terça-feira, 26 de novembro de 2013

Síndrome Colestática

          Colestase é um sintoma e não uma doença. É definida como redução na formação ou no fluxo biliar, secundária a anormalidades estruturais e moleculares do fígado e/ou das vias biliares. Como consequência, há retenção de bilirrubina direta, sais biliares e outros componentes da bile.

            Laboratorialmente, define-se colestase quando:

→ a bilirrubina direta for maior que 1mg/dl (se a bilirrubina total for menor que 5mg/dl).

→ ou a bilirrubina direta for superior a 20% da bilirrubina total (se a bilirrubina total for maior que 5mg/dl).

         A diferença entre causas intra-hepáticas e extra-hepáticas é de grande importância, pois as doenças extra-hepáticas são passíveis de tratamento cirúrgico que, se instituído precocemente, poderá prevenir lesão permanente do fígado e melhorar a sobrevida da criança afetada.

         A mais frequente causa extra-hepática de colestase neonatal é a Atresia de Vias Biliares (AVB). A atresia biliar extra-hepática é uma afecção resultante de processo de entupimento dos ductos biliares intra e extra-hepáticos devido a um processo inflamatório perinatal de etiologia desconhecida, que apresenta evolução progressiva para cirrose biliar, a despeito do êxito da correção cirúrgica.

Diagnóstico

         Clinicamente, a colestase se traduz por acúmulo no sangue de substâncias que são normalmente excretadas pela bile. Na maioria dos casos, há icterícia com colúria (presença de pigmentos biliares na urina) e hipocolia ou acolia fecal (fezes esbranquiçadas). Mas a icterícia não é obrigatória e, em algumas situações, pode haver apenas prurido.

           Em colestases de causa intra-hepática, pode haver alternância de eliminação de fezes acólicas, hipocólicas (fezes descoradas) e coradas. A icterícia, geralmente, é prolongada. Porém, em muitos casos, pode ocorrer resolução espontânea.

          Crianças com colestase de causa infecciosa ou metabólica podem apresentar baixo peso ao nascimento e aspecto clínico grave. Algumas doenças metabólicas podem estar associadas à sepsis em sua evolução, como por exemplo, Galactosemia e Tirosinemia tipo I. Muitas crianças podem morrer sem que seja feito o diagnóstico. O desenvolvimento de insuficiência hepática, hipoglicemia, convulsões, letargia e coagulopatia sugerem causa metabólica e/ou infecciosa. O médico deve estar atento para a presença de:

→ Catarata congênita (Galactosemia);

→ Fascies característico, embriotoxom posterior, vértebras em asa de borboleta, cardiopatia, xantomas, déficit de crescimento (síndrome de Alagille);

→ Tubulopatia renal/síndrome de Fanconi (Galactosemia, Tirosinemia tipo I);

→ Odor característico (Tirosinemia, Doença de Xarope de Bordo).

Pacientes com colestase de causa extra-hepática, geralmente, apresentam peso normal ao nascimento. Na Atresia de Vias Biliares, a fibrose e obliteração do trato biliar é, inicialmente, extra-hepática, porém, evolui com comprometimento de dutos intra-hepáticos. As fezes tornam-se persistentemente acólicas, mas podem estar tingidas externamente por secreções intestinais ictéricas e urina colúrica (com bilirrubina, uma urina escura). Por esse motivo, deve-se sempre observar a coloração interna do bolo fecal.

Bebês com Atresia de Vias Biliares, apesar da icterícia e hepatoesplenomegalia, podem ter aspecto falsamente “saudável” numa fase inicial. No entanto, a evolução é rapidamente progressiva, com desenvolvimento precoce de cirrose, nos primeiros meses de vida, com deterioração da função hepática, levando à desnutrição, ascite, edema, hipertensão portal, varizes esofágicas e hemorragia digestiva alta. À palpação, o fígado está aumentado, irregular e de consistência endurecida. A presença de visceromegalia (aumento dos órgãos internos do abdômen) e ascite limita a ingestão de alimentos, agravando ainda mais a desnutrição.

Avaliação Nutricional

       Lactentes com doença hepática usualmente são comedores vorazes nos primeiros meses de vida e não apresentam deficiência ponderal aparente. Entretanto, esta avaliação isolada é confundida com a retenção de líquidos e com a visceromegalia geralmente encontrada nestes pacientes, sendo que o atraso no desenvolvimento só será percebido por volta de um ano de idade. A avaliação do peso associado à estatura, prega cutânea do tríceps, circunferência do braço e perímetro cefálico, refletirão melhor o estado nutricional destas crianças.

         O suporte nutricional deve ser empregado desde o diagnóstico da doença hepática, atuando ainda sobre o estado dos ácidos graxos poliinsaturados, com reflexos na nutrição calórica e proteica e na profilaxia da deficiência de vitaminas lipossolúveis. Entretanto, suporte nutricional urgente e agressivo está indicado quando as medidas antropométricas de avaliação nutricional estiverem abaixo do percentil 10, especificamente a circunferência do braço ou a prega cutânea do tríceps que são os indicadores mais sensíveis, especialmente nas seguintes situações:

1) pacientes entre 1 e 4 meses de idade, com circunferência do braço menor do que 10cm e prega cutânea do tríceps menor do que 4mm;

2) pacientes entre 4 meses e 1 ano de idade com circunferência do braço menor do que 13cm e prega cutânea do tríceps menor do que 5,5mm;

3) pacientes entre 1 e 4 anos de idade com circunferência do braço menor do que 14cm e prega cutânea do tríceps menor do que 8mm;

4) pacientes entre 3 e 6 anos de idade com circunferência do braço menor do que 15cm e prega cutânea do tríceps menor do que 9mm;

5) pacientes entre 7 e 10 anos de idade com circunferência do braço menor do que 16cm e prega cutânea do tríceps menor do que 8mm.

