade física e o consumo de alimentos com alta densidade energética, com elevado teor de gordura.

      Além da ingestão inadequada de alimentos, a insulinização excessiva pode contribuir para o ganho de peso, por meio do estabelecimento de um círculo vicioso, no qual o paciente toma cada vez mais insulina, ingere quantidade cada vez maior de alimentos, ganha mais peso, necessita de mais insulina e come mais, tornando-se cada vez mais obeso e mais resistente à insulina.

► Carboidratos

     A recomendação nutricional reconhecida como importante aspecto no tratamento do diabetes tem sido também uma área de persistente controvérsia, particularmente no tocante à proporção e tipos de carboidratos e gorduras. As novas diretrizes não fazem restrições ao consumo de qualquer tipo de carboidratos (vide post carboidratos). Fundamentada em critérios adotados pela Recommendad Dietary Allowances (RDA), publicada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), A ADA recomenda que a ingestão mínima de carboidratos deva ser de 130g/dia.
 
      A ADA recomenda a ingestão de 20 a 35g de fibras / dia e, para tanto, orienta aumento do consumo de alimentos como frutas, hortaliças e grãos, que, adicionalmente, fornecem micronutrientes, como vitaminas e minerais, fundamentais ao bom funcionamento do organismo, contribuindo para importantes reações metabólicas. Fibras com características viscosas (guar, pectina, psillium) relacionam-se ao controle da concentração plasmática de colesterol e à normalização da glicemia. Contribuem para a redução do colesterol por diminuir a absorção de ácidos biliares no íleo. Dessa forma, o fígado recruta colesterol da circulação para a síntese de novas moléculas de ácidos biliares. É importante ressaltar que, isoladamente, a eficiência das fibras na redução do colesterol é pequena. Portanto, a sua ingestão deve fazer parte de uma dieta balanceada e com quantidade e qualidade recomendadas de gordura.

   Em relação à normalização da glicemia, sabe-se que as fibras retardam a absorção da glicose melhorando a sua tolerância. Estudos mais recentes mostram que a ingestão adequada de fibras na dieta eleva os níveis de adiponectina, que resulta melhores da sensibilidade à insulina, redução de inflamação e melhora da concentração plasmática de glicose em diabéticos. O carboidrato é um nutriente importante e fundamental à saúde, motivo pelo qual se recomenda que a sua ingestão seja de aproximadamente metade das calorias da dieta. É preciso ressaltar, entretanto, que existe grande preocupação com o excesso da ingestão de carboidratos, que tem sido um hábito cada vez mais freqüente entre a população. Esta conduta leva à obesidade com suas consequências metabólicas. Deve-se lembrar que mesmo uma dieta balanceada (55% de carboidratos, 15% de proteínas e 30% de gorduras), mas com alto valor calórico, fornece, em gramas, grande quantidade de carboidratos. Esta ingestão excessiva realmente excede a capacidade de o fígado metabolizar e armazenar glicose na forma de glicogênio e, assim, a glicose é transformada em ácido graxo, induzindo maior secreção hepática de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), levando ao aumento da concentração plasmática de triglicérides.

► Contagem de Carboidratos

       Em diabéticos tipo 1, a abordagem mais efetiva no controle da glicemia pós-prandial é o ajuste das doses de insulina antes das refeições com base na quantidade de carboidratos consumida. Pode-se fixar as doses de insulina e as quantidades de carboidratos na dieta. Quando houver variação em ambas, entretanto, é possível estimar a quantidade de carboidratos para se determinar a dose de insulina a ser empregada.

      Sabe-se que o balanço entre a ingestão de carboidratos e as doses de insulina determinará a resposta da glicose pós-prandial. Para tanto, há uma variedade de métodos que podem ser utilizadas como estratégia para o controle glicêmico, por exemplo, a contagem de carboidratos, a tabela de substituições ou mesmo a estimativa fundamentada em evidências.

