A
fibrose cística é uma doença genética de caráter autossômico recessivo, crônica
e progressiva que atinge vários órgãos e afeta os aparelhos digestivo e
respiratório e as glândulas sudoríparas. É comum em pessoas branca e atinge igualmente
ambos os sexos. O paciente portador dessa doença apresenta secreções mucosas
espessas e viscosas, obstruindo os ductos das glândulas exócrinas, que
contribuem para o aparecimento de três características básicas: doença pulmonar
obstrutiva crônica, níveis elevados de eletrólitos no suor (beijo salgado),
insuficiência pancreática com má digestão/má absorção e consequente desnutrição
secundária.
Entretanto, o aparelho respiratório
é a área mais delicada da doença. O pulmão produz muco espesso que pode ficar
retido nas vias aéreas e ser invadido por bactérias. Outros sintomas são tosse
com secreção produtiva, pneumonias de repetição, bronquite crônica.
A alteração do transporte iônico nas
glândulas sudoríparas compromete a reabsorção de cloro. Níveis aumentados de
cloro ajudam a reter água e sódio o que deixa o suor mais salgado.
Mulheres portadoras de fibrose
cística têm mais dificuldade para engravidar porque o muco cervical mais
espesso dificulta a passagem dos espermatozoides. Já 98% dos homens são
estéreis, embora tenham desempenho e potência sexual absolutamente normais.
Diagnóstico
●
Teste do suor: é específico para
diagnóstico de fibrose cística. Níveis de cloro superiores a 60 milimoles por
litro, em duas dosagens, associados a quadro clínico característico, indicam
que a pessoa é portadora da doença;
●
Teste do pezinho: feito rotineiramente
nas maternidades para três doenças congênitas, deve incluir a triagem para
fibrose cística. Embora existam falsos positivos, resultado positivo é sinal de
alerta que não deve ser desprezado;
●
Nos recém-nascidos, a fibrose cística pode provocar obstrução ileomeconial.
Portanto, se a criança não eliminar naturalmente mecônio (primeira evacuação
dos recém-nascidos) nas primeiras 24, 48 horas de vida, é preciso dar
continuidade à investigação;
●
Teste genético: identifica apenas os
tipos mais frequentes da doença, porque as mutações do gene são muitas e os
kits, padronizados. Mesmo assim, esse teste cobre aproximadamente 80% dos
casos.
Avaliação Nutricional
Para a avaliação nutricional devem
ser realizadas medidas antropométricas (peso, altura, perímetro cefálico,
pregas cutâneas e circunferência do braço), testes de laboratório, exame
físico, avaliação da consistência das fezes, sinais e sintomas abdominais
associados e terapia de reposição enzimática.
De acordo com o Consenso Americano
de Nutrição em Fibrose Cística existem três momentos de maior atenção ao estado
nutricional: o primeiro ano de vida, os primeiros doze meses após o diagnóstico
e a puberdade (meninas e meninos acima de 9 anos e 12 anos de idade,
respectivamente). Tal documento recomenda que os pacientes devam ser avaliados
a cada 3 meses para a monitoração do crescimento e do estado nutricional.
De acordo com este Consenso um dos principais objetivos da avaliação nutricional de pacientes fibrocísticos é a identificação de pacientes em “falência e risco nutricional” com consequente adoção de medidas de tratamento adequadas.
Para identificação de pacientes com riscos
nutricionais deve-se realizar avaliação sequencial do crescimento e das
mudanças do estado nutricional. São avaliados basicamente, os percentis de
percentagem peso corporal ideal, de percentagem de peso para estatura, de
índice de massa corporal (IMC) - especialmente para crianças com baixa estatura
e maiores de 2 anos e de peso para comprimento, além do potencial genético de
crescimento (catch up). Recomenda-se ainda que a partir dos 8 anos, para as
meninas e dos 9 de idade, para os meninos seja realizada avaliação de
desenvolvimento puberal, segundo critérios de Tanner.
Em geral, a avaliação da ingestão alimentar dos
pacientes tem por objetivo avaliar o consumo em relação às calorias e
nutrientes, segundo as DRIs (Ingestão Diária Recomendada) de acordo com sexo e
idade. Esta avaliação deve ser realizada por meio do recordatório de 24 horas
em combinação com o registro alimentar de 3 dias, com uma periodicidade anual
ou mais freqüente quando indicado.
