Nas últimas décadas, os países em
desenvolvimento tiveram um aumento importante de mortalidade devido às doenças
cardiovasculares. No Brasil, observa-se diminuição dos óbitos provocados por
doenças infecciosas e parasitárias e aumento concomitante da mortalidade por
doenças crônico-degenerativas, especialmente pela doença arterial coronariana
(DAC).
Recentemente têm sido conhecidos
novos fatores de risco para doença coronariana, entre eles o nível elevado de
homocisteína, visto que vários estudos sugerem que elevadas concentrações
plasmáticas de homocisteína podem ser um fator de risco independente para
doença coronariana.
A homocisteína é um aminoácido
sulfurado que não participa da síntese proteica, sendo formada a partir do metabolismo
da metionina. A concentração normal de homocisteína plasmática vária de 5 a
15µmol/L. A hiper-homocisteinemia pode ser assim classificada: moderada (entre
15 a 30µmol/L); intermediária (entre 30 e 100µmol/L) e grave (acima de
100µmol/L).
Os fatores dietéticos que determinam
as concentrações sanguíneas de homocisteína estão representados pelo conteúdo
de metionina da dieta e também de vitaminas B6,
B12 e ácido fólico. A conversão de
homocisteína a metionina é controlada pela vitamina B12 e pelo ácido fólico e a excreção da
homocisteína, pela vitamina B6.
Dentre os fatores de risco mais
conhecidos para doença arterial coronariana estão incluídos os elevados níveis
de colesterol total, LDL-c (mau colesterol), baixos níveis de HDL-c (bom
colesterol), a hipertensão arterial, o tabagismo, o diabetes melito e a
obesidade.
Estudos epidemiológicos sugerem que
níveis plasmáticos de homocisteína, mesmo que moderadamente elevados, estão
associados com risco aumentado para doença cardiovascular, independentemente
dos clássicos fatores de risco cardiovascular.
Níveis elevados de homocisteína
estão associados a efeitos trombóticos e aterogênicos, aumentando o risco para
doença vascular coronariana. Associação entre hiper-homocisteinemia e trombose
arterial foi observada tanto em adultos como em crianças.
A hiper-homocisteinemia estimula a
proliferação de células musculares lisas e inibe o crescimento de células
endoteliais, favorecendo a aterosclerose. Um dos mecanismos pelos quais a
hiper-homocisteinemia favorece a proliferação de células musculares lisas é
pela inativação do óxido nítrico a partir dos peróxidos de lipídios produzidos
pela oxidação da homocisteína. A inibição da proliferação e migração de células
musculares lisas é dada pelo óxido nítrico. A inativação do óxido nítrico deixa
o endotélio mais vulnerável aos danos promovidos pela homocisteína. A oxidação
de lipídios séricos também parece estar envolvida. Os efeitos oxidativos dos
peróxidos de hidrogênio, induzidos pela hiper-homocisteinemia, pode aumentar a
oxidação da lipoproteína de baixa densidade (LDL). A LDL oxidada é mais
facilmente englobada pelos macrófagos do que as não oxidadas, tornando-se mais
aterogênica. É também possível que a hiper-homocisteinemia cause redução da
ativação da proteína C, resultando em formação de trombose.
Homocisteína e
Obesidade
A obesidade na infância está
associada com aumento de risco para doença cardiovascular na idade adulta, pois
geralmente ela acarreta fatores de risco como dislipidemia (vide post sobre
dislipidemia), hiperinsulinemia e hipertensão arterial. A hiper-homocisteína,
adicionalmente a estes outros fatores pode atuar de forma sinérgica, induzindo
a disfunção vascular e acarretando aterosclerose e trombose.
Alguns estudos em crianças e adolescentes
indicam que o aumento de peso está associado com elevadas concentrações de
homocisteína e insulina, sugerindo que a hiperinsulinemia associada à obesidade
poderia interferir no metabolismo da homocisteína.
Alguns autores também encontraram
aumento das concentrações de homocisteína no plasma durante a redução de peso,
sugerindo que isto acontece porque a perda de massa gorda durante programas de
redução de peso pode estar acompanhada da perda de massa magra. Desta forma, o
aumento da homocisteína refletiria o catabolismo proteico, já que ela é
derivada do metabolismo da metionina, um aminoácido essencial. Os autores
recomendam que programas para a redução de peso em crianças devam focar não
somente a redução de peso, mas também a manutenção ou aumento da massa magra.
Homocisteína e
Deficiência de Vitaminas
O Framingham Heart Study demonstrou
que as concentrações de homocisteína foram inversamente correlacionadas com as
concentrações plasmáticas de ácido fólico, vitamina B12 e ingestão de ácido fólico.
Anormalidades na função das enzimas
envolvidas na metabolização da homocisteína ou deficiências nos co-fatores
(ácido fólico, vitamina B6, vitamina B12), podem levar ao aumento da
homocisteína. Alguns autores sugerem que as concentrações plasmáticas
inadequadas de uma ou mais vitaminas do complexo B podem contribuir com
aproximadamente 2/3 de todos os casos de hiper-homocisteinemia.
