sábado, 9 de novembro de 2013

Homocisteína


Nas últimas décadas, os países em desenvolvimento tiveram um aumento importante de mortalidade devido às doenças cardiovasculares. No Brasil, observa-se diminuição dos óbitos provocados por doenças infecciosas e parasitárias e aumento concomitante da mortalidade por doenças crônico-degenerativas, especialmente pela doença arterial coronariana (DAC).


Recentemente têm sido conhecidos novos fatores de risco para doença coronariana, entre eles o nível elevado de homocisteína, visto que vários estudos sugerem que elevadas concentrações plasmáticas de homocisteína podem ser um fator de risco independente para doença coronariana.

            A homocisteína é um aminoácido sulfurado que não participa da síntese proteica, sendo formada a partir do metabolismo da metionina. A concentração normal de homocisteína plasmática vária de 5 a 15µmol/L. A hiper-homocisteinemia pode ser assim classificada: moderada (entre 15 a 30µmol/L); intermediária (entre 30 e 100µmol/L) e grave (acima de 100µmol/L).

            Os fatores dietéticos que determinam as concentrações sanguíneas de homocisteína estão representados pelo conteúdo de metionina da dieta e também de vitaminas B6, B12 e ácido fólico. A conversão de homocisteína a metionina é controlada pela vitamina B12 e pelo ácido fólico e a excreção da homocisteína, pela vitamina B6.

Homocisteína e Doenças Cardiovasculares

            Dentre os fatores de risco mais conhecidos para doença arterial coronariana estão incluídos os elevados níveis de colesterol total, LDL-c (mau colesterol), baixos níveis de HDL-c (bom colesterol), a hipertensão arterial, o tabagismo, o diabetes melito e a obesidade.

            Estudos epidemiológicos sugerem que níveis plasmáticos de homocisteína, mesmo que moderadamente elevados, estão associados com risco aumentado para doença cardiovascular, independentemente dos clássicos fatores de risco cardiovascular.

           Níveis elevados de homocisteína estão associados a efeitos trombóticos e aterogênicos, aumentando o risco para doença vascular coronariana. Associação entre hiper-homocisteinemia e trombose arterial foi observada tanto em adultos como em crianças.

             A hiper-homocisteinemia estimula a proliferação de células musculares lisas e inibe o crescimento de células endoteliais, favorecendo a aterosclerose. Um dos mecanismos pelos quais a hiper-homocisteinemia favorece a proliferação de células musculares lisas é pela inativação do óxido nítrico a partir dos peróxidos de lipídios produzidos pela oxidação da homocisteína. A inibição da proliferação e migração de células musculares lisas é dada pelo óxido nítrico. A inativação do óxido nítrico deixa o endotélio mais vulnerável aos danos promovidos pela homocisteína. A oxidação de lipídios séricos também parece estar envolvida. Os efeitos oxidativos dos peróxidos de hidrogênio, induzidos pela hiper-homocisteinemia, pode aumentar a oxidação da lipoproteína de baixa densidade (LDL). A LDL oxidada é mais facilmente englobada pelos macrófagos do que as não oxidadas, tornando-se mais aterogênica. É também possível que a hiper-homocisteinemia cause redução da ativação da proteína C, resultando em formação de trombose.

Homocisteína e Obesidade

A obesidade na infância está associada com aumento de risco para doença cardiovascular na idade adulta, pois geralmente ela acarreta fatores de risco como dislipidemia (vide post sobre dislipidemia), hiperinsulinemia e hipertensão arterial. A hiper-homocisteína, adicionalmente a estes outros fatores pode atuar de forma sinérgica, induzindo a disfunção vascular e acarretando aterosclerose e trombose.

        Alguns estudos em crianças e adolescentes indicam que o aumento de peso está associado com elevadas concentrações de homocisteína e insulina, sugerindo que a hiperinsulinemia associada à obesidade poderia interferir no metabolismo da homocisteína.

          Alguns autores também encontraram aumento das concentrações de homocisteína no plasma durante a redução de peso, sugerindo que isto acontece porque a perda de massa gorda durante programas de redução de peso pode estar acompanhada da perda de massa magra. Desta forma, o aumento da homocisteína refletiria o catabolismo proteico, já que ela é derivada do metabolismo da metionina, um aminoácido essencial. Os autores recomendam que programas para a redução de peso em crianças devam focar não somente a redução de peso, mas também a manutenção ou aumento da massa magra.

Homocisteína e Deficiência de Vitaminas

         O Framingham Heart Study demonstrou que as concentrações de homocisteína foram inversamente correlacionadas com as concentrações plasmáticas de ácido fólico, vitamina B12 e ingestão de ácido fólico.

