A New York Heart Association
desenvolveu uma classificação de acordo com os sinais e sintomas da IC:
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Classe I – Sem limitações: as atividades físicas normais não provocam fadiga ou dispneia (dificuldade para respirar).
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Classe II – Limitação leve da atividade física: os pacientes são assintomáticos
em repouso. As atividades físicas normais provocam fadiga ou dispneia.
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Classe III – Limitação acentuada da atividade física: embora os pacientes
sejam assintomáticos em repouso,
atividades mais leves que as habituais provocam fadiga ou dispneia.
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Classe IV – Incapacidade de realizar qualquer atividade física sem desconforto:
a fadiga ou dispneia estão presentes mesmo em repouso.
A insuficiência cardíaca pode ser
vista como um estado catabólico complexo que leva a um prognóstico não
favorável. Um dos principais sinais e sintomas da IC é a perda de peso que
ocorre de maneira gradual, afetando os músculos, tecido gorduroso, ossos e o
próprio coração, chegando aos estágios finais a um quadro conhecido como
caquexia cardíaca, definida pela perda de peso, sem edema, involuntária, de
mais do que 6% do peso corpóreo total no período de seis meses, com aumento de
mortalidade. Mecanismos que participam neste processo envolvem citocinas
pró-inflamatórias e fatores neurohormonais, os quais contribuem para um
desequilíbrio entre as vias anabólicas e catabólicas.
A avaliação do estado nutricional
tem como objetivo identificar os distúrbios nutricionais presentes e planejar a
intervenção terapêutica nutricional adequada, de forma a auxiliar na
recuperação e/ou manutenção do estado de saúde do indivíduo. Ela pode ser feita
pode meio de indicadores antropométricos, bioquímicos e de consumo alimentar,
utilizados de forma integrada.
Os indicadores antropométricos podem
ser obtidos de modos simples, rápido e com uso mínimo de equipamentos. São
frequentemente utilizados em pesquisas de avaliação nutricional e podem ser
interpretados de acordo com o sexo, idade e classificados de acordo com os
padrões de referência. Os indicadores bioquímicos incluem dosagens de proteínas
plasmáticas, tais como albumina e transferrina.
Terapia Nutricional
Pacientes com insuficiência cardíaca
apresentam alteração do balanço anabolismo/catabolismo resultante de
modificações neurohormonais marcadas pelo aumento dos níveis de fatores
catabólicos (norepinefrina, epinefrina, angiotensina II, cortisol, citocinas
inflamatórias e radicais livres) e pela resistência a hormônios anabólicos,
como hormônio do crescimento (GH) e insulina. Estas modificações contribuem
para um aumento do gasto energético em repouso.
Pacientes com classes funcionais III e
IV apresentam aumento da taxa metabólica basal em torno de 18%, em comparação
com indivíduos saudáveis. O aumento das demandas energéticas pelo trabalho dos
músculos respiratórios, pelo miocárdio hipertrofiado e pelo sistema
hemopoiético contribui para o aumento da taxa metabólica basal.
Para o cálculo do gasto energético
basal (GEB), pode ser utilizada a fórmula de Harris & Benedict e para o
cálculo do valor energético total devem-se considerar ainda o fator injúria e o
fator atividade.
Outra forma de estabelecer as
necessidades energéticas é considerar de 25 a 30cal/kg peso ideal/dia.
Nos pacientes idosos com sobrepeso, a
perda voluntária de peso associa-se a maior risco de mortalidade (em um estudo,
a elevação do IMC estava associada a uma maior taxa de sobrevida). A ingestão
de dieta hipoenergética (< 24kcal/kg/dia) pode aumentar o desequilíbrio dos
hormônios catabólicos e fazer com que ocorra maior perda de massa magra.
Os suplementos nutricionais com alta
densidade calórica podem ser úteis para manter ou recuperar o estado
nutricional dos pacientes com IC, uma vez que é comum, nos casos mais graves,
os pacientes apresentarem anorexia, paladar alterado, fadiga devido ao esforço
para a mastigação, saciedade precoce e ascite, além da restrição hídrica.