A ingestão adequada de nutrientes,
incluindo o folato e as vitaminas B6
e B12, influencia positivamente as
concentrações plasmáticas de homocisteína e pode efetivamente diminuir as
concentrações de homocisteína em pessoas com fatores de risco concomitantes
para doenças cardiovasculares. A ingestão apropriada destes nutrientes deve ser
associada a uma dieta pobre em gordura, colesterol e sódio.
Dietas pobres em ácido fólico e
vitaminas B6 e B12,
produzem elevação significativa nos níveis sanguíneos de homocisteína e o
aumento do consumo diário destas vitaminas pode reduzir a concentração de
homocisteína plasmática, sendo assim uma boa estratégia para se prevenir
doenças cardiovasculares.
Tratamento
Nutricional da Hiper-Homocisteinemia
Folato é um termo genérico utilizado para denominar
essa vitamina essencial e hidrossolúvel do complexo B, que se apresenta sob a
forma ativa de ácido tetrahidrofólico e tem função de coenzima para reações de
transferência de unidades de carbono necessárias em várias vias metabólicas,
incluindo o metabolismo de purinas e pirimidinas, bem como interconversões de
aminoácidos. O ácido fólico (ácido pteroilmonoglutamato), forma oxidada e
estável do folato, embora seja raramente encontrado nos alimentos, é a forma
utilizada em suplementos vitamínicos e produtos alimentícios fortificados,
representando 20% do folato da dieta. Nos alimentos naturais, o chamado folato
alimentar é encontrado na forma de pteroilpoliglutamato, que representa
aproximadamente 80% do folato da dieta.
Quadro 1. Conteúdo
de folato (µg/100g) em diversos alimentos.
Alimento
|
Conteúdo
|
Fígado de galinha grelhado
|
560
|
Farinha de soja
|
303
|
Fígado bovino grelhado
|
253
|
Feijão cozido
|
149
|
Espinafre cozido
|
73
|
Brócolis cru
|
71
|
Farinha de aveia
|
52
|
Farelo de trigo
|
44
|
Ovo cozido
|
44
|
Laranja
|
30
|
Couve crua
|
29
|
Pão branco
|
25
|
Banana
|
20
|
Tomate cru
|
15
|
Batata cozida
|
9
|
Fonte: Venâncio, et al. 2010.
Quadro 2. Conteúdo de vitamina B12 (µg/100g) em diversos alimentos.
Alimento
|
Conteúdo
|
Fígado
bovino grelhado
|
70,5
|
Fígado
de galinha grelhado
|
16,8
|
Peixe
grelhado
|
2,8
|
Carne
bovina
|
2,4
|
Queijo
tipo mussarela
|
2,2
|
Camarão
cozido
|
1,8
|
Ovo
cozido
|
1,3
|
Leite
de vaca integral
|
0,4
|
Fonte: Venâncio, et al. 2010.
Quadro 3. Conteúdo de vitamina B6 (µg/100g) em diversos alimentos.
Alimento
|
Conteúdo
|
Fígado
bovino grelhado
|
1,00
|
Fígado
de galinha grelhado
|
0,87
|
Banana
|
0,36
|
Farelo
de trigo
|
0,34
|
Oleaginosas
|
0,27
|
Batata
cozida
|
0,26
|
Abacate
|
0,25
|
Brócolis
cozido
|
0,20
|
Farinha
de aveia
|
0,16
|
Feijão
cozido
|
0,06
|
Fonte: Venâncio, et al. 2010.
O consumo ideal das vitaminas B12, B6 e folato é definido pela Recommended Dietary
Allowances (RDA) ou Recomendações de Cotas Alimentares preconizadas pelas Dietary
Reference Intakes, definidas como nível de consumo alimentar suficiente
para satisfazer as necessidades de quase todo indivíduo saudável (entre 97 e
98%) compreendido num determinado grupo, faixa etária e estágio da vida (Quadro
4).
Quadro 4.
Recomendações de cotas alimentares (Recommended Dietary Allowances, RDA) preconizadas pela Dietary Reference
Intakes.
Sexo/Faixa etária (anos)
|
Folato (µg/dia)
|
Vitamina B6 (µg/dia)
|
Vitamina B12 (µg/dia)
|
Homens
|
|||
19-30
|
400
|
1,3
|
2,4
|
31-50
|
400
|
1,3
|
2,4
|
51-70
|
400
|
1,7
|
2,4
|
71 ou mais
|
400
|
1,7
|
2,4
|
Mulheres
|
|||
19-30
|
400
|
1,3
|
2,4
|
31-50
|
400
|
1,3
|
2,4
|
51-70
|
400
|
1,5
|
2,4
|
71 ou mais
|
400
|
1,5
|
2,4
|
Fonte: Venâncio, et al. 2010.