          Anormalidades na função das enzimas envolvidas na metabolização da homocisteína ou deficiências nos co-fatores (ácido fólico, vitamina B6, vitamina B12), podem levar ao aumento da homocisteína. Alguns autores sugerem que as concentrações plasmáticas inadequadas de uma ou mais vitaminas do complexo B podem contribuir com aproximadamente 2/3 de todos os casos de hiper-homocisteinemia.

           A ingestão adequada de nutrientes, incluindo o folato e as vitaminas B6 e B12, influencia positivamente as concentrações plasmáticas de homocisteína e pode efetivamente diminuir as concentrações de homocisteína em pessoas com fatores de risco concomitantes para doenças cardiovasculares. A ingestão apropriada destes nutrientes deve ser associada a uma dieta pobre em gordura, colesterol e sódio.

            Dietas pobres em ácido fólico e vitaminas B6 e B12, produzem elevação significativa nos níveis sanguíneos de homocisteína e o aumento do consumo diário destas vitaminas pode reduzir a concentração de homocisteína plasmática, sendo assim uma boa estratégia para se prevenir doenças cardiovasculares.


Tratamento Nutricional da Hiper-Homocisteinemia

Folato é um termo genérico utilizado para denominar essa vitamina essencial e hidrossolúvel do complexo B, que se apresenta sob a forma ativa de ácido tetrahidrofólico e tem função de coenzima para reações de transferência de unidades de carbono necessárias em várias vias metabólicas, incluindo o metabolismo de purinas e pirimidinas, bem como interconversões de aminoácidos. O ácido fólico (ácido pteroilmonoglutamato), forma oxidada e estável do folato, embora seja raramente encontrado nos alimentos, é a forma utilizada em suplementos vitamínicos e produtos alimentícios fortificados, representando 20% do folato da dieta. Nos alimentos naturais, o chamado folato alimentar é encontrado na forma de pteroilpoliglutamato, que representa aproximadamente 80% do folato da dieta.

Quadro 1. Conteúdo de folato (µg/100g) em diversos alimentos.

Alimento
Conteúdo
Fígado de galinha grelhado
560
Farinha de soja
303
Fígado bovino grelhado
253
Feijão cozido
149
Espinafre cozido
73
Brócolis cru
71
Farinha de aveia
52
Farelo de trigo
44
Ovo cozido
44
Laranja
30
Couve crua
29
Pão branco
25
Banana
20
Tomate cru
15
Batata cozida
9
Fonte: Venâncio, et al. 2010.

Quadro 2. Conteúdo de vitamina B12 (µg/100g) em diversos alimentos.

Alimento
Conteúdo
Fígado bovino grelhado
70,5
Fígado de galinha grelhado
16,8
Peixe grelhado
2,8
Carne bovina
2,4
Queijo tipo mussarela
2,2
Camarão cozido
1,8
Ovo cozido
1,3
Leite de vaca integral
0,4
Fonte: Venâncio, et al. 2010.

Quadro 3. Conteúdo de vitamina B6 (µg/100g) em diversos alimentos.

Alimento
Conteúdo
Fígado bovino grelhado
1,00
Fígado de galinha grelhado
0,87
Banana
0,36
Farelo de trigo
0,34
Oleaginosas
0,27
Batata cozida
0,26
Abacate
0,25
Brócolis cozido
0,20
Farinha de aveia
0,16
Feijão cozido
0,06
Fonte: Venâncio, et al. 2010.

O consumo ideal das vitaminas B12, B6 e folato é definido pela Recommended Dietary Allowances (RDA) ou Recomendações de Cotas Alimentares preconizadas pelas Dietary Reference Intakes, definidas como nível de consumo alimentar suficiente para satisfazer as necessidades de quase todo indivíduo saudável (entre 97 e 98%) compreendido num determinado grupo, faixa etária e estágio da vida (Quadro 4).

Quadro 4. Recomendações de cotas alimentares (Recommended Dietary Allowances, RDA) preconizadas pela Dietary Reference Intakes.

Sexo/Faixa etária (anos)
Folato (µg/dia)
Vitamina B6 (µg/dia)
Vitamina B12 (µg/dia)
Homens



19-30
400
1,3
2,4
31-50
400
1,3
2,4
51-70
400
1,7
2,4
71 ou mais
400
1,7
2,4
Mulheres



19-30
400
1,3
2,4
31-50
400
1,3
2,4
51-70
400
1,5
2,4
71 ou mais
400
1,5
2,4
Fonte: Venâncio, et al. 2010.

