O
diabetes mellitus (DM) é uma síndrome metabólica caracterizada por
hiperglicemia, resultante da deficiência na secreção e/ou ação da insulina.
Resulta em distúrbios no metabolismo dos carboidratos, gorduras e proteínas. A
hiperglicemia crônica está associada com danos, disfunção e falência em vários
órgãos, especialmente olhos, rins, coração, sistema nervoso e artérias. O
diabetes mellitus tipo 1 (DM1) pode ocorrer em qualquer idade, entretanto
acomete principalmente crianças, adolescentes e adultos jovens. Ocorre a
destruição das células β (beta), levando a uma deficiência absoluta de
insulina.
O tratamento do DM1 deve ser
individualizado e consiste de uso de insulina, monitorização domiciliar de
glicose, plano de alimentação, atividade física, educação em diabetes e apoio
emocional. Uma dieta inadequada ou uma baixa adesão à prescrição dietética está
associada ao mau controle do DM.
No decorrer do século passado, as
diretrizes nutricionais foram gradativamente revisadas e se passou a recomendar
aumento do consumo de carboidratos e controle na ingestão de alimentos ricos em
gordura. Na verdade, indivíduos diabéticos devem ser encorajados a ingerir
dieta balanceada, que forneça todos os macro e micronutrientes essenciais, em
quantidades corretas. A terapia nutricional deve objetivar não somente o
equilíbrio glicêmico, mas também a prevenção do risco cardiovascular, visando
ao controle dos lípides e lipoproteínas plasmáticas, além de mediar os
processos inflamatórios. Deve-se ter como finalidade prevenir e retardar a taxa
de desenvolvimento de complicações. No caso de crianças e adolescentes, também
precisa proporcionar crescimento e desenvolvimento adequados.
No atendimento de indivíduos
portadores de diabetes tipo 1, principalmente crianças e adolescentes, os
profissionais envolvidos devem estar cientes da importância do envolvimento dos
seus cuidadores no contexto do tratamento. Esta supervisão é fundamental,
especialmente na primeira infância, e o acompanhamento constante contribui para
que, gradativamente, os pacientes tornem-se capazes de realizar sozinhos o seu
autocontrole.
Pelo fato de não haver estudos
específicos com diabéticos sobre necessidades de nutrientes, as diretrizes
nutricionais da American Diabetes Association (ADA) fundamentam-se nas
recomendações vigentes para crianças e adolescentes saudáveis. Diversos estudos
evidenciam inadequação na alimentação em grande parte das crianças e dos
adolescentes, por apresentarem baixo consumo de hortaliças e frutas e, consequentemente, com alta ingestão de alimentos ricos em gordura. Observa-se o
mesmo comportamento alimentar em diabéticos. Portanto, a ênfase inicial do
tratamento dietético deve ser a adequação da ingestão de nutrientes.
Posteriormente, deve-se ater a aspectos mais específicos relacionados
diretamente ao controle da glicemia. É importante ressaltar que alguns estudos
mostram que crianças diabéticas com boa adesão ao tratamento possuem hábitos
alimentares mais saudáveis em comparação com não-diabéticas.
Recomendações
Nutricionais
Existem várias abordagens
nutricionais para o controle do diabetes, e a melhor é aquela com que portador
de diabetes e o profissional que o acompanha se sintam mais confortáveis, além
de conseguirem o melhor controle. Algumas vezes, percebe-se que aquele plano
alimentar recomendado no início do diagnóstico da doença não mais se ajusta às
expectativas e aos tratamentos atuais, e aí a necessidade de um novo plano
alimentar.
►
Energia e Controle de Peso
O total de calorias da dieta no
diabetes tipo 1 em crianças e adolescentes deve ser suficiente para, ao lado do
tratamento insulínico, normalizar os níveis de glicose, prevenindo a
hipoglicemia. Ao mesmo tempo, deve-se garantir o crescimento e o desenvolvimento
adequados.