Em 1996, a Food and Drug Administration (FDA) regulamentou
a fortificação de cereais como farinha, arroz, massas e milho com 140µg de
ácido fólico por 100 g de produto com o objetivo de reduzir o risco de defeitos
do tubo neural em recém nascidos. A fortificação com 499 e 665µg de ácido
fólico para 30 g de cereais matinais foi igualmente eficaz em reduzir a
homocisteinemia e aumentar o folato sérico em pacientes com doença arterial
coronariana. Entretanto, a fortificação com 127µg, quantidade que se aproxima
daquela proposta pela FDA, foi insuficiente para reduzir significantemente a
homocisteinemia e induzir um aumento moderado de folato sérico. Portanto, a
homocisteinemia reduziu e o folato sérico aumentou linearmente com o aumento de
ácido fólico contido no cereal. Diante desses resultados, os autores sugeriram
que um nível de fortificação superior (aproximadamente 350µg) ao proposto pela
FDA deveria ser assegurado.
O Brasil não dispõe de informações recentes, de
representatividade nacional, sobre carências de micronutrientes em adultos.
Mesmo assim, houve decisão governamental sobre a fortificação universal das
farinhas de trigo e milho produzidas no país com ácido fólico, com base em
estudos de abrangência local realizados por diferentes instituições em várias regiões
geográficas. A resolução tornou obrigatória a fortificação de cereais como farinha
de trigo e milho com 150µg de ácido fólico por 100 g de cereal, o que
representa 37% da RDA para adultos, com o objetivo de prevenir defeitos do tubo
neural em recém-nascidos e carência de folato em crianças e adultos.
Considerando-se que a hiper-homocisteinemia é comum
em indivíduos que apresentam comprometimento nutricional das vitaminas B6, B12 e, principalmente, do folato, e pela significativa
participação dessas vitaminas na homocisteinemia, diversos estudos utilizaram
com sucesso essas vitaminas para reduzir as concentrações sanguíneas desse
aminoácido. O folato, isoladamente ou em combinação com as vitaminas B6 e B12, pode reduzir a homocisteína plasmática, inclusive
na ausência de deficiências. Ainda não há consenso sobre a dose exata dessas vitaminas
para o tratamento da hiper-homocisteinemia, sendo que diferentes doses foram
utilizadas em muitos estudos.
O consumo de alimentos fortificados ou suplementos
com vitamina B12 também é recomendado na hiper-homocisteinemia em
idosos, pois 10 a 30% desses pacientes podem apresentar má absorção dessa
vitamina pela redução do fator intrínseco, e os suplementos garantem absorção adequada
por difusão passiva, portanto sem a presença de fator intrínseco.
Apesar da existência de estudos demonstrando que a
ingestão de alimentos ricos em folato não foi suficiente para reduzir a
homocisteína plasmática, outros estudos mostraram que, após a ingestão de
aproximadamente 600µg de folato alimentar presente em alimentos de origem vegetal
(hortaliças, legumes e frutas), houve redução da homocisteinemia, além de
benefícios adicionais de redução no consumo de gordura saturada e aumento no
consumo de fibras, ferro, tiamina (B1), vitamina
C e B6. Vale relatar que, ao contrário dos suplementos ou
alimentos fortificados, a quantificação do consumo de folato alimentar é
imprecisa devido à variação das tabelas de composição, e portanto necessita de
diversos períodos de observação.
As informações atualmente disponíveis evidenciam
que a suplementação combinada de folato, vitamina B12 e vitamina B6 pode ser utilizada no tratamento da
hiperhomocisteinemia. De fato, a suplementação, ou a fortificação, ou a
adequação dietética isolada do folato promove redução eficiente da homocisteína
plasmática e configura- se um procedimento custo-efetivo que apresenta
eficácia, sem reações adversas, tratando-se, portanto, de um coadjuvante
terapêutico com relação risco-benefício bastante favorável no controle da homocisteinemia.
Quanto ao impacto da suplementação sobre a morbimortalidade por doenças
vasculares, os estudos mostraram-se divergentes e inconclusivos.
As
informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento
presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas,
psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente,
para seu conhecimento.
Referências Bibliográficas:
Brasileiro, RS.
Homocisteína, Ácido Fólico, Vitamina B12 em Adolescentes Obesos de Escola
Pública da Cidade de São Paulo: Estudo de Caso-Controle. [Tese de Mestrado]
Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, 2004.
Neves, LB; Macedo, DM;
Lopez, AC. J Bras Patol Med Lab 2004; v.40, n.5: p.311-320.
Uehara, SK; Baluz, K; Rosa,
G. Possíveis mecanismos trombogênicos da hiper-homocisteinemia e o seu
tratamento nutricional. Rev Nutr 2005; v.18, n.6: p.743-751.
Venâncio, LS; Burini, RC;
Yoshida, WB. Tratamento dietético da hiper-homocisteinemia na
doença arterial periférica. J Vasc Bras 2010, v.9, n.1: p.28-41.
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