Colestase é um sintoma e
não uma doença. É definida como redução na formação ou no fluxo biliar,
secundária a anormalidades estruturais e moleculares do fígado e/ou das vias
biliares. Como consequência, há retenção de bilirrubina direta,
sais biliares e outros componentes da bile.
Laboratorialmente,
define-se colestase quando:
→
a bilirrubina direta for maior que 1mg/dl (se a bilirrubina total for menor que
5mg/dl).
→
ou a bilirrubina direta for superior a 20% da bilirrubina total (se a
bilirrubina total for maior que 5mg/dl).
A diferença entre causas
intra-hepáticas e extra-hepáticas é de grande importância, pois as doenças extra-hepáticas são passíveis de tratamento cirúrgico que, se instituído
precocemente, poderá prevenir lesão permanente do fígado e melhorar a sobrevida
da criança afetada.
A mais frequente causa
extra-hepática de colestase neonatal é a Atresia de Vias Biliares (AVB). A
atresia biliar extra-hepática é uma afecção resultante de processo de entupimento dos ductos biliares intra e extra-hepáticos devido a um processo
inflamatório perinatal de etiologia desconhecida, que apresenta evolução
progressiva para cirrose biliar, a despeito do êxito da correção cirúrgica.
Diagnóstico
Clinicamente, a colestase se traduz
por acúmulo no sangue de substâncias que são normalmente excretadas pela bile.
Na maioria dos casos, há icterícia com colúria (presença de pigmentos biliares
na urina) e hipocolia ou acolia fecal (fezes esbranquiçadas). Mas a icterícia
não é obrigatória e, em algumas situações, pode haver apenas prurido.
Em colestases de causa
intra-hepática, pode haver alternância de eliminação de fezes acólicas,
hipocólicas (fezes descoradas) e coradas. A icterícia, geralmente, é
prolongada. Porém, em muitos casos, pode ocorrer resolução espontânea.
Crianças com colestase de
causa infecciosa ou metabólica podem apresentar baixo peso ao nascimento e
aspecto clínico grave. Algumas doenças metabólicas podem estar associadas à
sepsis em sua evolução, como por exemplo, Galactosemia e Tirosinemia tipo I.
Muitas crianças podem morrer sem que seja feito o diagnóstico. O desenvolvimento
de insuficiência hepática, hipoglicemia, convulsões, letargia e coagulopatia sugerem
causa metabólica e/ou infecciosa. O médico deve estar atento para a presença
de:
→ Catarata congênita (Galactosemia);
→ Fascies característico, embriotoxom posterior, vértebras em asa de
borboleta, cardiopatia, xantomas, déficit de crescimento (síndrome de
Alagille);
→ Tubulopatia renal/síndrome de Fanconi (Galactosemia, Tirosinemia tipo
I);
→ Odor característico (Tirosinemia, Doença de Xarope de Bordo).
Pacientes com colestase de causa extra-hepática,
geralmente, apresentam peso normal ao nascimento. Na Atresia de Vias Biliares, a
fibrose e obliteração do trato biliar é, inicialmente, extra-hepática, porém,
evolui com comprometimento de dutos intra-hepáticos. As fezes tornam-se
persistentemente acólicas, mas podem estar tingidas externamente por secreções
intestinais ictéricas e urina colúrica (com bilirrubina, uma urina escura). Por
esse motivo, deve-se sempre observar a coloração interna do bolo fecal.
Bebês com Atresia de Vias Biliares, apesar da
icterícia e hepatoesplenomegalia, podem ter aspecto falsamente “saudável” numa fase
inicial. No entanto, a evolução é rapidamente progressiva, com desenvolvimento precoce
de cirrose, nos primeiros meses de vida, com deterioração da função hepática,
levando à desnutrição, ascite, edema, hipertensão portal, varizes esofágicas e
hemorragia digestiva alta. À palpação, o fígado está aumentado, irregular e de
consistência endurecida. A presença de visceromegalia (aumento dos órgãos
internos do abdômen) e ascite limita a ingestão de alimentos, agravando ainda
mais a desnutrição.
Avaliação Nutricional
Lactentes com doença hepática
usualmente são comedores vorazes nos primeiros meses de vida e não apresentam
deficiência ponderal aparente. Entretanto, esta avaliação isolada é confundida
com a retenção de líquidos e com a visceromegalia geralmente encontrada nestes
pacientes, sendo que o atraso no desenvolvimento só será percebido por volta de
um ano de idade. A avaliação do peso associado à estatura, prega cutânea do
tríceps, circunferência do braço e perímetro cefálico, refletirão melhor o
estado nutricional destas crianças.
O suporte nutricional deve ser
empregado desde o diagnóstico da doença hepática, atuando ainda sobre o estado
dos ácidos graxos poliinsaturados, com reflexos na nutrição calórica e proteica e na profilaxia da deficiência de vitaminas lipossolúveis. Entretanto, suporte nutricional urgente e agressivo está indicado quando as medidas antropométricas
de avaliação nutricional estiverem abaixo do percentil 10, especificamente a
circunferência do braço ou a prega cutânea do tríceps que são os indicadores
mais sensíveis, especialmente nas seguintes situações:
1)
pacientes entre 1 e 4 meses de idade, com circunferência do braço menor do que
10cm e prega cutânea do tríceps menor do que 4mm;
2)
pacientes entre 4 meses e 1 ano de idade com circunferência do braço menor do
que 13cm e prega cutânea do tríceps menor do que 5,5mm;
3)
pacientes entre 1 e 4 anos de idade com circunferência do braço menor do que
14cm e prega cutânea do tríceps menor do que 8mm;
4)
pacientes entre 3 e 6 anos de idade com circunferência do braço menor do que 15cm
e prega cutânea do tríceps menor do que 9mm;
5)
pacientes entre 7 e 10 anos de idade com circunferência do braço menor do que
16cm e prega cutânea do tríceps menor do que 8mm.
