quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Fibrose Cística



A fibrose cística é uma doença genética de caráter autossômico recessivo, crônica e progressiva que atinge vários órgãos e afeta os aparelhos digestivo e respiratório e as glândulas sudoríparas. É comum em pessoas branca e atinge igualmente ambos os sexos. O paciente portador dessa doença apresenta secreções mucosas espessas e viscosas, obstruindo os ductos das glândulas exócrinas, que contribuem para o aparecimento de três características básicas: doença pulmonar obstrutiva crônica, níveis elevados de eletrólitos no suor (beijo salgado), insuficiência pancreática com má digestão/má absorção e consequente desnutrição secundária.
       
A obstrução dos ductos pancreáticos pela secreção mais viscosa impede que as enzimas digestivas sejam lançadas no intestino. O paciente tem má absorção de nutrientes e não ganha peso, apesar de alimentar-se bem. Apresenta também maior número de evacuações diárias e elimina fezes volumosas, com odor forte e gordurosas. Essa obstrução por secreção mais espessa também pode acometer os ductos biliares. A bile retida no fígado favorece a instalação de um processo inflamatório.

Entretanto, o aparelho respiratório é a área mais delicada da doença. O pulmão produz muco espesso que pode ficar retido nas vias aéreas e ser invadido por bactérias. Outros sintomas são tosse com secreção produtiva, pneumonias de repetição, bronquite crônica.

A alteração do transporte iônico nas glândulas sudoríparas compromete a reabsorção de cloro. Níveis aumentados de cloro ajudam a reter água e sódio o que deixa o suor mais salgado.

            Mulheres portadoras de fibrose cística têm mais dificuldade para engravidar porque o muco cervical mais espesso dificulta a passagem dos espermatozoides. Já 98% dos homens são estéreis, embora tenham desempenho e potência sexual absolutamente normais.

Diagnóstico

Teste do suor: é específico para diagnóstico de fibrose cística. Níveis de cloro superiores a 60 milimoles por litro, em duas dosagens, associados a quadro clínico característico, indicam que a pessoa é portadora da doença;

Teste do pezinho: feito rotineiramente nas maternidades para três doenças congênitas, deve incluir a triagem para fibrose cística. Embora existam falsos positivos, resultado positivo é sinal de alerta que não deve ser desprezado;

● Nos recém-nascidos, a fibrose cística pode provocar obstrução ileomeconial. Portanto, se a criança não eliminar naturalmente mecônio (primeira evacuação dos recém-nascidos) nas primeiras 24, 48 horas de vida, é preciso dar continuidade à investigação;

Teste genético: identifica apenas os tipos mais frequentes da doença, porque as mutações do gene são muitas e os kits, padronizados. Mesmo assim, esse teste cobre aproximadamente 80% dos casos.

Avaliação Nutricional


         Para a avaliação nutricional devem ser realizadas medidas antropométricas (peso, altura, perímetro cefálico, pregas cutâneas e circunferência do braço), testes de laboratório, exame físico, avaliação da consistência das fezes, sinais e sintomas abdominais associados e terapia de reposição enzimática.

         De acordo com o Consenso Americano de Nutrição em Fibrose Cística existem três momentos de maior atenção ao estado nutricional: o primeiro ano de vida, os primeiros doze meses após o diagnóstico e a puberdade (meninas e meninos acima de 9 anos e 12 anos de idade, respectivamente). Tal documento recomenda que os pacientes devam ser avaliados a cada 3 meses para a monitoração do crescimento e do estado nutricional.

          De acordo com este Consenso um dos principais objetivos da avaliação nutricional de pacientes fibrocísticos é a identificação de pacientes em “falência e risco nutricional” com consequente adoção de medidas de tratamento adequadas.

Para identificação de pacientes com riscos nutricionais deve-se realizar avaliação sequencial do crescimento e das mudanças do estado nutricional. São avaliados basicamente, os percentis de percentagem peso corporal ideal, de percentagem de peso para estatura, de índice de massa corporal (IMC) - especialmente para crianças com baixa estatura e maiores de 2 anos e de peso para comprimento, além do potencial genético de crescimento (catch up). Recomenda-se ainda que a partir dos 8 anos, para as meninas e dos 9 de idade, para os meninos seja realizada avaliação de desenvolvimento puberal, segundo critérios de Tanner.