É importante considerar a eventual
presença de sobrepeso, crescimento e dados mais subjetivos, como o apetite dos
pacientes, para adequar a quantidade energética da dieta. O valor calórico da
dieta deve objetivar a recuperação de peso em crianças e adolescentes com
deficiência ponderal no momento do diagnóstico. Observa-se, entretanto, durante
o tratamento, aumento da prevalência de sobrepeso nessa faixa etária, provocado
pela falta de atividade física e o consumo de alimentos com alta densidade
energética, com elevado teor de gordura.
Além da ingestão inadequada de
alimentos, a insulinização excessiva pode contribuir para o ganho de peso, por
meio do estabelecimento de um círculo vicioso, no qual o paciente toma cada vez
mais insulina, ingere quantidade cada vez maior de alimentos, ganha mais peso,
necessita de mais insulina e come mais, tornando-se cada vez mais obeso e mais
resistente à insulina.
►
Carboidratos
A recomendação nutricional
reconhecida como importante aspecto no tratamento do diabetes tem sido também
uma área de persistente controvérsia, particularmente no tocante à proporção e
tipos de carboidratos e gorduras. As novas diretrizes não fazem restrições ao
consumo de qualquer tipo de carboidratos (vide post carboidratos).
Fundamentada em critérios adotados pela Recommendad Dietary Allowances (RDA),
publicada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), A ADA
recomenda que a ingestão mínima de carboidratos deva ser de 130g/dia.
A ADA recomenda a ingestão de 20 a 35g
de fibras / dia e, para tanto, orienta aumento do consumo de alimentos como
frutas, hortaliças e grãos, que, adicionalmente, fornecem micronutrientes, como
vitaminas e minerais, fundamentais ao bom funcionamento do organismo,
contribuindo para importantes reações metabólicas. Fibras com características
viscosas (guar, pectina, psillium) relacionam-se ao controle da concentração
plasmática de colesterol e à normalização da glicemia. Contribuem para a
redução do colesterol por diminuir a absorção de ácidos biliares no íleo. Dessa
forma, o fígado recruta colesterol da circulação para a síntese de novas
moléculas de ácidos biliares. É importante ressaltar que, isoladamente, a
eficiência das fibras na redução do colesterol é pequena. Portanto, a sua
ingestão deve fazer parte de uma dieta balanceada e com quantidade e qualidade
recomendadas de gordura.
Em relação à normalização da
glicemia, sabe-se que as fibras retardam a absorção da glicose melhorando a sua
tolerância. Estudos mais recentes mostram que a ingestão adequada de fibras na
dieta eleva os níveis de adiponectina, que resulta melhores da sensibilidade à
insulina, redução de inflamação e melhora da concentração plasmática de glicose
em diabéticos. O carboidrato é um nutriente importante e fundamental à saúde,
motivo pelo qual se recomenda que a sua ingestão seja de aproximadamente metade
das calorias da dieta. É preciso ressaltar, entretanto, que existe grande
preocupação com o excesso da ingestão de carboidratos, que tem sido um hábito
cada vez mais freqüente entre a população. Esta conduta leva à obesidade
com suas consequências metabólicas. Deve-se lembrar que mesmo uma dieta
balanceada (55% de carboidratos, 15% de proteínas e 30% de gorduras), mas com
alto valor calórico, fornece, em gramas, grande quantidade de carboidratos.
Esta ingestão excessiva realmente excede a capacidade de o fígado metabolizar e
armazenar glicose na forma de glicogênio e, assim, a glicose é transformada em
ácido graxo, induzindo maior secreção hepática de lipoproteínas de muito baixa
densidade (VLDL), levando ao aumento da concentração plasmática de
triglicérides.
► Contagem de Carboidratos
Em diabéticos tipo 1, a
abordagem mais efetiva no controle da glicemia pós-prandial é o ajuste das
doses de insulina antes das refeições com base na quantidade de carboidratos
consumida. Pode-se fixar as doses de insulina e as quantidades de carboidratos
na dieta. Quando houver variação em ambas, entretanto, é possível estimar a
quantidade de carboidratos para se determinar a dose de insulina a ser
empregada.
Sabe-se que o balanço
entre a ingestão de carboidratos e as doses de insulina determinará a resposta
da glicose pós-prandial. Para tanto, há uma variedade de métodos que podem ser
utilizadas como estratégia para o controle glicêmico, por exemplo, a contagem
de carboidratos, a tabela de substituições ou mesmo a estimativa fundamentada em
evidências.
