segunda-feira, 22 de julho de 2013

Dislipidemias



Os principais lipídios para o ser humano são: ácidos graxos, colesterol, triglicérides e fosfolipídios. Estas moléculas constituem a porção lipídica das lipoproteínas (forma de transporte dos lipídios na circulação sanguínea). A maioria dos ácidos graxos pode ser sintetizada pelo fígado, com exceção do linoléico e de seu metabólito, o ácido araquidônico (ácidos graxos essenciais). A outra parte das lipoproteínas é constituída de proteínas especiais, denominadas apolipoproteínas ou apoproteínas. Estas têm as seguintes funções: transporte dos lipídios na corrente sanguínea; ligação com os receptores celulares; ativação de determinadas enzimas.

          O colesterol é importante para a formação e função das membranas celulares e para a síntese de sais biliares, de hormônios esteróides e da vitamina D. Os triglicérides têm papel energético, para utilização imediata ou após armazenamento, enquanto os fosfolipídios são importantes para manter a integridade das membranas celulares e a solubilidade dos ésteres de colesterol e dos triglicérides no interior das lipoproteínas.

        As fontes de lipídios do organismo são a síntese interna (endógena) e a alimentação (exógena).
 

Lipoproteína 

Ciclo Exógeno: tem início com a absorção dos lipídios provenientes da alimentação e síntese dos quilomícrons (lipoproteína) pelas células intestinais. Estes entram na circulação linfática e ganham a corrente sanguínea pelo ducto torácico. Nos vasos capilares do tecido adiposo e muscular, os quilomícrons entram em contato com a enzima lipase lipoproteica, a qual, ativada pela apoproteína C-II, hidrolisa os triglicerídeos, retirando ácidos graxos dos quilomícrons, os quais se tornam menores (quilomícrons remanescentes). Estes são rapidamente removidos da circulação pelas células hepáticas que possuem receptores para a apolipoproteína E presente nos quilomícrons remanescentes. No interior das células, os quilomícrons remanescentes são fragmentados e parte do material lipídico é aproveitado, sendo o excedente reorganizado em outro tipo de lipoproteínas, juntamente com a parte sintetizada pelo fígado.

Ciclo Endógeno: tem início com a síntese hepática de uma liproproteína denominada VLDL (very low density lipoprotein ou lipoproteína de muito baixa densidade), a qual contém, como lipídios, principalmente os triglicérides e, como as apos B-100 e E. Na circulação capilar as VLDL entram em contato com a lipase lipoprotéica dando origem aos VLDL remanescente ou IDL (intermediate density lipoprotein, lipoproteína de densidade intermediária). Estes têm dois caminhos: continuam sob ação da lipase lipoprotéica e são absorvidos pelo fígado ou sofrem ação da lipase hepática, dando origem às LDL (low density lipoprotein ou lipoproteína de baixa densidade). Tanto as LDL como as IDL são retiradas da circulação por receptores celulares B/E, existentes principalmente no fígado. Uma vez no interior das células, estas lipoproteínas são fragmentadas e liberam colesterol livre e aminoácidos. O colesterol livre é utilizado imediatamente ou armazenado após esterificação. A síntese intracelular de colesterol e dos receptores B/E varia na razão inversa da captação do colesterol plasmático.

            Parte do material liberado pela ação da lipase lipoprotéica sobre os quilomícrons e as VLDL é utilizado na fabricação de outra lipoproteína: a HDL (high density lipoprotein ou lipoproteína de alta densidade), sintetizada no intestino e no fígado. A sua principal apoproteína é a A-I. A HDL é responsável pelo chamado transporte reverso do colesterol: retira-o das células e troca-o com outras lipoproteínas (principalmente as VLDL), sob ação da enzima CETP (cholesterol esther transfer protein ou proteína de transferência do colesterol esterificado), ou leva-o diretamente para o fígado.

            A única maneira que o organismo dispõe para eliminar colesterol é através da bile, como colesterol livre ou como ácido biliar.