Caso o paciente não atinja, por via
oral, a necessidade nutricional recomendada, a dieta enteral deve ser
introduzida. O volume da alimentação via enteral deve ser iniciada com 30ml/h e
aumentada gradativamente. A terapia nutricional deve ser iniciada o mais
precocemente possível, beneficiando assim os pacientes hipermetabólicos. Esta
prática visa manter a integridade da mucosa intestinal, evitando a disfunção
orgânica múltipla.
►
Carboidratos
Os carboidratos devem representar em
torno de 50 a 60% do valor energético da dieta, evitando-se os carboidratos
simples e dando preferência aos carboidratos de baixa carga glicêmica (vide
post de índice
glicêmico). O excesso de carboidratos, especialmente os de alta carga
glicêmica, pode agravar o quadro de resistência à insulina, comumente percebido
em pacientes com insuficiência cardíaca, o que representa mau prognóstico para
estes. A insulina é um hormônio natriurético e a resistência a ela pode agravar
a retenção de sódio e água.
A recomendação diária de fibra de 20
a 30g previne a obstipação intestinal e o consequente esforço para evacuar, o
qual deve ser evitado.
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Proteínas
Nas fases iniciais da IC, é
recomendado 0,8 a 1,0g/kg de peso/dia de proteínas, e nas fases mais avançadas,
nas quais podemos encontrar um quadro instalado de desnutrição, 1,5 a 2,0g/kg
de peso/dia. Fornecer mais que esta quantidade de proteína não estimula a
síntese proteica.
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Lipídios
A quantidade de gordura da dieta
deve ser de 25 a 30% do valor energético total.
Deve-se priorizar, na medida do
possível, um maior consumo de gorduras poliinsaturadas e monoinsaturadas e não
mais do que 300mg de colesterol por dia. Nos casos de dislipidemias (vide post
sobre dislipidemia),
a quantidade de gordura deve ser ajustada em função do tipo de dislipidemia e
dos fatores de risco associados.
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Restrição de sódio e líquido
A restrição de sódio varia de acordo
com o grau de IC e balanço hidroeletrolítico. No paciente com insuficiência
cardíaca severa, a ingestão de sódio deve ser, no máximo, de 2-3g/dia, podendo
ser modificada de acordo com o sódio plasmático e a tolerância à dieta
hipossódica.
O uso de drogas diuréticas para corrigir a diminuição do volume sanguíneo e o aumento da excreção renal de água pode reduzir a necessidade de líquidos e sódio. Devido à disponibilidade de diuréticos orais eficazes, é possível recomendar restrição moderada de consumo de sódio para a maioria dos pacientes, com intensificação do controle diurético para prevenir o acúmulo de líquido extracelular.
Nos pacientes com IC severa, nos quais a concentração de hormônio antidiurético circulante pode estar aumentada e a capacidade de eliminação de água prejudicada, a restrição hídrica é aconselhada para evitar a retenção hídrica e situações de hiponatremia nas quais a concentração de sódio plasmático atinja níveis inferiores a 130mEq/L. Deve-se restringir ao máximo o consumo de sal.
Na prática diária, a quantidade máxima de 2,0L/dia é recomendada. No entanto, em pacientes com estado congestivo, a ingestão hídrica pode ser menor, devendo ser restringida de acordo com a superfície corporal, na busca de um balanço hídrico negativo inicial, até que se alcance um estado normovolêmico. Dentro do volume total estipulado devem-se computar como líquidos não apenas bebidas, mas também preparações como mingaus, gelatinas, sorvetes e sopas. Por apresentarem grande quantidade de líquidos, algumas frutas também precisam ser consideradas, como o abacaxi, o melão, a melancia, a laranja e a mexerica.
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Potássio
Os pacientes com IC normalmente
utilizam diuréticos e alguns deles aumentam a excreção de potássio. A diminuição
deste mineral pode levar à toxicidade digital, caracterizada por anorexia,
náuseas, vômitos, desconforto abdominal, alucinações, depressão, sonolência e
arritmias cardíacas.