           As estratégias sugeridas para suporte nutricional devem ser continuamente reavaliadas para a garantia do crescimento e desenvolvimento destes pacientes. Em fases avançadas da doença hepática, quando já existem complicações como ascite ou encefalopatia, dietas modularizadas ou mesmo nutrição parenteral podem ser necessárias.

Recomendações Nutricionais

      Segundo o Comitê de Diretrizes de Colestase da Sociedade Norte Americana de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição, toda a criança com icterícia persistindo por duas semanas de vida deve ser submetida a exame para mensurar as bilirrubinas total e direta. Se a criança recebe leite materno, não tem colúria ou fezes hipocólicas/ acólicas e o exame físico é normal, poderá ser reavaliada com três semanas de vida. Se a icterícia persistir, dosar bilirrubinas. Diante de um aumento da bilirrubina direta, deverá ser encaminhada ao especialista, para investigação da etiologia da colestase e tratamento.

          Deve-se iniciar com 1,2 a 1,5 vezes a ingesta calórica recomendada para a idade. Leite materno exclusivo até 6 meses, com acompanhamento clínico mensal. Considerar suplementação se houver baixo ganho de peso. A fórmula ideal é o hidrolisado proteico. Por ser proteína hidrolisada, diminui o gasto energético, contém triglicerídeos de cadeia média na formulação e fornece melhor oferta calórica. Na impossibilidade de dispor do hidrolisado, alguns serviços usam leite desnatado com acréscimo de triglicérides de cadeia média (TCM) e ácidos graxos essenciais (AGE), na forma de preparados comerciais ou gordura de coco e óleo de milho, além de carboidratos (“açúcar” e amido), para aumentar o valor calórico. A adição de azeite de oliva em papas salgadas fornece parte dos ácidos graxos essenciais. Crianças maiores podem receber suplementos alimentares.

           Indicação de sonda nasogástrica ou nasoenteral:

* para neonatos já em acompanhamento, que se apresentem com peso abaixo do percentil 2,5 da curva de crescimento e com baixo ganho de peso;

* para crianças maiores que iniciem acompanhamento, se não houver progresso após um mês de instituídas medidas para recuperação nutricional por via oral.

Vitaminas Lipossolúveis

* Vitamina A

5.000 a 15.000UI/dia (frascos/gotas com 150.000UI/ml e ampolas de 1ml com 300.000UI). Aplicar 50.000UI/mês, intramuscular, a cada dois ou três meses.

Outros autores preconizam:

• até 2 anos: 150.000UI, IM, 3/3 meses;

• >2 anos: 300.000UI, IM, 3/3 meses.

Realizar avaliação oftalmológica a cada seis meses. Monitorar níveis séricos a cada três meses: manter de 400 a 500mg/l. Se houver clínica de hipovitaminose A e estiver usando dose correta, acrescentar zinco (1mg/kg de zinco elementar).

* Vitamina E – Alfa-tocoferol

25–50UI/kg/dia, VO (máximo 150-200UI/kg/ dia). Manter níveis séricos > 5mg/l. Monitorar reflexos a cada consulta e fazer lipidograma a cada três meses.

* Vitamina K

Usar quando RNI > 1,5. Se colestase, fazer profilático, 2 a 10mg, IM, semanal ou a cada 15-30 dias. Cuidado, pois só as formulações com micelas mistas (“MM”) podem ser aplicadas por via endovenosa.

* Vitamina D

Calcitriol, metabólito ativo da vitamina D3, na dose de 0,05-0,2μg/kg/dia, VO (cápsulas de 0,25μg). Pode ser obtido via Ministério da Saúde, com CID de osteoporose (CID M81). Dosar fosfatase alcalina, cálcio e fósforo inorgânico séricos e cálcio e fósforo inorgânico em urina de 24hs.

Vitaminas Hidrossolúveis

Polivitamínicos via oral, preferentemente em suspensão aquosa.
► Cálcio

• até 4kg → 200mg/dia;

• 4-7 kg → 300mg/dia;

• >7 kg → 400mg/dia.

Fazer calciúria de 24hs no início, um mês após e a cada três meses. Calciúria deve ser < 4mg/kg/dia.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.

Referências Bibliográficas:

Araújo, MCK; Cabêdo, MTC; Feferbaum, R. Suporte nutricional na síndrome colestática: uma revisão prática. Rev Bras Nutr Clin 2002; v.17, n.2: p.51-57.

Colestase Neonatal. Sociedade de Pediatria de São Paulo. Disponível em: www.spsp.org.br Acessado em: 03/08/2013.


Roquete, MLV. Colestase neonatal. J Pediatr 2000; v.76 (Supl.2): s187-s97.

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