Dislipidemias

            A dislipidemia é definida como distúrbio que altera os níveis séricos dos lipídios. As alterações do perfil lipídico podem incluir colesterol total alto, triglicerídeos alto, colesterol de lipoproteína de alta densidade baixo (HDL-c) e níveis elevados de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-c). Em consequência, a dislipidemia é considerada como um dos principais determinantes da ocorrência de doenças cardiovasculares (DCV) e cerebrovasculares, dentre elas aterosclerose (espessamento e perda da elasticidade das paredes das artérias), infarto agudo do miocárdio, doença isquêmica do coração (diminuição da irrigação sanguínea no coração) e AVC (derrame). De acordo com o tipo de alteração dos níveis séricos de lipídios, a dislipidemia é classificada como: hipercolesterolemia isolada, hipertrigliceridemia isolada, hiperlipidemia mista e HDL-c baixo.

Os níveis de lipídios na corrente sanguínea estão associados ao hábito de praticar exercícios, de ingerir bebidas alcoólicas, carboidratos e gorduras. Além disso, o índice de massa corpórea e idade influenciam as taxas de gordura sérica. A atividade física aeróbica regular, como corrida e caminhada, constitui medida auxiliar para o controle da dislipidemia.


Tratamento Não Medicamentoso das Dislipidemias

Atualmente, o tratamento das dislipidemias tem como objetivo principal o controle do LDL-colesterol, pois a terapia de redução desta fração diminui os riscos das doenças cardiovasculares.

Quadro 1. Valores de referência (mg/dL) dos lipídios plasmáticos para indivíduos maiores de 20 anos de idade.

          A dieta é a primeira opção de tratamento para a hipercolesterolemia. Os componentes dietéticos que mais elevam o colesterol são as gorduras saturadas e as transisoméricas (trans), bem como o colesterol dietético.

O objetivo principal é reduzir a quantidade total de ácidos graxos saturados e colesterol ingerido e adequar as calorias de acordo com as necessidades individuais para promover a perda de peso.

Hipercolesterolemia

Colesterol e ácidos graxos saturados

           Os conteúdos alimentares de gorduras saturadas e de colesterol influenciam diferentemente os níveis lipídicos plasmáticos, em especial a colesterolemia. A maioria da população absorve aproximadamente metade do colesterol presente na luz intestinal, enquanto uma minoria é hiperresponsiva, ou seja, absorve maior quantidade. A absorção de gordura saturada, no entanto, não é limitada e, por isso, sua ingestão promove efeito mais intenso sobre a colesterolemia.

Para reduzir a ingestão de colesterol, deve-se diminuir o consumo de alimentos de origem animal, em especial as vísceras, leite integral e seus derivados, embutidos, frios, pele de aves e frutos do mar (camarão, ostra, marisco, polvo, lagosta). Para diminuir o consumo de ácidos graxos saturados, aconselha-se a redução da ingestão de gordura animal (carnes gordurosas, leite e derivados), de polpa e leite de coco e de alguns óleos vegetais, como os de dendê.

Ácidos graxos insaturados
             
            Os ácidos graxos insaturados são classificados em duas categorias principais: poliinsaturados representados pelas séries ômega-6 (linoléico e araquidônico) e ômega-3 (alfalinolênico, eicosapentaenóico-EPA e docosahexaenóico-DHA) e monoinsaturados representados pela série ômega-9 (oléico). O ácido linoléico é essencial e o precursor dos demais ácidos graxos poliinsaturados da série ômega-6, cujas fontes alimentares são os óleos vegetais de soja, milho, e girassol. A substituição isocalórica dos ácidos graxos saturados por ácidos graxos poliinsaturados reduz o colesterol total e o LDL-c plasmáticos. Os ácidos graxos poliinsaturados possuem o inconveniente de induzir maior oxidação lipídica e diminuir o HDL-c quando utilizados em grande quantidade. Os ácidos graxos ômega-3 (linolênico, EPA e DHA) são encontrados respectivamente nos vegetais (soja, canola e linhaça) e em peixes de águas frias (cavala, sardinha, salmão, arenque). Promovem redução dos triglicerídeos plasmáticos pela diminuição da síntese hepática de VLDL, podendo ainda exercer outros efeitos cardiovasculares, como redução da viscosidade do sangue, maior relaxamento do endotélio e também efeitos antiarrítmicos. Os ácidos graxos monoinsaturados (oléico) exercem o mesmo efeito sobre a colesterolemia, sem, no entanto, diminuir o HDL-c e provocar oxidação lipídica. Suas principais fontes dietéticas são o óleo de oliva, óleo de canola, azeitona, abacate e oleaginosas (amendoim, castanhas, nozes, amêndoas).