     O paciente é orientado a calcular a quantidade de carboidratos da refeição, utilizando tabelas de composição de alimentos. Deve ser treinado a ingerir quantidades consistentes de carboidratos nas refeições e lanches. Assim, a dose de insulina prandial será correspondente à quantidade de carboidratos ingerida, utilizando-se o teste de glicemia pré e pós-prandiais. Quando as glicoses pré e pós-prandiais atingirem valores desejáveis, é estabelecida a razão insulina/carboidrato, dividindo-se o número em gramas de carboidratos pela dose de insulina utilizada no pré-prandial. Existem várias formas de determinar a razão adequada, considerando-se uma série de fatores, principalmente o tipo de insulina utilizada no tratamento. É importante ressaltar que essa razão pode variar, dependendo do horário, do estresse, da presença de determinadas doenças e das variações na atividade física. Em relação a esta última, estudos mostram que muitas vezes é necessário reduzir até 75% da dose de insulina, de acordo com a atividade realizada.

A ADA segue a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde), de ingestão máxima de 10% das calorias na forma de sacarose (vide post carboidratos). Recomenda também a monitorização do consumo de carboidratos, seja por meio de contagem, lista de substituições ou estimativas fundamentadas em experiência clínica.
 
► Proteínas

            Não há evidência para a restrição do consumo de proteínas com o objetivo de prevenir a doença renal. A recomendação de proteínas é a mesma indicada para a população geral, ou seja, 0,8 a 1,0g/kg de peso corporal, mesmo para os indivíduos com início da doença renal (vide post sobre doença renal). No entanto, indica-se 0,8g de proteínas no estado mais avançado da doença renal.

► Lipídios

            A quantidade e o tipo de gordura na dieta são fatores determinantes da concentração plasmática de lipídios e lipoproteínas no plasma. Do ponto de vista nutricional, os lipídios de maior importância são os triglicerídeos, representando 98% das gorduras da dieta, os diglicerídeos, os fosfolípides e, finalmente, os esteróis, compostos por colesterol e fitoesteróis. A principal fonte dos triglicerídeos são as gorduras vegetais e animais. O colesterol é um álcool que se encontra dissolvido nas gorduras de origem animal, não sendo produzido em vegetais. O intestino absorve cerca de 50% do colesterol da dieta e o restante é excretado nas fezes. O colesterol do organismo origina-se, basicamente, de duas fontes distintas: dieta e síntese tecidual. A ingestão diária de colesterol é de aproximadamente 250 a 300 mg e as células produzem aproximadamente 1000 mg de colesterol. Por este motivo, os ácidos graxos saturados induzem maior elevação de seus níveis do que o próprio colesterol alimentar. Os fitoesteróis são componentes estruturais das células dos tecidos vegetais e se classificam em estanóis e esteróis. Possuem baixa absorção intestinal e competem com o colesterol no momento de sua absorção, induzindo, assim, sua maior excreção.

Os principais ácidos graxos saturados relacionados à elevação da colesterolemia e do LDL-colesterol são o ácido palmítico, principal fonte de gordura saturada na dieta e o mirístico, presente em leite e derivados que possui maior ação hipercolesterolemizante. A gordura saturada eleva o colesterol no plasma, por induzir a diminuição dos receptores hepáticos de LDL (mau colesterol). Os ácidos graxos trans, presentes na gordura vegetal hidrogenada e em diversos alimentos industrializados, possuem efeito adverso adicional ao da gordura saturada, porque, além de elevarem a colesterolemia, reduzem a concentração plasmática de HDL (bom colesterol). Já os ácidos graxos monoinsaturados, presentes no azeite de oliva e no óleo de canola, não elevam a concentração plasmática de colesterol e LDL. Os ácidos graxos monoinsaturados não elevam a glicemia quando comparados com a dieta rica em carboidratos (> 55% das calorias).