O paciente é orientado a calcular a quantidade de carboidratos da
refeição, utilizando tabelas de composição de alimentos. Deve ser treinado a
ingerir quantidades consistentes de carboidratos nas refeições e lanches.
Assim, a dose de insulina prandial será correspondente à quantidade de
carboidratos ingerida, utilizando-se o teste de glicemia pré e pós-prandiais.
Quando as glicoses pré e pós-prandiais atingirem valores desejáveis, é
estabelecida a razão insulina/carboidrato, dividindo-se o número em gramas de
carboidratos pela dose de insulina utilizada no pré-prandial. Existem várias
formas de determinar a razão adequada, considerando-se uma série de fatores,
principalmente o tipo de insulina utilizada no tratamento. É importante
ressaltar que essa razão pode variar, dependendo do horário, do estresse, da
presença de determinadas doenças e das variações na atividade física. Em
relação a esta última, estudos mostram que muitas vezes é necessário reduzir
até 75% da dose de insulina, de acordo com a atividade realizada.
A ADA segue a recomendação da OMS (Organização
Mundial de Saúde), de ingestão máxima de 10% das calorias na forma de sacarose
(vide post carboidratos). Recomenda também a monitorização do consumo de
carboidratos, seja por meio de contagem, lista de substituições ou estimativas
fundamentadas em experiência clínica.
► Proteínas
Não há evidência para a
restrição do consumo de proteínas com o objetivo de prevenir a doença renal. A
recomendação de proteínas é a mesma indicada para a população geral, ou seja,
0,8 a 1,0g/kg de peso corporal, mesmo para os indivíduos com início da doença
renal (vide post sobre doença renal). No entanto, indica-se 0,8g de proteínas
no estado mais avançado da doença renal.
► Lipídios
A quantidade e o tipo
de gordura na dieta são fatores determinantes da concentração plasmática de
lipídios e lipoproteínas no plasma. Do ponto de vista nutricional, os lipídios
de maior importância são os triglicerídeos, representando 98% das gorduras da
dieta, os diglicerídeos, os fosfolípides e, finalmente, os esteróis, compostos
por colesterol e fitoesteróis. A principal fonte dos triglicerídeos são as
gorduras vegetais e animais. O colesterol é um álcool que se encontra
dissolvido nas gorduras de origem animal, não sendo produzido em vegetais. O
intestino absorve cerca de 50% do colesterol da dieta e o restante é excretado
nas fezes. O colesterol do organismo origina-se, basicamente, de duas fontes
distintas: dieta e síntese tecidual. A ingestão diária de colesterol é de
aproximadamente 250 a 300 mg e as células produzem aproximadamente 1000 mg de
colesterol. Por este motivo, os ácidos graxos saturados induzem maior elevação
de seus níveis do que o próprio colesterol alimentar. Os fitoesteróis são
componentes estruturais das células dos tecidos vegetais e se classificam em
estanóis e esteróis. Possuem baixa absorção intestinal e competem com o
colesterol no momento de sua absorção, induzindo, assim, sua maior excreção.
Os principais ácidos graxos saturados relacionados à
elevação da colesterolemia e do LDL-colesterol são o ácido palmítico, principal
fonte de gordura saturada na dieta e o mirístico, presente em leite e derivados
que possui maior ação hipercolesterolemizante. A gordura saturada eleva o
colesterol no plasma, por induzir a diminuição dos receptores hepáticos de LDL
(mau colesterol). Os ácidos graxos trans, presentes na gordura vegetal
hidrogenada e em diversos alimentos industrializados, possuem efeito adverso
adicional ao da gordura saturada, porque, além de elevarem a colesterolemia,
reduzem a concentração plasmática de HDL (bom colesterol). Já os ácidos graxos monoinsaturados,
presentes no azeite de oliva e no óleo de canola, não elevam a concentração
plasmática de colesterol e LDL. Os ácidos graxos monoinsaturados não elevam a
glicemia quando comparados com a dieta rica em carboidratos (> 55% das
calorias).
