terça-feira, 29 de outubro de 2013

Nutrição na Diálise


  A insuficiência renal crônica (IRC) é uma síndrome clínica causada pela perda progressiva e irreversível das funções renais. Pacientes renais crônicos, em sua grande maioria, progridem para insuficiência renal terminal, condição na qual o rim não é capaz de exercer suas funções fisiológicas. Faz-se necessário, então, que seja iniciado um tratamento dialítico ou realizado transplante renal. As modalidades dialíticas disponíveis são: diálise peritoneal intermitente, diálise peritoneal automática noturna, diálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD) e a hemodiálise, sendo que essas duas últimas modalidades são as mais frequentemente empregadas. Tanto a CAPD quanto a hemodiálise são capazes de remover parte do excesso de solutos e água presentes no organismo, mas não exercem a função endócrina e reguladora hormonal do rim sadio. Esses fatores, aliados a condições impostas pelo próprio tratamento dialítico, podem propiciar o desenvolvimento de desnutrição energético-proteica, condição que aumenta o risco de morbidade e mortalidade nesses pacientes.

        Características inerentes à modalidade dialítica podem interferir diferentemente no hábito alimentar e/ou no estado nutricional do paciente. Na hemodiálise, uma fístula artério-venosa (é uma ligação entre uma artéria e uma veia) criada cirurgicamente, estabelece uma circulação extracorpórea do sangue do paciente, que passa pelo capilar de diálise, módulo que permite a troca de solutos entre o plasma urêmico e o banho de diálise. O paciente é normalmente submetido a 2 ou 3 sessões de diálise por semana, com duração média de 4 horas, em dias intercalados. A variação no estado de hidratação imposta pelo próprio esquema de diálise, o longo tempo que o paciente permanece no centro de diálise, o uso de grandes quantidades de medicamentos, a ocorrência de co-morbidades e outros, podem impor modificações nos hábitos alimentares desses pacientes. Além disso, o contato do sangue com a membrana do capilar não totalmente biocompatível promove uma estimulação da resposta imunológica causando uma condição hipermetabólica. Já em CAPD, a membrana peritoneal do paciente funciona como um equivalente “natural” da membrana do capilar de hemodiálise, regulando a troca de água e solutos entre os capilares do interstício e o líquido de diálise. Por meio de um cateter, que o paciente carrega cronicamente consigo, o líquido de diálise é infundido na cavidade peritoneal do mesmo que é posteriormente drenado, carreando solutos e água. Após um período de aprendizado, o próprio paciente realiza em casa de 3 a 5 trocas do líquido de diálise diariamente. Este esquema de diálise proporciona ao paciente maior liberdade de ingestão de alimentos e líquidos, uma vez que assegura uma depuração contínua das toxinas urêmicas.

O líquido de diálise consiste de uma bolsa com concentração conhecida de glicose, que é parcialmente absorvida pelo paciente, fornecendo um aporte energético involuntário, que tem sido apontado como um dos fatores que pode levar a ganho de peso. A energia proveniente da glicose do dialisato pode, por um lado, ser considerada benéfica, uma vez que a utilização adequada de proteína é dependente do aporte energético. Isto é particularmente importante para pacientes em CAPD, que perdem aproximadamente 5 a 15g de proteína diariamente no dialisato. Por outro lado, apesar de controverso, alguns estudos têm mostrado que a glicose do dialisato pode suprimir o apetite dos pacientes ou até mesmo influenciar na preferência da escolha entre um alimento de sabor salgado ou doce. Assim, apesar de estarmos tratando de pacientes que apresentam a mesma enfermidade, a forma de tratamento, CAPD ou hemodiálise, pode repercutir de maneira diferente sobre seus hábitos alimentares.
 
