Características inerentes à
modalidade dialítica podem interferir diferentemente no hábito alimentar e/ou
no estado nutricional do paciente. Na hemodiálise,
uma fístula artério-venosa (é uma ligação entre uma artéria e uma veia) criada
cirurgicamente, estabelece uma circulação extracorpórea do sangue do paciente,
que passa pelo capilar de diálise, módulo que permite a troca de solutos entre
o plasma urêmico e o banho de diálise. O paciente é normalmente submetido a 2
ou 3 sessões de diálise por semana, com duração média de 4 horas, em dias
intercalados. A variação no estado de hidratação imposta pelo próprio esquema
de diálise, o longo tempo que o paciente permanece no centro de diálise, o uso
de grandes quantidades de medicamentos, a ocorrência de co-morbidades e outros,
podem impor modificações nos hábitos alimentares desses pacientes. Além disso,
o contato do sangue com a membrana do capilar não totalmente biocompatível
promove uma estimulação da resposta imunológica causando uma condição
hipermetabólica. Já em CAPD,
a membrana peritoneal do paciente funciona como um equivalente “natural” da
membrana do capilar de hemodiálise, regulando a troca de água e solutos entre
os capilares do interstício e o líquido de diálise. Por meio de um cateter, que
o paciente carrega cronicamente consigo, o líquido de diálise é infundido na
cavidade peritoneal do mesmo que é posteriormente drenado, carreando solutos e
água. Após um período de aprendizado, o próprio paciente realiza em casa de 3 a
5 trocas do líquido de diálise diariamente. Este esquema de diálise proporciona
ao paciente maior liberdade de ingestão de alimentos e líquidos, uma vez que
assegura uma depuração contínua das toxinas urêmicas.
O líquido de diálise consiste de uma
bolsa com concentração conhecida de glicose, que é parcialmente absorvida pelo
paciente, fornecendo um aporte energético involuntário, que tem sido apontado
como um dos fatores que pode levar a ganho de peso. A energia proveniente da
glicose do dialisato pode, por um lado, ser considerada benéfica, uma vez que a
utilização adequada de proteína é dependente do aporte energético. Isto é
particularmente importante para pacientes em CAPD, que perdem aproximadamente 5
a 15g de proteína diariamente no dialisato. Por outro lado, apesar de
controverso, alguns estudos têm mostrado que a glicose do dialisato pode
suprimir o apetite dos pacientes ou até mesmo influenciar na preferência da
escolha entre um alimento de sabor salgado ou doce. Assim, apesar de estarmos
tratando de pacientes que apresentam a mesma enfermidade, a forma de
tratamento, CAPD ou hemodiálise, pode repercutir de maneira diferente sobre
seus hábitos alimentares.
Tratamento
Nutricional em Diálise
►
Proteínas
A orientação de proteína no
tratamento dialítico é bem diferente daquela do tratamento conservador. Porém, em ambos os casos, deve-se
assegurar uma oferta de ao menos 50% de proteína de alto valor biológico. As
razões para a recomendação de maior quantidade de proteína incluem o aumento do
catabolismo proteico que ocorre durante e até 2 horas após o término da
hemodiálise, a perda de aminoácidos durante o procedimento da hemodiálise, e a
perda de aminoácidos e de moléculas de proteína através do peritônio durante a
diálise peritoneal. Estima-se que a perda de proteína na diálise peritoneal
varie entre 5 e 12g/dia e possa aumentar significativamente em episódios de
peritonite (infecção do peritônio).
►
Potássio
O aumento na concentração sérica de
potássio é mais frequente nos estágios 4 e 5, lesão renal com redução grave da
taxa de filtração glomerular (TFG) e insuficiência renal terminal ou fase
dialítica, respectivamente, da doença renal crônica. A hiperpotassemia na DRC é
multifatorial e não inclui apenas fatores dietéticos. Além da diminuição da
função renal, as causas de hiperpotassemia, incluem a acidose metabólica, uso
de anti-hipertensivo inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) ou
de seus receptores, a baixa eficiência de diálise, hipoaldosteronemia e
constipação intestinal.