Em geral, a avaliação da ingestão alimentar dos pacientes tem por objetivo avaliar o consumo em relação às calorias e nutrientes, segundo as DRIs (Ingestão Diária Recomendada) de acordo com sexo e idade. Esta avaliação deve ser realizada por meio do recordatório de 24 horas em combinação com o registro alimentar de 3 dias, com uma periodicidade anual ou mais freqüente quando indicado.

Dentre as observações clínicas a serem realizadas para avaliação do estado nutricional estão a frequência e consistência das evacuações; sintomas/episódios de síndrome de obstrução intestinal e constipação; a glicemia; a presença ou ausência de doenças hepáticas.

Quanto às investigações bioquímicas deve-se realizar hemograma (para a análise da hemoglobina e hematócrito); contagem de leucócitos e neutrófilos; dosagem sérica de albumina e pré-albumina. A ureia e eletrólitos devem ser solicitados sempre que a evolução clínica estiver insatisfatória. Além disso, as dosagens séricas de vitamina A, D e E, bem como o status da vitamina K devem ser monitoradas.

Tratamento Nutricional

            Os problemas nutricionais e as consequências da fibrose cística são multifatoriais e relacionadas com a progressão da doença. Fatores interdependentes, como deterioração da função pulmonar, anorexia, vômitos, insuficiência pancreática e complicações biliares e intestinais são responsáveis pelo aumento das necessidades energéticas, ingestão diminuída e aumento das perdas atribuídas à inadequação nutricional, com consequente perda da massa magra e depressão da função imunológica.

         A meta do tratamento nutricional é alcançar e manter o peso ideal para a altura, aumentar e equilibrar a ingestão energética, reduzir a má absorção e má digestão e controlar a ingestão de vitaminas e minerais. Para tanto, o cuidado nutricional adequado deve incluir: terapia de reposição enzimática, dietas hiperenergéticas e hiperlipídicas, e suplementação de micronutrientes.

           No Brasil, as recomendações para o tratamento de reposição enzimática estão explícitas na Portaria n. 263, de 18 de julho de 2001, que preconiza o início do tratamento com 1.000U/kg/refeições de lipase para menores de 4 anos e 500U/kg/refeição para maiores de 4 anos e, usualmente, metade da dose deve ser utilizada após a ingestão de lanches. A dose total deve ser suficiente para 3 refeições e 2 a 3 lanches. Se sinais e sintomas de má-absorção persistem, incrementos nas doses podem ser realizados. Não se sabe a segurança de doses entre 2.500 a 6.000 U/kg/refeição; acima dessa dose o risco de colonopatia fibrosante (caracterizada por inflamação, levando a um consequente estreitamento da luz do cólon direito, é causada pelo uso de doses excessivas de enzimas pancreáticas. Esta complicação é mais comum na população pediátrica, sendo observada em um número restrito de pacientes adultos) tem sido descrito. No caso do desenvolvimento de colonopatia, a dose deve ser reduzida para 500 a 2.500U/kg/refeição. Ainda, segundo alguns autores, o uso de antiácidos é recomendado para pacientes portadores de fibrose cística, em uso destas enzimas, por aumentar a biodisponibilidade das enzimas e por diminuir a inativação pelo pH baixo.

            Apresentações com elevadas concentrações de lipase parecem ter a mesma eficácia que apresentações de baixa concentração, porém não são recomendadas para crianças com menos de 15 anos. Dose máxima diária não deve ultrapassar 10.000U/kg de lipase.

Com relação às necessidades energéticas, o tratamento nutricional deve incluir uma recomendação de ingestão para gênero e idade de 120% a 150% das necessidades diárias recomendadas (RDA) para energia. Outros autores afirmam que, em relação à recomendação de lipídeos, estes devem corresponder a 40% da distribuição energética total diária, enquanto que as proteínas devem suprir de 150% a 200% da RDA. A ingestão diária de carboidratos deve ser em torno de 40% a 50% do valor energético total da dieta.

Caso o paciente não consiga ingerir todo o volume energético recomendado é importante fazer uso de suplementos energéticos juntamente com a terapia de reposição enzimática.

A suplementação de vitaminas e minerais faz parte da terapia nutricional. As vitaminas hidrossolúveis são bem absorvidas nos fibrocísticos, embora a vitamina B12 precise ser suplementada em pacientes com ressecção do íleo. Já as lipossolúveis são pouco absorvidas, devido à má-absorção de gorduras. Para fazer uma adequada reposição desses nutrientes é importante realizar exames sanguíneos frequentes para identificar qual a real necessidade de suplementação. A maioria dos pacientes está em risco de desenvolver deficiências subclínicas de várias vitaminas lipossolúveis, dentre eles estão os que apresentam má absorção, os que apresentam baixa adesão ao tratamento, doença hepática, ressecção intestinal, ou o atraso no diagnóstico.