Estudos recentes têm mostrado em indivíduos
diabéticos que os ácidos graxos saturados e trans pioram a função endotelial,
pois elevam a concentração plasmática de TNF-alfa, interleucinas e moléculas de
adesão. A ADA recomenda ingestão máxima de 7% das calorias na forma de ácidos
graxos saturados. O consumo de ácidos graxos trans deve ser minimizado e o de
colesterol não deve ultrapassar 200 mg/dia. Em relação aos ácidos graxos
ômega-3, recomenda-se a ingestão de duas ou mais porções de peixe por semana. Como
parte do tratamento da hipercolesterolemia moderada, pode ser utilizado 2 a 3 g
de fitoesterol/dia.
►
Adoçantes
Os edulcorantes
são produtos comumente utilizados na alimentação de indivíduos diabéticos e
obesos. São indicados em substituição ao açúcar comum, sacarose, com a
finalidade de, respectivamente, evitar a ocorrência de picos hiperglicêmicos e
reduzir o teor calórico das dietas. Diferem quanto às suas propriedades
químicas, poder adoçante e estabilidade na cocção e possuem finalidades e
aplicações distintas.
Os adoçantes são
classificados em duas categorias: calóricos e não calóricos. Os adoçantes
calóricos não são contra-indicados para diabéticos quando utilizados em
pequenas quantidades nas preparações e em combinação com outros adoçantes.
Porém, quando utilizados na forma livre, como é o caso da frutose, deve-se
considerar o seu valor calórico e as possíveis alterações glicêmicas que possa
provocar. Entre os adoçantes nutritivos encontram-se a frutose e o sorbitol. Os
não-nutritivos são: o aspartame (fenilalanina + ácido aspártico), a sacarina e
o ciclamato, os três produtos sintéticos; o acessulfame-k, um sal de potássio;
e a sucralose, derivada da cana-de-açúcar. Todos os edulcorantes são seguros
para uso em diabéticos.
► Álcool
O álcool é metabolizado
preferencialmente pela via da álcool desidrogenase, enzima responsável pela sua
conversão a acetil CoA, precursor da síntese de ácidos graxos e, consequentemente, da síntese de triglicérides. Seu alto teor calórico também
deve ser considerado, uma vez que fornece 7 kcal/g. Induz tanto o aparecimento
de hipoglicemia, por inibir a neglicogênese (produção de glicose a partir de
substratos que não os carboidratos, particularmente, o lactato, aminoácidos e
glicerol) hepática, como um quadro de hiperglicemia quando consumido com grande
quantidade de carboidratos.
Demonstrou-se recentemente, em diabéticos tipo 1,
que o álcool atenua a resposta do hormônio de crescimento em estado de
hipoglicemia. Esta ação retarda a normalização da concentração plasmática de
glicose. A última diretriz da ADA de 2008 faz as seguintes considerações quanto
ao consumo de álcool: deve ser moderado entre adultos, com ingestão máxima de
duas doses para homens e uma dose para mulheres; quando ingerido juntamente com
carboidratos em bebidas mistas, provoca hiperglicemia; com a finalidade de
prevenir a hipoglicemia
em diabéticos que utilizam insulina, o álcool deve ser ingerido juntamente
com alimentos. O consumo de álcool deve ser restrito para pacientes portadores
de hipertrigliceridemia e de neuropatia diabética.
As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas
por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos,
nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e
exclusivamente, para seu conhecimento.
Referências
Bibliográficas:
Costa, PCA; Franco, LJ. Introdução da
sacarose no plano alimentar de portadores de diabetes mellitus tipo 1 – sua
influência no controle glicêmico. Arq Bras Endocrinol Metab 2005, v.49, n.3: p.
403-409.
Lottenberg, AMP. Características da dieta nas
diferentes fases da evolução do diabetes melito tipo 1. Arq Bras Endocrinol
Metab 2008, v.52, n.2: p. 250-259.
Sociedade Brasileira de Diabetes. Plano
Alimentar e Diabetes Mellitus Tipo 1. Disponível em: www.sbd.org.br Acessado em: 30/06/2013.
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