A hiperpotassemia está associada à
arritmia cardíaca e morte súbita, particularmente nos pacientes em hemodiálise.
Já pacientes em CAPD raramente apresentam hiperpotassemia. A terapia dietética
para pacientes com hiperpotassemia inclui a restrição de alimentos ricos em
potássio, de forma que a oferta total de potássio da dieta seja de 50 a 70
mEq/dia. O preparo das hortaliças também merece cuidado. Recomenda-se a cocção
em água, sendo que a água do cozimento deve ser descartada. Com esse
procedimento há uma perda de aproximadamente 60% do conteúdo de potássio do
alimento, não havendo necessidade de submeter o alimento a mais de um
cozimento. Para os pacientes em hemodiálise e diálise peritoneal, o potássio
deve ser restringido quando o potássio no sangue estiver acima de 5,5 mEq/L.
Quadro 1. Teor de potássio em porções usuais de
alguns alimentos.
Alimentos com pequena e
média quantidade de potássio (< 5,0 mEq/porção).
Frutas
|
Hortaliças
|
1
banana maçã média
|
5
folhas de alface
|
1
caqui médio
|
2
pires (chá) de agrião
|
2
pires (chá) de jabuticaba
|
½
pepino pequeno
|
1
fatia média de abacaxi
|
1
pires (chá) de repolho
|
10
morangos
|
3
rabanetes médios
|
10
acerolas
|
1
pimentão médio
|
½
manga média
|
1
tomate pequeno
|
1 pera média
|
½
cenoura média
|
1
pêssego médio
|
1
pires (chá) escarola crua
|
1
ameixa fresca média
|
|
½
copo de suco de limão concentrado
|
Fonte: Cuppari, 2009.
Alimentos com elevada
quantidade de potássio (> 5,1 mEq/porção)
Frutas
|
Hortaliças
|
1
banana nanica média
|
1
pires (chá) de acelga crua
|
1
fatia média de melão
|
2
pires (chá) couve crua
|
1
laranja-lima média
|
3
colheres (sopa) de beterraba crua
|
1
laranja-pera média
|
1
pires (chá) de batata frita
|
1
kiwi médio
|
2
colheres (sopa) de massa de tomate
|
½
abacate médio
|
1
concha pequena de feijão
|
1
mexerica média
|
1
concha pequena de lentilha
|
½
copo de água de coco
|
|
1
fatia média de mamão
|
Fonte: Cuppari, 2009.
►
Sódio e Líquidos
Para pacientes em hemodiálise a restrição
de sódio é indicada não só para controle da pressão arterial, como também para
o controle na ingestão de líquidos, e consequentemente do ganho de peso
interdialítico que não deve ultrapassar 3 a 5% do peso “seco”. A prescrição de
líquidos baseia-se no volume urinário residual de 24 horas acrescido de cerca
de 500mL para as perdas insensíveis. Já a maioria dos pacientes em CAPD tem
maior liberdade tanto na ingestão de sódio como de líquidos.
Em geral, para que as recomendações
de sódio na dieta sejam alcançadas, os pacientes devem ser orientados a
utilizar pouco sal no preparo dos alimentos, bem como a não consumir alimentos
processados como embutidos e enlatados e condimentos industrializados, nos
quais o conteúdo de sódio é excessivamente elevado. O sal dietético composto de
cloreto de potássio não deve ser utilizado, pois pode causar hiperpotassemia.
Quadro 2. Recomendações diárias de minerais e
líquidos.
