quinta-feira, 12 de março de 2015

Mecanismos Fisiológicos do Controle do Peso e Apetite



    A obesidade é uma doença multifatorial que vem atingindo proporções epidêmicas tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento. O aumento da sua prevalência confere-lhe grande importância como problema de saúde pública. Tal fato deve-se à grande associação existente entre o excesso de gordura corporal e o aumento da morbimortalidade, pois essa condição aumenta o risco de se desenvolver doença arterial coronariana, hipertensão arterial diabetes tipo 2, doença pulmonar obstrutiva, osteoartrite e certos tipos de câncer.

     O peso corporal é uma função do balanço de energia e de nutrientes ao longo de um período de tempo. O balanço energético é determinado pela ingestão de macronutrientes (carboidratos, proteínas, lipídios), pelo gasto energético e pela termogênese dos alimentos. Assim, o balanço energético positivo por meses resultará em ganho de peso corporal na forma de gordura, enquanto o balanço energético negativo resultará no efeito oposto.

     Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cujas preconizações também são adotadas pelo Consenso Latino-Americano em Obesidade e pelo Ministério da Saúde, devem ser considerados três níveis para a classificação da Obesidade:

1)    Obesidade grau I: com IMC entre 30 e 34,99kg/altura²(m).
2)    Obesidade grau II: com IMC entre 35 e 39,99kg/altura²(m).
3)    Obesidade grau III: com IMC maior ou igual a 40,0kg/altura²(m).



 A obesidade abdominal ou a obesidade androide, ou seja, o aumento de tecido adiposo na região abdominal, é considerada um fator de risco para diversas morbidades e representa risco diferenciado quando comparada com outras formas de distribuição de gordura corporal, predispondo os indivíduos a diabetes, hipertensão arterial, alterações desfavoráveis no perfil das lipoproteínas plasmáticas, resistência à insulina, síndrome metabólica e doenças cardiovasculares.

 Vários fatores atuam e interagem na regulação da ingestão de alimentos e de armazenamento de energia, contribuindo para o surgimento e a manutenção da obesidade. Entre eles, fatores neuronais, fatores endócrinos e adipocitários e fatores intestinais.

Fatores Neuronais

     
        O controle da ingestão de nutrientes e o decorrente estado de equilíbrio homeostático dependem de uma série de sinais periféricos (como leptina, insulina, grelina e glucocorticoides), que atuam diretamente sobre o hipotálamo, levando a respostas adaptativas apropriadas. No hipotálamo há dois grupos de neuropeptídeos envolvidos nos processos orexígenos e anorexígenos. Os neuropeptídeos orexígenos (estimuladores do apetite) são o neuropeptídeo y (NPY) e o peptídeo agouti (AgRP); já os neuropeptídeos anorexígenos (inibidores do apetite) são o hormônio alfa-estimulador (Alfa-MSH) e o transcrito relacionado à cocaína e à anfetamina (CART).

Leptina
 
       A leptina é um hormônio polipeptídeo expresso principalmente nos adipócitos (células do tecido adiposo) que atua como um fator de sinalização entre o tecido adiposo e o sistema nervoso central (SNC), reduzindo a ingestão alimentar e aumentando o gasto energético. 

     Foi observado que níveis circulantes de leptina correlacionam-se com o IMC e supõe-se que a leptina transmita informações ao hipotálamo referentes à quantidade de energia armazenada no tecido adiposo, suprimindo, assim, o apetite e afetando o gasto de energia. Entretanto, consta na literatura que indivíduos obesos têm elevadas concentrações séricas de leptina, o que provoca resistência à sua ação. 
 
Insulina

            A insulina é produzida pelas células beta do pâncreas, e a sua concentração sérica também é proporcional à adiposidade. Com seu efeito anabólico, a insulina aumenta a captação de glicose, e a queda da glicemia é um estímulo para o aumento do apetite. Por outro lado, estudos experimentais demonstraram que a insulina tem uma função essencial no sistema nervoso central para incitar a saciedade, aumentar o gasto energético e regular a ação da leptina. A insulina ainda interfere na secreção de entero-hormônios como glucagon-like-peptide (GLP 1), que atua inibindo o esvaziamento gástrico e, assim, promovendo uma sensação de saciedade prolongada.

Indivíduos obesos têm elevadas concentrações de insulina e leptina. A administração destes hormônios não é alternativa viável de tratamento, justamente em função da resistência que é resultante de altas concentrações séricas. Além disso, cabe ressaltar que a insulina tem o efeito periférico de aumentar a captação de glicose e lipídeos, levando à queda da glicemia e à consequente fome rebote, além de favorecer o aumento dos estoques de gordura, respectivamente.

Grelina

            A grelina trata-se de um peptídeo produzido nas células do estômago e que está diretamente envolvido na regulação do balanço energético de curto prazo. A grelina tem sido descrita como um hormônio que estimula efeitos opostos aos produzidos pela leptina, estimulando a ingestão alimentar e reduzindo o gasto de gordura. É um dos mais importantes sinalizadores para o início da ingestão alimentar, elevando sua concentração nos períodos de jejum e nos períodos que antecedem as refeições, reduzindo-se imediatamente após a alimentação, o que também sugere um controle neural no comportamento alimentar.