Tratamento Nutricional em Diálise

Proteínas

            A orientação de proteína no tratamento dialítico é bem diferente daquela do tratamento conservador. Porém, em ambos os casos, deve-se assegurar uma oferta de ao menos 50% de proteína de alto valor biológico. As razões para a recomendação de maior quantidade de proteína incluem o aumento do catabolismo proteico  que ocorre durante e até 2 horas após o término da hemodiálise, a perda de aminoácidos durante o procedimento da hemodiálise, e a perda de aminoácidos e de moléculas de proteína através do peritônio durante a diálise peritoneal. Estima-se que a perda de proteína na diálise peritoneal varie entre 5 e 12g/dia e possa aumentar significativamente em episódios de peritonite (infecção do peritônio).

Potássio

         O aumento na concentração sérica de potássio é mais frequente nos estágios 4 e 5, lesão renal com redução grave da taxa de filtração glomerular (TFG) e insuficiência renal terminal ou fase dialítica, respectivamente, da doença renal crônica. A hiperpotassemia na DRC é multifatorial e não inclui apenas fatores dietéticos. Além da diminuição da função renal, as causas de hiperpotassemia, incluem a acidose metabólica, uso de anti-hipertensivo inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) ou de seus receptores, a baixa eficiência de diálise, hipoaldosteronemia e constipação intestinal.

           A hiperpotassemia está associada à arritmia cardíaca e morte súbita, particularmente nos pacientes em hemodiálise. Já pacientes em CAPD raramente apresentam hiperpotassemia. A terapia dietética para pacientes com hiperpotassemia inclui a restrição de alimentos ricos em potássio, de forma que a oferta total de potássio da dieta seja de 50 a 70 mEq/dia. O preparo das hortaliças também merece cuidado. Recomenda-se a cocção em água, sendo que a água do cozimento deve ser descartada. Com esse procedimento há uma perda de aproximadamente 60% do conteúdo de potássio do alimento, não havendo necessidade de submeter o alimento a mais de um cozimento. Para os pacientes em hemodiálise e diálise peritoneal, o potássio deve ser restringido quando o potássio no sangue estiver acima de 5,5 mEq/L.

Quadro 1. Teor de potássio em porções usuais de alguns alimentos.

Alimentos com pequena e média quantidade de potássio (< 5,0 mEq/porção).

Frutas
Hortaliças
1 banana maçã média
5 folhas de alface
1 caqui médio
2 pires (chá) de agrião
2 pires (chá) de jabuticaba
½ pepino pequeno
1 fatia média de abacaxi
1 pires (chá) de repolho
10 morangos
3 rabanetes médios
10 acerolas
1 pimentão médio
½ manga média
1 tomate pequeno
1 pera média
½ cenoura média
1 pêssego médio
1 pires (chá) escarola crua
1 ameixa fresca média

½ copo de suco de limão concentrado

Fonte: Cuppari, 2009.

Alimentos com elevada quantidade de potássio (> 5,1 mEq/porção)

Frutas
Hortaliças
1 banana nanica média
1 pires (chá) de acelga crua
1 fatia média de melão
2 pires (chá) couve crua
1 laranja-lima média
3 colheres (sopa) de beterraba crua
1 laranja-pera média
1 pires (chá) de batata frita
1 kiwi médio
2 colheres (sopa) de massa de tomate
½ abacate médio
1 concha pequena de feijão
1 mexerica média
1 concha pequena de lentilha
½ copo de água de coco

1 fatia média de mamão

Fonte: Cuppari, 2009.

Sódio e Líquidos

         Para pacientes em hemodiálise a restrição de sódio é indicada não só para controle da pressão arterial, como também para o controle na ingestão de líquidos, e consequentemente do ganho de peso interdialítico que não deve ultrapassar 3 a 5% do peso “seco”. A prescrição de líquidos baseia-se no volume urinário residual de 24 horas acrescido de cerca de 500mL para as perdas insensíveis. Já a maioria dos pacientes em CAPD tem maior liberdade tanto na ingestão de sódio como de líquidos.

        Em geral, para que as recomendações de sódio na dieta sejam alcançadas, os pacientes devem ser orientados a utilizar pouco sal no preparo dos alimentos, bem como a não consumir alimentos processados como embutidos e enlatados e condimentos industrializados, nos quais o conteúdo de sódio é excessivamente elevado. O sal dietético composto de cloreto de potássio não deve ser utilizado, pois pode causar hiperpotassemia.