As estratégias sugeridas para
suporte nutricional devem ser continuamente reavaliadas para a garantia do
crescimento e desenvolvimento destes pacientes. Em fases avançadas da doença
hepática, quando já existem complicações como ascite ou encefalopatia, dietas
modularizadas ou mesmo nutrição parenteral podem ser necessárias.
Recomendações
Nutricionais
Segundo o Comitê de Diretrizes
de Colestase da Sociedade Norte Americana de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia
e Nutrição, toda a criança com icterícia persistindo por duas semanas
de vida deve ser submetida a exame para mensurar as bilirrubinas
total e direta. Se a criança recebe leite materno, não tem colúria ou
fezes hipocólicas/ acólicas e o exame físico é normal, poderá ser reavaliada
com três semanas de vida. Se a icterícia persistir, dosar bilirrubinas. Diante de
um aumento da bilirrubina direta, deverá ser encaminhada ao especialista, para investigação
da etiologia da colestase e tratamento.
Deve-se
iniciar com 1,2 a 1,5 vezes a ingesta calórica recomendada para a idade. Leite
materno exclusivo até 6 meses, com acompanhamento clínico mensal. Considerar
suplementação se houver baixo ganho de peso. A fórmula ideal é o hidrolisado proteico. Por ser proteína hidrolisada, diminui o gasto energético, contém
triglicerídeos de cadeia média na formulação e fornece melhor oferta calórica.
Na impossibilidade de dispor do hidrolisado, alguns serviços usam leite
desnatado com acréscimo de triglicérides de cadeia média (TCM) e ácidos graxos
essenciais (AGE), na forma de preparados comerciais ou gordura de coco e óleo
de milho, além de carboidratos (“açúcar” e amido), para aumentar o valor
calórico. A adição de azeite de oliva em papas salgadas fornece parte dos
ácidos graxos essenciais. Crianças maiores podem receber suplementos
alimentares.
Indicação
de sonda nasogástrica ou nasoenteral:
* para neonatos já em acompanhamento, que se
apresentem com peso abaixo do percentil 2,5 da curva de crescimento e com baixo
ganho de peso;
* para crianças maiores que iniciem acompanhamento,
se não houver progresso após um mês de instituídas medidas para recuperação
nutricional por via oral.
► Vitaminas
Lipossolúveis
* Vitamina A
5.000 a 15.000UI/dia (frascos/gotas com
150.000UI/ml e ampolas de 1ml com 300.000UI). Aplicar 50.000UI/mês, intramuscular,
a cada dois ou três meses.
Outros autores preconizam:
• até 2 anos: 150.000UI, IM, 3/3 meses;
• >2 anos: 300.000UI, IM, 3/3 meses.
Realizar avaliação oftalmológica a cada seis meses.
Monitorar níveis séricos a cada três meses: manter de 400 a 500mg/l. Se houver
clínica de hipovitaminose A e estiver usando dose correta, acrescentar zinco
(1mg/kg de zinco elementar).
* Vitamina E – Alfa-tocoferol
25–50UI/kg/dia, VO (máximo 150-200UI/kg/ dia).
Manter níveis séricos > 5mg/l. Monitorar reflexos a cada consulta e fazer
lipidograma a cada três meses.
* Vitamina K
Usar quando RNI > 1,5. Se colestase, fazer profilático,
2 a 10mg, IM, semanal ou a cada 15-30 dias. Cuidado, pois só as formulações com
micelas mistas (“MM”) podem ser aplicadas por via endovenosa.
* Vitamina D
Calcitriol, metabólito ativo da vitamina D3, na
dose de 0,05-0,2μg/kg/dia, VO (cápsulas de 0,25μg). Pode ser obtido via
Ministério da Saúde, com CID de osteoporose (CID M81). Dosar fosfatase
alcalina, cálcio e fósforo inorgânico séricos e cálcio e fósforo inorgânico em
urina de 24hs.
► Vitaminas Hidrossolúveis
Polivitamínicos via oral, preferentemente em suspensão
aquosa.
► Cálcio
• até 4kg → 200mg/dia;
• 4-7 kg → 300mg/dia;
• >7 kg → 400mg/dia.
Fazer calciúria de 24hs no início, um mês após e a
cada três meses. Calciúria deve ser < 4mg/kg/dia.
As informações contidas neste blog, não
devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de
saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e
sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.
Referências
Bibliográficas:
Araújo, MCK; Cabêdo, MTC; Feferbaum, R.
Suporte nutricional na síndrome colestática: uma revisão prática. Rev Bras Nutr
Clin 2002; v.17, n.2: p.51-57.
Colestase Neonatal. Sociedade de Pediatria de
São Paulo. Disponível em: www.spsp.org.br
Acessado em: 03/08/2013.
Roquete, MLV. Colestase neonatal. J Pediatr
2000; v.76 (Supl.2): s187-s97.
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