A implementação de potássio na dieta
mediante o aumento no consumo de frutas, legumes, verduras e leguminosas pode
ser suficiente; no entanto, em alguns casos, é necessária a suplementação
medicamentosa.
►
Outros Minerais e Vitaminas
Devemos estar atentos à ingestão de
alimentos que são fontes de cálcio
e magnésio, pois deficiências
desses minerais podem agravar arritmias cardíacas. A hipomagnesemia causa,
também, balanço positivo de sódio e negativo de potássio. Os pacientes que
utilizam diuréticos que agem na alça têm aumentada a perda de magnésio e de
cálcio.
A ingestão de selênio também deve ser monitorada para que não haja
deficiências. Este mineral parece ter relação com a severidade da IC. Ele é um
constituinte da enzima antioxidante glutationa peroxidase.
Outro mineral que está reduzido no
plasma de pacientes com IC e merece a atenção do nutricionista é o zinco. Em ratos, a deficiência
de zinco é associada ao alto nível de peróxido de lipídeo no coração, que é um
marcador de estresse oxidativo, sugerindo que o zinco age como um antioxidante.
A deficiência de tiamina leva a um prejuízo do
metabolismo oxidativo especialmente dos carboidratos, favorecendo um acúmulo de
piruvato e lactato, o que pode agravar a insuficiência cardíaca. Vale lembrar
que o uso de diuréticos aumenta a excreção de tiamina favorecendo sua depleção.
Embora não se saibam os mecanismos
envolvidos, as vitaminas antioxidantes C
e betacaroteno estão mais
baixas nos pacientes com IC. Apesar da vitamina
E ser conhecida pela sua atividade antioxidante, sua suplementação não
melhora de forma significativa o prognóstico ou a classe funcional ou, mesmo, a
qualidade de vida dos pacientes com IC.
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Álcool
O uso excessivo de bebida alcoólica
deve ser desencorajado, em função de seus efeitos negativos sobre o sistema
cardiovascular. O álcool reduz a contratilidade miocárdica e pode causar
arritmias. Alguns estudos demonstraram que o consumo moderado de álcool, até
30g/dia para homens e 20g/dia para mulheres, não apresenta efeitos prejudiciais
à insuficiência cardíaca. Porém, pacientes com IC devem ser orientados no
sentido de minimizar a ingestão de bebidas alcoólicas.
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Fracionamento e volume
O fracionamento da dieta deve ser de
5 a 6 refeições/dia para diminuir o trabalho cardíaco, facilitar a ingestão
calórica e diminuir a plenitude pós-prandial. A consistência da dieta deve ser
modificada em casos de dispneia disfagia (dificuldade de deglutir), odinofagia
(dor durante a deglutição) e dificuldade mastigatória. Se a ingestão oral
estiver abaixo de 60%, a suplementação com fórmula enteral se faz necessária.
As informações contidas
neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos
profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos,
educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu
conhecimento.
Referências
Bibliográficas:
Costa,
HM. Avaliação nutricional de pacientes portadores de insuficiência cardíaca no
período pré-transplante cardíaco. [Dissertação de Mestrado] Universidade de São
Paulo – USP, 2008.
Costa,
RP; Silva, CC. Doenças Cardiovasculares. Nutrição Clínica no Adulto. Guias de
Medicina Ambulatorial e Hospitalar–Unifesp. 1 ed. Barueri, SP: Manole, 2002: p.
283-288.
Isosaki,
M; Cardoso, E. Manual de Dietoterapia e Avaliação Nutricional do serviço de
nutrição e dietética do Instituto do Coração – HCFMUSP. 1 ed. São Paulo:
Editora Atheneu, 2004: p.25-29.
Sahade, V; Montera, VSP. Tratamento
nutricional em pacientes com insuficiência cardíaca. Rev Nutr 2009; v.22, n.3:
p.399-408.
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