Dentre as observações clínicas a serem realizadas
para avaliação do estado nutricional estão a frequência e consistência das
evacuações; sintomas/episódios de síndrome de obstrução intestinal e
constipação; a glicemia; a presença ou ausência de doenças hepáticas.
Quanto às investigações bioquímicas deve-se
realizar hemograma (para a análise da hemoglobina e hematócrito); contagem de
leucócitos e neutrófilos; dosagem sérica de albumina e pré-albumina. A ureia e
eletrólitos devem ser solicitados sempre que a evolução clínica estiver
insatisfatória. Além disso, as dosagens séricas de vitamina A, D e E, bem como
o status da vitamina K devem ser monitoradas.
Tratamento Nutricional
Os problemas nutricionais e as consequências da fibrose cística são multifatoriais e relacionadas com a
progressão da doença. Fatores interdependentes, como deterioração da função
pulmonar, anorexia, vômitos, insuficiência pancreática e complicações biliares
e intestinais são responsáveis pelo aumento das necessidades energéticas,
ingestão diminuída e aumento das perdas atribuídas à inadequação nutricional,
com consequente perda da massa magra e depressão da função imunológica.
A meta do tratamento nutricional é
alcançar e manter o peso ideal para a altura, aumentar e equilibrar a ingestão
energética, reduzir a má absorção e má digestão e controlar a ingestão de
vitaminas e minerais. Para tanto, o cuidado nutricional adequado deve incluir:
terapia de reposição enzimática, dietas hiperenergéticas e hiperlipídicas, e
suplementação de micronutrientes.
No Brasil, as recomendações para o
tratamento de reposição enzimática estão explícitas na Portaria n. 263, de 18
de julho de 2001, que preconiza o início do tratamento com 1.000U/kg/refeições
de lipase para menores de 4 anos e 500U/kg/refeição para maiores de 4 anos e,
usualmente, metade da dose deve ser utilizada após a ingestão de lanches. A
dose total deve ser suficiente para 3 refeições e 2 a 3 lanches. Se sinais e
sintomas de má-absorção persistem, incrementos nas doses podem ser realizados.
Não se sabe a segurança de doses entre 2.500 a 6.000 U/kg/refeição; acima dessa
dose o risco de colonopatia fibrosante (caracterizada
por inflamação, levando a um consequente estreitamento da luz do cólon direito,
é causada pelo uso de doses excessivas de enzimas pancreáticas. Esta
complicação é mais comum na população pediátrica, sendo observada em um número
restrito de pacientes adultos) tem sido descrito. No caso do
desenvolvimento de colonopatia, a dose deve ser reduzida para 500 a
2.500U/kg/refeição. Ainda, segundo alguns autores, o uso de antiácidos é
recomendado para pacientes portadores de fibrose cística, em uso destas
enzimas, por aumentar a biodisponibilidade das enzimas e por diminuir a
inativação pelo pH baixo.
Apresentações com elevadas
concentrações de lipase parecem ter a mesma eficácia que apresentações de baixa
concentração, porém não são recomendadas para crianças com menos de 15 anos.
Dose máxima diária não deve ultrapassar 10.000U/kg de lipase.
Com relação às necessidades
energéticas, o tratamento nutricional deve incluir uma recomendação de ingestão
para gênero e idade de 120% a 150% das necessidades diárias recomendadas (RDA)
para energia. Outros autores afirmam que, em relação à recomendação de
lipídeos, estes devem corresponder a 40% da distribuição energética total
diária, enquanto que as proteínas devem suprir de 150% a 200% da RDA. A
ingestão diária de carboidratos deve ser em torno de 40% a 50% do valor
energético total da dieta.
Caso o paciente não consiga ingerir
todo o volume energético recomendado é importante fazer uso de suplementos
energéticos juntamente com a terapia de reposição enzimática.
A suplementação de vitaminas e minerais
faz parte da terapia nutricional. As vitaminas hidrossolúveis são bem
absorvidas nos fibrocísticos, embora a vitamina B12
precise ser suplementada em pacientes com ressecção do íleo. Já as
lipossolúveis são pouco absorvidas, devido à má-absorção de gorduras. Para
fazer uma adequada reposição desses nutrientes é importante realizar exames sanguíneos frequentes para identificar qual a real necessidade de suplementação.
A maioria dos pacientes está em risco de desenvolver deficiências
subclínicas de várias vitaminas lipossolúveis, dentre eles estão os que
apresentam má absorção, os que apresentam baixa adesão ao tratamento, doença
hepática, ressecção intestinal, ou o atraso no diagnóstico.