            A alteração dos níveis da leptina e da grelina é considerada um importante mecanismo capaz de alterar o padrão da ingestão alimentar e levar a desajustes nutricionais. Estudo demonstra que a ritmicidade e o sincronismo na secreção da leptina e grelina são importantes para o padrão diário das refeições. Esse padrão recíproco entre a leptina e a grelina estabelece a ritmicidade no sistema neuropeptídio Y (NPY), que é o caminho final para a expressão do apetite no hipotálamo.

Colecistocinina (CCK)

Evidências demonstram que a saciedade após as refeições é atribuída predominantemente à ação da Colecistocinina (CCK), que é liberada pelo trato gastrointestinal em resposta à presença de gordura e proteína. 

Juntamente com a distensão abdominal, a CCK é a maior responsável pela inibição da ingestão alimentar em curto prazo. Parece que a ação da CCK é potencializada pela distensão, indicando um sinergismo entre seus receptores (além dos receptores de outros moduladores) e os mecanoceptores do trato gastrointestinal. 

Peptídeo YY (PYY)

O peptídeo YY (PYY) atravessa a barreira cérebro-sangue e vai ao encontro do hipotálamo, estimulando os neurônios a criarem a sensação de saciedade e inibindo os neurônios que estimulam o comportamento alimentar. Obesos apresentam menor elevação dos níveis de PYY pós-prandial, especialmente em refeições noturnas, o que resulta em maior ingestão calórica. 

Oxintomodulina (OMX)

A oxintomodulina (OXM) foi recentemente identificada como um supressor da ingestão alimentar. Em resposta à ingestão alimentar e proporcionalmente ao conteúdo energético, a OXM é secretada, promovendo a saciedade, e, dessa maneira, por apresentar ações de regulação energética, tem sido considerada potente agente antiobesidade. Contudo, em razão da escassez de pesquisas com a OXM, torna-se necessário o aprofundamento para melhor entendimento de seus efeitos metabólicos.

Neuropeptídeo Y (NPY)

        O NPY é o neurotransmissor mais importante no controle do apetite. Sua expressão é predominante no núcleo arqueado e seus axônios se projetam para os núcleos paraventricular, ventromedial, dorsomedial, área perifornical e área lateral hipotalâmica. O NPY atua no balanço energético e metabolismo das gorduras. Além disso, 90% dos neurônios NPY co-expressam AgRP. Baixos níveis de leptina, hipoglicemia, hipoinsulinemia e condições de balanço energético negativo aumentam a expressão do NPY (mRNA) no núcleo arqueado.

            A administração central de NPY promove um estado de balanço energético positivo por meio do aumento da ingestão alimentar, aumentando a deposição de gordura, diminuindo o gasto energético e estimulando a lipogênese (efeitos anabólicos). O NPY é modulado pela leptina, que quando aumenta inibe a expressão do mesmo. Em indivíduos obesos, após o emagrecimento, verifica-se diminuição da síntese de leptina, que ativa o sistema NPY, podendo, desse modo, estimular o efeito ioiô (ou subsequente ciclo de ganho de massa corporal).

Peptídeo Agouti (AgRP)

         O peptídeo relacionado a agouti (AgRP) é outro importante orexígeno, liberado no núcleo arqueado e inibido pela ação da leptina. O AgRP influencia a ingestão alimentar e é um antagonista dos receptores de melanocortina.

CART

            O transcrito regulado por cocaína e anfetamina (CART) também exerce efeitos anorexígenos, e os neurônios produtores de CART estão localizados no núcleo arqueado próximo dos neurônios produtores de POMC (pró-opiomelanocortina, precursora da α-melanotropina). Os efeitos anorexígenos do CART parecem ser mediados pela liberação central de GLP-1. Mutações do gene CART foram recentemente descritas, causando obesidade severa e redução no gasto de energia.

MCH

            O hormônio concentrador de melanina (MCH) é expresso na região perifornical, na zona incerta e no hipotálamo lateral e possui função orexígena. Em ratos ob/ob deficientes de leptina, os níveis do mRNA do MCH estão aumentados e a administração de leptina reduz a sua expressão.

Orexinas

As orexinas A e B, como a grelina, são secretadas pelo trato gastrointestinal e elevam-se nos períodos de jejum. Atuam estimulando receptores vagais e reduzindo a descarga de CCK. 

Em humanos, doses fisiológicas de grelina e orexinas estimulam o apetite enquanto que a leptina, o PYY e a OXM, inibem. 

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.

Referências Bibliográficas:  

Halpern, ZSC; Rodrigues, MDB; da Costa, RF. Determinantes fisiológicos do controle do peso e apetite. Rev Psiquiatr Clin 2004; v.31, n.4, p. 150-153.

Halpern, ZSC; Rodrigues, MDB. Mecanismos de Regulação do Apetite. Rev Abeso 2005.

Martinz, AC; Inoue,DS; Dâmaso, A. Controle Neuroendócrino do Balanço Energético. In: Dâmaso, A. Obesidade. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.

Petribú, MMV; Pinho, CPS. Obesidade: Classificação, Fatores Associados e Regulação Energética. In: Burgos, G. Nutrição em Cirurgia Bariátrica. 1 ed. Rio de Janeiro: Editora Rubio, 2011.


   
     


 


 

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