Ácidos graxos trans

          Os ácidos graxos trans são sintetizados durante o processo de hidrogenação dos óleos vegetais. Os ácidos graxos trans aumentam o LDL-c e reduzem o HDL-c, aumentando assim a razão LDL-c/HDL-c e, da mesma forma que outros ácidos graxos, aumentam os triglicérides. A principal fonte de ácidos graxos trans na dieta é a gordura vegetal hidrogenada, utilizada no preparo de sorvetes cremosos, chocolates, pães recheados, molhos para salada, sobremesas cremosas, biscoitos recheados, alimentos com consistência crocante (nuggets, croissants, tortas), bolos industrializados, margarinas duras e alguns alimentos produzidos em redes de “fast-foods”. Não há consenso em relação à quantidade máxima permitida na dieta, no entanto, recomenda-se que a ingestão de gordura
trans deva ser menor que 1% das calorias totais da dieta.

Fibras

          São carboidratos complexos classificados de acordo com sua solubilidade, em solúveis e insolúveis. As fibras solúveis são representadas pela pectina (frutas) e pelas gomas (aveia, cevada e leguminosas: feijão, grão de bico, lentilha e ervilha). Estas fibras reduzem o tempo de trânsito gastrointestinal e a absorção enteral do colesterol. O farelo de aveia é o alimento mais rico em fibras solúveis e pode, portanto, diminuir moderadamente o colesterol sangüíneo. As fibras insolúveis não atuam sobre a colesterolemia, mas aumentam a saciedade, auxiliando na redução da ingestão calórica. São representadas pela celulose (trigo), hemicelulose (grãos) e lignina (hortaliças). A recomendação de ingestão de fibra alimentar total para adultos é de 20 a 30 g/dia, 5 a 10g destas devendo ser solúveis, como medida adicional para a redução do colesterol.


Fitosteróis

         Os fitosteróis são encontrados apenas nos vegetais e desempenham funções estruturais análogas ao colesterol em tecidos animais. O β-sitosterol, extraído dos óleos vegetais é o principal fitosterol encontrado nos alimentos. Reduzem a colesterolemia por competirem com a absorção do colesterol da luz intestinal. Uma dieta balanceada com quantidades adequadas de vegetais fornece aproximadamente 200 a 400mg de fitosteróis e os níveis plasmáticos variam de 0,3 a 1,7 mg/dL. No entanto, é necessária a ingestão de 2 g/dia de fitosteróis para a redução média de 10-15% do LDL-c. Os fitosteróis não influenciam os níveis plasmáticos de HDL-c e de triglicérides. A ingestão de 3 a 4 g/dia de fitosteróis pode ser utilizada como adjuvante ao tratamento hipolipemiante.

Proteína da soja

       A ingestão de proteína da soja (25 gramas /dia) pode reduzir o colesterol plasmático (-6% do LDL-c) e, portanto, pode ser considerada como auxiliar no tratamento da hipercolesterolemia. Os dados disponíveis são contraditórios quanto aos efeitos sobre os triglicerídeos e HDL-c. Estudos com maiores casuísticas e delineamentos mais específicos a esta questão serão necessários. As principais fontes de soja na alimentação são: feijão de soja, óleo de soja, queijo de soja (tofu), molho e soja (shoyo), farinha de soja, leite de soja e o concentrado protéico da soja. Este concentrado exclui a presença de gorduras, mantendo carboidratos e 75% da sua composição em proteínas e é amplamente utilizado como base de alimentos liofilizados e como “suplemento protéico”.