A deficiência da vitamina A (vide post
sobre vitamina A) nos fibrocísticos é comum, e níveis baixos desse nutriente
pode persistir, apesar da terapia de reposição enzimática e de suplementação.
Esses pacientes estão com risco maior de desenvolverem hipovitaminose A, porque
além da má-absorção ainda existe o estresse inflamatório da doença pulmonar e
lesão hepática. No entanto, observa-se maior reserva hepática desse nutriente
nestes indivíduos, quando comparados com pessoas hígidas, o que indica um
fracasso no transporte ou, mobilização da vitamina A do fígado para os tecidos,
ou seja, pode indicar uma deficiência na proteína carreadora de retinol (PCR),
e isso é tão grave quanto as infecções, má-absorção e a própria deficiência de
vitamina A.
A ingestão de vitamina A deve ser
elevada o suficiente para alcançar a concentração sérica normal sem provocar
efeitos colaterais, geralmente empregando-se doses diárias, que variam de 4.000
a 10.000UI (aproximadamente 2400µg).
Alguns autores encontraram baixos
níveis de metabólitos de vitamina D (vide post vitamina D) em pacientes fibrocísticos,
apesar de receberem 1.000UI de vitamina D por dia, provavelmente associada à reduzida
exposição solar. Outro autor demonstrou que pacientes com fibrose cística
tinham menor nível de vitamina D no inverno que no verão. A deficiência desta
vitamina tem sido associada ao decréscimo na densidade mineral óssea e
osteopenia, demonstrando decréscimo nos níveis de cálcio e fósforo.
Para manter os níveis sanguíneos
adequados de vitamina D, é recomendada uma dose diária de 400 a 2.000UI
(aproximadamente 20µg) por dia.
Foi observado que 45% dos pacientes
suplementados com vitamina E apresentaram baixos níveis plasmáticos desse
nutriente, enquanto 87% dos pacientes não suplementados eram deficientes.
Similarmente, 17% dos pacientes suplementados apresentaram deficiência em
vitamina E eritrocítica, enquanto 50% dos pacientes não suplementados estavam
deficientes.
A suplementação de vitamina E deve ser
recomendada, com doses diárias de 50mg até 1 ano de idade, 100mg entre 1 a 10
anos, e 200mg para adolescentes e adultos.
Os fatores de risco para desenvolver
deficiência de vitamina K em fibrocísticos são insuficiência pancreática,
doença hepática, ressecção intestinal, e antibioticoterapia. A suplementação
dessa vitamina pode ser recomendada, porém não há consenso sobre a dose diária.
Níveis reduzidos de zinco, selênio, cobre e
ferro são descritos na fibrose cística. Porém a suplementação com ferro não é
recomendada, devido à formação de radicais livres e ao aumento do crescimento
da bactéria P. aeruginosa. O zinco é
um elemento importante na composição de muitas enzimas, podendo tornar-se
deficiente devido à má-absorção de gorduras em pacientes com fibrose cística,
pois forma complexos com a gordura e o fósforo.
As crianças fibrocísticas podem perder sal na
forma de cloreto de sódio, especialmente em clima quente, ou quando estiver
presente febre e/ou diarreia, sendo necessário suplementar 2-4 mmol/kg/dia de
cloreto de sódio.
As
informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento
presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas,
psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente,
para seu conhecimento.
Referências
Bibliográficas:
Borowitz, D; Baker, RD; Stallings, V: Consensus report on nutrition for
pediatric patients with cystic fibrosis. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2002;
v.35: p.246-259.
Fibrose Cística. Hospital das Clínicas –
Faculdade de Medicina de Botucatu. Disponível em: www.hc.fmb.unesp.br Acessado em:
02/08/2013.
Projeto Diretrizes. Sociedade Brasileira de
Nutrição Parenteral e Enteral, Associação Brasileira de Nutrologia. Terapia
Nutricional na Fibrose Cística, 2011.
Rosa, FR; Dias, FG; Nobre, LN; Morais, HA.
Fibrose cística: uma abordagem clínica e nutricional. Rev Nutr 2008; v.21, n.6:
p.725-737.
Trommer, R. Avaliação e terapia nutricional
para pacientes com fibrose cística. Disponível em: www.nutrociência.com.br Acessado em:
02/08/2013.
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