Estudos recentes têm mostrado em indivíduos diabéticos que os ácidos graxos saturados e trans pioram a função endotelial, pois elevam a concentração plasmática de TNF-alfa, interleucinas e moléculas de adesão. A ADA recomenda ingestão máxima de 7% das calorias na forma de ácidos graxos saturados. O consumo de ácidos graxos trans deve ser minimizado e o de colesterol não deve ultrapassar 200 mg/dia. Em relação aos ácidos graxos ômega-3, recomenda-se a ingestão de duas ou mais porções de peixe por semana. Como parte do tratamento da hipercolesterolemia moderada, pode ser utilizado 2 a 3 g de fitoesterol/dia.
 
► Adoçantes

   Os edulcorantes são produtos comumente utilizados na alimentação de indivíduos diabéticos e obesos. São indicados em substituição ao açúcar comum, sacarose, com a finalidade de, respectivamente, evitar a ocorrência de picos hiperglicêmicos e reduzir o teor calórico das dietas. Diferem quanto às suas propriedades químicas, poder adoçante e estabilidade na cocção e possuem finalidades e aplicações distintas.

    Os adoçantes são classificados em duas categorias: calóricos e não calóricos. Os adoçantes calóricos não são contra-indicados para diabéticos quando utilizados em pequenas quantidades nas preparações e em combinação com outros adoçantes. Porém, quando utilizados na forma livre, como é o caso da frutose, deve-se considerar o seu valor calórico e as possíveis alterações glicêmicas que possa provocar. Entre os adoçantes nutritivos encontram-se a frutose e o sorbitol. Os não-nutritivos são: o aspartame (fenilalanina + ácido aspártico), a sacarina e o ciclamato, os três produtos sintéticos; o acessulfame-k, um sal de potássio; e a sucralose, derivada da cana-de-açúcar. Todos os edulcorantes são seguros para uso em diabéticos.

► Álcool

           O álcool é metabolizado preferencialmente pela via da álcool desidrogenase, enzima responsável pela sua conversão a acetil CoA, precursor da síntese de ácidos graxos e, consequentemente, da síntese de triglicérides. Seu alto teor calórico também deve ser considerado, uma vez que fornece 7 kcal/g. Induz tanto o aparecimento de hipoglicemia, por inibir a neglicogênese (produção de glicose a partir de substratos que não os carboidratos, particularmente, o lactato, aminoácidos e glicerol) hepática, como um quadro de hiperglicemia quando consumido com grande quantidade de carboidratos.

Demonstrou-se recentemente, em diabéticos tipo 1, que o álcool atenua a resposta do hormônio de crescimento em estado de hipoglicemia. Esta ação retarda a normalização da concentração plasmática de glicose. A última diretriz da ADA de 2008 faz as seguintes considerações quanto ao consumo de álcool: deve ser moderado entre adultos, com ingestão máxima de duas doses para homens e uma dose para mulheres; quando ingerido juntamente com carboidratos em bebidas mistas, provoca hiperglicemia; com a finalidade de prevenir a hipoglicemia
em diabéticos que utilizam insulina, o álcool deve ser ingerido juntamente com alimentos. O consumo de álcool deve ser restrito para pacientes portadores de hipertrigliceridemia e de neuropatia diabética.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.

Referências Bibliográficas:

Costa, PCA; Franco, LJ. Introdução da sacarose no plano alimentar de portadores de diabetes mellitus tipo 1 – sua influência no controle glicêmico. Arq Bras Endocrinol Metab 2005, v.49, n.3: p. 403-409.

Lottenberg, AMP. Características da dieta nas diferentes fases da evolução do diabetes melito tipo 1. Arq Bras Endocrinol Metab 2008, v.52, n.2: p. 250-259.

Sociedade Brasileira de Diabetes. Plano Alimentar e Diabetes Mellitus Tipo 1. Disponível em: www.sbd.org.br Acessado em: 30/06/2013.

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