A deficiência da vitamina A (vide post sobre vitamina A) nos fibrocísticos é comum, e níveis baixos desse nutriente pode persistir, apesar da terapia de reposição enzimática e de suplementação. Esses pacientes estão com risco maior de desenvolverem hipovitaminose A, porque além da má-absorção ainda existe o estresse inflamatório da doença pulmonar e lesão hepática. No entanto, observa-se maior reserva hepática desse nutriente nestes indivíduos, quando comparados com pessoas hígidas, o que indica um fracasso no transporte ou, mobilização da vitamina A do fígado para os tecidos, ou seja, pode indicar uma deficiência na proteína carreadora de retinol (PCR), e isso é tão grave quanto as infecções, má-absorção e a própria deficiência de vitamina A.

A ingestão de vitamina A deve ser elevada o suficiente para alcançar a concentração sérica normal sem provocar efeitos colaterais, geralmente empregando-se doses diárias, que variam de 4.000 a 10.000UI (aproximadamente 2400µg).

Alguns autores encontraram baixos níveis de metabólitos de vitamina D (vide post vitamina D) em pacientes fibrocísticos, apesar de receberem 1.000UI de vitamina D por dia, provavelmente associada à reduzida exposição solar. Outro autor demonstrou que pacientes com fibrose cística tinham menor nível de vitamina D no inverno que no verão. A deficiência desta vitamina tem sido associada ao decréscimo na densidade mineral óssea e osteopenia, demonstrando decréscimo nos níveis de cálcio e fósforo.

Para manter os níveis sanguíneos adequados de vitamina D, é recomendada uma dose diária de 400 a 2.000UI (aproximadamente 20µg) por dia.

Foi observado que 45% dos pacientes suplementados com vitamina E apresentaram baixos níveis plasmáticos desse nutriente, enquanto 87% dos pacientes não suplementados eram deficientes. Similarmente, 17% dos pacientes suplementados apresentaram deficiência em vitamina E eritrocítica, enquanto 50% dos pacientes não suplementados estavam deficientes.


A suplementação de vitamina E deve ser recomendada, com doses diárias de 50mg até 1 ano de idade, 100mg entre 1 a 10 anos, e 200mg para adolescentes e adultos.

Os fatores de risco para desenvolver deficiência de vitamina K em fibrocísticos são insuficiência pancreática, doença hepática, ressecção intestinal, e antibioticoterapia. A suplementação dessa vitamina pode ser recomendada, porém não há consenso sobre a dose diária.

Níveis reduzidos de zinco, selênio, cobre e ferro são descritos na fibrose cística. Porém a suplementação com ferro não é recomendada, devido à formação de radicais livres e ao aumento do crescimento da bactéria P. aeruginosa. O zinco é um elemento importante na composição de muitas enzimas, podendo tornar-se deficiente devido à má-absorção de gorduras em pacientes com fibrose cística, pois forma complexos com a gordura e o fósforo.

As crianças fibrocísticas podem perder sal na forma de cloreto de sódio, especialmente em clima quente, ou quando estiver presente febre e/ou diarreia, sendo necessário suplementar 2-4 mmol/kg/dia de cloreto de sódio.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.

Referências Bibliográficas:

Borowitz, D; Baker, RD; Stallings, V: Consensus report on nutrition for pediatric patients with cystic fibrosis. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2002; v.35: p.246-259.
Fibrose Cística. Hospital das Clínicas – Faculdade de Medicina de Botucatu. Disponível em: www.hc.fmb.unesp.br Acessado em: 02/08/2013.
Projeto Diretrizes. Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral, Associação Brasileira de Nutrologia. Terapia Nutricional na Fibrose Cística, 2011.
Rosa, FR; Dias, FG; Nobre, LN; Morais, HA. Fibrose cística: uma abordagem clínica e nutricional. Rev Nutr 2008; v.21, n.6: p.725-737.
Trommer, R. Avaliação e terapia nutricional para pacientes com fibrose cística. Disponível em: www.nutrociência.com.br Acessado em: 02/08/2013.

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