sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Esteatose hepática não alcoólica



A doença hepática gordurosa não-alcoólica (DHGNA) é uma condição clínico patológica caracterizada pelo acúmulo de lipídios no interior dos hepatócitos (células do fígado). O quadro patológico lembra o da lesão induzida por álcool, mas ocorre em indivíduos sem ingestão etílica significativa. A DHGNA é talvez a causa principal de morbidade e mortalidade ligadas a doenças do fígado. A maioria dos pacientes é assintomática, porém nos estágios avançados da doença pode surgir desconforto abdominal, fadiga e mal-estar.

Denomina-se doença hepática gordurosa não alcoólica um espectro de várias condições – esteatose (presença de infiltração gordurosa no fígado), esteatoepatite (infiltração gordurosa no fígado associada à inflamação e destruição de células do fígado), fibrose, cirrose (é a substituição do fígado normal por fibrose (cicatriz), que causa um “endurecimento” do fígado e dificulta seu funcionamento, o que acarreta na diminuição na produção de proteínas, por exemplo) – todas relacionadas ao depósito de gordura no fígado.

Sua prevalência mundial ainda não foi determinada, mas parece ser a doença hepática mais comum no mundo ocidental, e está aumentando de maneira importante principalmente nos obesos. É referido que a DHGNA ocorre em 20% da população, sendo que sua prevalência ultrapassa 50% quando são avaliados pacientes obesos ou diabéticos, considerando-se a doença hepática mais freqüente nos Estados Unidos.
Embora o Ministério da Saúde não tenha estatísticas oficiais sobre a incidência da doença no país, os dados existentes sobre a saúde do brasileiro mostram que boa parte da população está no alvo da esteatose: 48% dos brasileiros têm excesso de peso, um em cada cinco é fumante e 27% dos homens ingerem mais de quatro doses de bebida cada vez que decidem ingerir álcool.

O estilo de vida “moderno”, caracterizado por dietas ricas em gorduras e pobres em fibras, associado ao sedentarismo, uso abusivo de álcool, tabagismo e estresse, independente das condições econômicas e sociais, tem tido um papel importante na epidemia de obesidade.

É importante que se diga que a DHGNA está associada com a chamada síndrome metabólica. Os critérios dessa síndrome, definidos pelo National Institute of Health (NHI), são os que se seguem: glicose de jejum maior ou igual a 110mg/dL; obesidade central (circunferência da cintura maior do que 102cm em homem e 88cm em mulheres); pressão arterial igual ou superior a 130/85mmHg ou tratada farmacologicamente; níveis de triglicerídeos superiores a 150mg/dL ou em uso de fibratos, e colesterol HDL (bom colesterol) menor que 40mg/dL (homem) e 50mg/dL (mulher). Sabidamente, os portadores dessa síndrome apresentam uma maior morbi-mortalidade associada a doenças cardiovasculares.

Classificação

            A DHGNA pode ser classificada de acordo com a sua etiologia como:

Primária: condições associadas à síndrome metabólica, diabetes melito tipo 2, obesidade e hiperlipidemia.

Secundária:

     - Drogas: corticóides, estrogênios sintéticos bloqueadores dos canais de cálcio, amiodarone, perexilina, nifedipina e tamoxifeno;

      - Procedimentos cirúrgicos: desvio jejunoileal e ressecção extensiva do intestino delgado;

      - Outras condições: nutrição parenteral total, toxinas ambientais e doença de Weber-Christian (doença rara, que se apresenta com inflamação recorrente da camada adiposa da pele).

Indefinida: supercrescimento bacteriano intestinal, sobrecarga de ferro e hepatite.


Tipos

            A esteatose hepática não-alcoólica abrange um amplo espectro, sendo categorizados em:

 DHGNA tipo I: esteatose simples;
● DHGNA tipo II: esteatose seguida de inflamação do hepatócito (célula do fígado);
● DHGNA tipo III: esteatose com injúria no hepatócito ou degeneração (balonização);
● DHGNA tipo IV: esteatose seguida de fibrose sinusoidal, corpúsculos de Mallory ou ambos.

            A esteatoepatite (NASH) é considerada a forma mais severa da DHGNA (tipos 3 e 4) e apresenta-se associada com resultados clínicos adversos, incluindo a cirrose e o carcinoma hepatocelular, os quais podem levar à morte.


O "fígado gorduroso" (F) tem aspecto mais amarelado e esbranquiçado, geralmente também com um volume um pouco maior do que o fígado normal (N).
 
Suspeita-se de DHGNA quando o exame clínico e o ultrassom abdominal demonstram hepatomegalia (aumento do tamanho do fígado) e este último acúmulo de lipídios no fígado e/ou quando as aminotransferases estão discretas (duas a três vezes o valor de referência) e persistentemente (em duas ou mais ocasiões) elevadas em indivíduos sem qualquer causa que justifique estas alterações (exclusão de outras doenças hepáticas).

Os mecanismos envolvidos no desenvolvimento e progressão da DHGNA ainda não são bem esclarecidos, porém a resistência insulínica (vide post diabetes), o estado inflamatório, entre outros fatores genéticos, dietéticos e estilo de vida, exercem papel-chave na gênese desta doença.