Em 1996, a Food and Drug Administration (FDA) regulamentou a fortificação de cereais como farinha, arroz, massas e milho com 140µg de ácido fólico por 100 g de produto com o objetivo de reduzir o risco de defeitos do tubo neural em recém nascidos. A fortificação com 499 e 665µg de ácido fólico para 30 g de cereais matinais foi igualmente eficaz em reduzir a homocisteinemia e aumentar o folato sérico em pacientes com doença arterial coronariana. Entretanto, a fortificação com 127µg, quantidade que se aproxima daquela proposta pela FDA, foi insuficiente para reduzir significantemente a homocisteinemia e induzir um aumento moderado de folato sérico. Portanto, a homocisteinemia reduziu e o folato sérico aumentou linearmente com o aumento de ácido fólico contido no cereal. Diante desses resultados, os autores sugeriram que um nível de fortificação superior (aproximadamente 350µg) ao proposto pela FDA deveria ser assegurado.

O Brasil não dispõe de informações recentes, de representatividade nacional, sobre carências de micronutrientes em adultos. Mesmo assim, houve decisão governamental sobre a fortificação universal das farinhas de trigo e milho produzidas no país com ácido fólico, com base em estudos de abrangência local realizados por diferentes instituições em várias regiões geográficas. A resolução tornou obrigatória a fortificação de cereais como farinha de trigo e milho com 150µg de ácido fólico por 100 g de cereal, o que representa 37% da RDA para adultos, com o objetivo de prevenir defeitos do tubo neural em recém-nascidos e carência de folato em crianças e adultos.

Considerando-se que a hiper-homocisteinemia é comum em indivíduos que apresentam comprometimento nutricional das vitaminas B6, B12 e, principalmente, do folato, e pela significativa participação dessas vitaminas na homocisteinemia, diversos estudos utilizaram com sucesso essas vitaminas para reduzir as concentrações sanguíneas desse aminoácido. O folato, isoladamente ou em combinação com as vitaminas B6 e B12, pode reduzir a homocisteína plasmática, inclusive na ausência de deficiências. Ainda não há consenso sobre a dose exata dessas vitaminas para o tratamento da hiper-homocisteinemia, sendo que diferentes doses foram utilizadas em muitos estudos.

O consumo de alimentos fortificados ou suplementos com vitamina B12 também é recomendado na hiper-homocisteinemia em idosos, pois 10 a 30% desses pacientes podem apresentar má absorção dessa vitamina pela redução do fator intrínseco, e os suplementos garantem absorção adequada por difusão passiva, portanto sem a presença de fator intrínseco.

Apesar da existência de estudos demonstrando que a ingestão de alimentos ricos em folato não foi suficiente para reduzir a homocisteína plasmática, outros estudos mostraram que, após a ingestão de aproximadamente 600µg de folato alimentar presente em alimentos de origem vegetal (hortaliças, legumes e frutas), houve redução da homocisteinemia, além de benefícios adicionais de redução no consumo de gordura saturada e aumento no consumo de fibras, ferro, tiamina (B1), vitamina C e B6. Vale relatar que, ao contrário dos suplementos ou alimentos fortificados, a quantificação do consumo de folato alimentar é imprecisa devido à variação das tabelas de composição, e portanto necessita de diversos períodos de observação.

As informações atualmente disponíveis evidenciam que a suplementação combinada de folato, vitamina B12 e vitamina B6 pode ser utilizada no tratamento da hiperhomocisteinemia. De fato, a suplementação, ou a fortificação, ou a adequação dietética isolada do folato promove redução eficiente da homocisteína plasmática e configura- se um procedimento custo-efetivo que apresenta eficácia, sem reações adversas, tratando-se, portanto, de um coadjuvante terapêutico com relação risco-benefício bastante favorável no controle da homocisteinemia. Quanto ao impacto da suplementação sobre a morbimortalidade por doenças vasculares, os estudos mostraram-se divergentes e inconclusivos.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.

Referências Bibliográficas:
Brasileiro, RS. Homocisteína, Ácido Fólico, Vitamina B12 em Adolescentes Obesos de Escola Pública da Cidade de São Paulo: Estudo de Caso-Controle. [Tese de Mestrado] Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, 2004.
 
Neves, LB; Macedo, DM; Lopez, AC. J Bras Patol Med Lab 2004; v.40, n.5: p.311-320.
 
Uehara, SK; Baluz, K; Rosa, G. Possíveis mecanismos trombogênicos da hiper-homocisteinemia e o seu tratamento nutricional. Rev Nutr 2005; v.18, n.6: p.743-751.

Venâncio, LS; Burini, RC; Yoshida, WB. Tratamento dietético da hiper-homocisteinemia na doença arterial periférica. J Vasc Bras 2010, v.9, n.1: p.28-41.

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