Antioxidantes

           Os antioxidantes, dentre eles os flavonóides, presentes na dieta podem potencialmente estar envolvidos na prevenção da aterosclerose por inibirem a oxidação das LDL, diminuindo sua aterogenicidade e, conseqüentemente, os risco de doença arterial coronária. Os flavonóides são antioxidantes polifenólicos encontrados nos alimentos, principalmente nas verduras, frutas (cereja, amora, uva, morango, jabuticaba), grãos, sementes, castanhas, condimentos e ervas e também em bebidas como vinho, suco de uva e chá. Alimentação rica em frutas e vegetais diversificados fornece doses apropriadas de substâncias antioxidantes, que certamente contribuirão para a manutenção da saúde.

Quadro 2. Recomendações dietéticas para o tratamento da hipercolesterolemia.

Hipertrigliceridemia

Excesso de peso, sedentarismo, tabagismo, consumo excessivo de álcool e carboidratos, diabetes melito, insuficiência renal crônica, certos medicamentos e distúrbios genéticos, como dislipidemias familiares, são fatores que contribuem para a elevação da trigliceridemia.

           Na prática clínica, a hipertrigliceridemia é mais encontrada em pacientes com síndrome metabólica.

Quadro 3. Valores de referência (mg/dl) dos triglicérides plasmáticos para indivíduos maiores de 20 anos de idade.


Quando estiverem limítrofes (150-199mg/dl), a ênfase deve ser dada para a redução ponderal e aumento da atividade física. Entre 200-499mg/dl, em pacientes de alto risco, além do controle de peso e da atividade física, a terapia medicamentosa deve ser considerada. Quando forem muito elevados (≥ 500mg/dl), o principal objetivo é prevenir o aparecimento de pancreatite aguda, em que o consumo de gorduras deve ser inferior a 15% do valor calórico total, além das modificações citadas anteriormente.

Atividade Física

           A atividade física regular constitui medida auxiliar para o controle das dislipidemias e tratamento da doença arterial coronária. A prática de exercícios físicos aeróbios promove redução dos níveis plasmáticos de triglicérides, aumento dos níveis de HDL-c, porém sem alterações significativas sobre as concentrações de LDL-c.

O programa de treinamento físico, para a prevenção ou para a reabilitação, deve incluir exercícios aeróbios, tais como, caminhadas, corridas leves, ciclismo, natação. Os exercícios devem ser realizados de três a seis vezes por semana, em sessões de duração de 30 a 60 minutos.

            Na presença de resistência à insulina e intolerância à glicose, o consumo de açúcares simples e carboidratos refinados devem ser evitados. O consumo excessivo de álcool pode agravar a hipertrigliceridemia.


As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.


Referências Bibliográficas:

IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Disponível em: www.publicacoes.cardiol.br Acessado em: 08/07/2013.

Castro, LCV; Franceschini, SCC; Priore, SE; Pelúzio, MCG. Nutrição e doenças cardiovasculares: os marcadores de risco em adultos. Rev. Nutr. 2004, v.17, n.3: p.369-377.

Consenso Brasileiro Sobre Dislipidemias: Detecção, Avaliação e Tratamento. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Disponível em: www.publicacoes.cardiol.br Acessado em: 08/07/2013.

Dislipidemias. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Disponível em: www.portal.anvisa.gov.br Acessado em: 08/07/2013.

Isosaki, M; Cardoso, E. Manual de Dietoterapia e Avaliação Nutricional do serviço de nutrição e dietética do Instituto do Coração – HCFMUSP. 1 ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2004: p.13-18.

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