Uma das hipóteses é que a origem da esteatose hepática deve-se ao acúmulo de triglicérides (vide post gorduras) nos hepatócitos, o que eleva o metabolismo lipídico local, resultando em maior estresse oxidativo mitocondrial, formando espécies reativas de oxigênio (ROS – reative oxigen species). Outra hipótese para o desenvolvimento da DHGNA é que o aumento de ROS promove elevação da peroxidação lipídica da membrana celular, da secreção de citocinas pró-inflamatórias, como, por exemplo, o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), danos à célula de Kupffer e consumo de enzimas e vitaminas antioxidantes no fígado. Observa-se também a autoperpetuação do ciclo de resistência  insulínica e  inflamação pela ativação crônica da quinase (proteína) inibitória capa beta (IKκβ) e interações com o fator de transcrição nuclear NFκβ. A ativação direta das células esteladas hepáticas também pode ocorrer pela hiperglicemia e hiperinsulinemia causada por regulação ascendente dos fatores de crescimento do tecido conjuntivo.


Fatores Nutricionais


Fonte: Dâmaso, AR
 
Numa dieta com alta densidade energética, o excesso de carboidratos e/ou lipídios pode levar a uma elevação crônica da glicose, insulina e ácidos graxos livres no sangue. Estas condições dietéticas contribuem para a resistência à insulina. O transporte de glicose da corrente sanguínea para o hepatócito ocorre por mecanismos não-insulino-dependentes (não depende da insulina); desta forma, elevações na concentração de glicose circulante promovem uma maior captação hepática de glicose. A lipogênese de novo mediada pela insulina estimula o aumento da conversão de glicose em ácidos graxos; vale ressaltar que este processo ocorre principalmente no fígado. Sendo assim, a elevação tanto das concentrações de glicose quanto dos ácidos graxos no sangue contribui para o acúmulo de lipídios no fígado.

O consumo de gordura diário não pode ultrapassar 30% do valor calórico total de uma dieta. Quem consome quantidades elevadas de gordura na dieta, mesmo que sejam as chamadas gorduras saudáveis, podem desenvolver esteatose hepática. O tipo mais perigoso, no entanto, é a gordura trans, porque é a que mais induz depósito de gordura no fígado. Ela é encontrada em biscoitos, salgadinhos, pão de queijo, folhados e outros tipos de alimento.

Essa relação com hábitos nada saudáveis também explica como é formado o grupo de maior risco para desenvolver a doença. Os obesos, os diabéticos (do tipo 2) e os homens (mais numerosos do que as mulheres entre os fumantes e os dependentes de bebidas alcoólicas) são maioria entre os pacientes.


Tratamento da esteatose

O tratamento consiste em combater os fatores desencadeantes: redução do peso de forma gradual e dieta com baixo teor de gorduras e carboidratos na obesidade, bom controle metabólico na dislipidemia e diabetes mellitus, interromper o uso de álcool e se o paciente estiver em terapia nutricional parenteral, reduzir as calorias totais e infusão de carboidratos, administrar nutrição parenteral de forma cíclica e se possível administrar nutrição enteral concomitante.

A esteatose hepática pode ser evitada, assim como suas perigosas consequências. Para isso, é importante seguir uma dieta adequada, realizar atividades físicas, controlar o peso e o diabetes (caso tenha a doença), evitar o consumo exagerado de bebidas alcoólicas, não recorrer a automedicação e realizar exames de saúde preventivos.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.



Referências Bibliográficas:

Araújo, LMB. Doença Hepática Gordurosa não Alcoólica e Obesidade. Rev. Abeso 2010; n.43

A perigosa gordura no fígado. Disponível em: www.einstein.br Acessado em: 28/12/2012.

Berenstein, CK. Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica: avaliação histopatológia em biopsias por agulha e concordância interobservador. [Dissertação de mestrado] Faculdade de Medicina-UFMG.

Borges, NJBG; Vannuchi, H; Marchini, JS. Terapia nutricional e esteatose hepática. Disponível em: www.fmrp.usp.br Acessado em 26/12/2012.

Brum, AV. et al. Doença de Weber Christian. Relato de caso. Rev. Bras. Clin. Med, 2009, v.7, p. 202-203.

Cotrim, HP. Doença hepática gordurosa não alcoólica. Sociedade Brasileira de Hepatologia. Disponível em: www.sbhepatologia.org.br Acessado em: 28/12/2012.

Dâmaso, AR. et al. Tratamento multidisciplinar reduz o tecido adiposo visceral, leptina, grelina e a prevalência de esteatose hepática não alcoólica (NAFLD) em adolescentes obesos. Rev. Bras Med Esporte 2006; v.12, n.5: p.263-267.

Dâmaso, AR. Obesidade. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. p.31-49.

Duarte, MASM; Silva, GAP de. Esteatose hepática em crianças e adolescentes. J. Pediatr. 2011; v.87, n.2, p.150-156.

Mattos, AA de. Hesteato-hepatite não-alcoólica. J bras.gastroenterol. 2005; v.5, n.4: p.160-165.

Obesidade aumenta a chance de doença no fígado. Disponível em: www.abeso.org.br Acessado em: 28/12/2012.

Soler, GLN et al. Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica: associação com síndrome metabólica e fatores de risco cardiovascular. Rev. SOCERJ 2008; n.21, v.2: p.94-100.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns, muito bem redigido e esclarecedor seu artigo.