Quadro 2. Recomendações diárias de minerais e líquidos.

Nutriente
CADP
Hemodiálise
Potássio (mEq)ª
40-70
40-70
Sódio (g)ª
2-3
1-1,5
Líquidos (ml)
Frequentemente sem restrição
500 + volume urinário residual
Cálcio (g)b
0,8-1,0
1-1,4
Fósforo (mg/kg)c
8-17
8-17
Ferro (mg)d
> 10-18
> 10-18
Zinco (mg)e
15
15
ª A prescrição deve ser individualizada.
b Avaliar a necessidade de suplementação.
c Utilizar quelantes de fósforo quando necessário e possível.
d Frequentemente há necessidade de suplementação.
e Não existem recomendações específicas para pacientes com IRC.
Fonte: Adaptado de Cuppari, 2002.

 ► Fósforo

            No tratamento dialítico, a restrição de fósforo torna-se mais importante, uma vez que é comum o desenvolvimento de hiperfosfatemia, principalmente como conseqüência da baixa eficiência dos procedimentos dialíticos na remoção do fósforo. Além disso, contribuem para essa condição a elevada ingestão de proteína e fósforo, as doenças ósseas de baixa ou alta remodelação e o uso de análogos da vitamina D. Pacientes em diálise devem ser orientados a ingerir entre 1 a 1,2g de proteínas/kg/dia, com até 8 a 17mg de fósforo/kg/dia. Além dos alimentos proteicos  outros alimentos fontes de fósforo devem ser evitados na vigência de hiperfosfatemia. Esses incluem cerejas, refrigerantes à base de cola, chocolates, amendoim, castanhas e nozes.


Vitaminas

A ingestão de algumas vitaminas pode-se tornar insuficiente quando há restrição dietética de proteína, potássio e fósforo. Além disso, nos procedimentos dialíticos ocorrem perdas de vitaminas, principalmente as hidrossolúveis (vitamina C e as do grupo B) para o dialisato, sendo na maior parte das vezes necessárias a suplementação dessas vitaminas. As vitaminas lipossolúveis A, E e K não devem ser suplementadas a menos que haja deficiência. A vitamina D na sua forma ativa (calcitriol) deve ser prescrita individualmente de acordo com a condição osteometabólica do paciente.

Quadro 3. Recomendações diárias de suplementação de vitaminas.

Vitamina
CAPD
Hemodiálise
Tiamina (mg)
1,5-2,0
1,5-2,0
Riboflavina (mg)
1,8
1,8
Ácido pantotênico (mg)
5
5
B6 (mg)
10
10
B12 (mg)
3
3
Ácido fólico (mg)
1
1
C (mg)
60-100
60-100
A, E, K
Não suplementar
Não suplementar
D
Individualizado
Individualizado
Fonte: Adaptado de Cuppari, 2002.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.

Referências Bibliográficas:

Avesani, CM; Rezende, LTT; Draibe, SA; Cuppari, L. Hábitos alimentares de pacientes em diálise. Rev Soc Bras Alim Nutr 2001; v.21: p.17-30.
 
Avesani, CM; Pereira, AML; Cuppari, L. Doença Renal Crônica. Nutrição nas doenças crônicas não-transmissíveis. 1 ed. São Paulo: Manole, 2009, p. 267-330.
 
Cuppari L et al. Doenças renais. In: Cuppari L. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar UNIFESP/ Escola Paulista de Medicina -nutrição clínica no adulto. 1a ed. São Paulo: Manole. 2002. p. 167-199.
 
Insuficiência Renal. Associação de Pacientes Transplantados da Unifesp. Disponível em: www.unifesp.br Acessado em: 15/07/2013.

Sociedade Brasileira de Nefrologia. Disponível em: www.sbn.org.br Acessado em: 15/07/2013.

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