Nutriente
|
CADP
|
Hemodiálise
|
Potássio
(mEq)ª
|
40-70
|
40-70
|
Sódio
(g)ª
|
2-3
|
1-1,5
|
Líquidos
(ml)
|
Frequentemente sem restrição
|
500 + volume urinário residual
|
Cálcio
(g)b
|
0,8-1,0
|
1-1,4
|
Fósforo
(mg/kg)c
|
8-17
|
8-17
|
Ferro
(mg)d
|
> 10-18
|
> 10-18
|
Zinco
(mg)e
|
15
|
15
|
ª A prescrição deve ser individualizada.
b Avaliar a necessidade de suplementação.
c Utilizar quelantes de fósforo quando
necessário e possível.
d Frequentemente há necessidade de
suplementação.
e Não existem recomendações específicas para
pacientes com IRC.
Fonte: Adaptado de Cuppari,
2002.
► Fósforo
No tratamento dialítico, a restrição
de fósforo torna-se mais importante, uma vez que é comum o desenvolvimento de
hiperfosfatemia, principalmente como conseqüência da baixa eficiência dos
procedimentos dialíticos na remoção do fósforo. Além disso, contribuem para
essa condição a elevada ingestão de proteína e fósforo, as doenças ósseas de
baixa ou alta remodelação e o uso de análogos da vitamina D. Pacientes em
diálise devem ser orientados a ingerir entre 1 a 1,2g de proteínas/kg/dia, com
até 8 a 17mg de fósforo/kg/dia. Além dos alimentos proteicos outros alimentos
fontes de fósforo devem ser evitados na vigência de hiperfosfatemia. Esses
incluem cerejas, refrigerantes à base de cola, chocolates, amendoim, castanhas
e nozes.
►
Vitaminas
A ingestão de algumas vitaminas
pode-se tornar insuficiente quando há restrição dietética de proteína, potássio
e fósforo. Além disso, nos procedimentos dialíticos ocorrem perdas de
vitaminas, principalmente as hidrossolúveis (vitamina C e as do grupo B) para o
dialisato, sendo na maior parte das vezes necessárias a suplementação dessas
vitaminas. As vitaminas lipossolúveis A, E e K não devem ser suplementadas a
menos que haja deficiência. A vitamina D na sua forma ativa (calcitriol) deve
ser prescrita individualmente de acordo com a condição osteometabólica do
paciente.
Quadro 3. Recomendações diárias de
suplementação de vitaminas.
Vitamina
|
CAPD
|
Hemodiálise
|
Tiamina
(mg)
|
1,5-2,0
|
1,5-2,0
|
Riboflavina
(mg)
|
1,8
|
1,8
|
Ácido
pantotênico (mg)
|
5
|
5
|
B6
(mg)
|
10
|
10
|
B12
(mg)
|
3
|
3
|
Ácido
fólico (mg)
|
1
|
1
|
C
(mg)
|
60-100
|
60-100
|
A,
E, K
|
Não suplementar
|
Não suplementar
|
D
|
Individualizado
|
Individualizado
|
Fonte: Adaptado de Cuppari,
2002.
As informações contidas
neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos
profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos,
educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu
conhecimento.
Referências
Bibliográficas:
Avesani, CM; Rezende, LTT; Draibe, SA;
Cuppari, L. Hábitos alimentares de pacientes em diálise. Rev Soc Bras Alim Nutr
2001; v.21: p.17-30.
Avesani, CM; Pereira, AML; Cuppari, L. Doença
Renal Crônica. Nutrição nas doenças crônicas não-transmissíveis. 1 ed. São
Paulo: Manole, 2009, p. 267-330.
Cuppari L et al. Doenças renais. In: Cuppari
L. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar UNIFESP/ Escola Paulista de
Medicina -nutrição clínica no adulto. 1a ed. São Paulo: Manole. 2002. p.
167-199.
Insuficiência Renal. Associação de Pacientes
Transplantados da Unifesp. Disponível em: www.unifesp.br
Acessado em: 15/07/2013.
Sociedade
Brasileira de Nefrologia. Disponível em: www.sbn.org.br
Acessado em: 15/07/2013.
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