segunda-feira, 22 de abril de 2019

Autismo


O espectro autista costuma apresentar-se antes dos 3 anos, pelo comprometimento da comunicação e da interação social e por padrões restritos e repetitivos de comportamento. A criança costuma apresentar desintegração sensorial, que pode se manifestar na alimentação. Nos últimos anos, a incidência do espectro autista tem crescido notavelmente, e a tese é de que seja uma doença genética, agravada ou desencadeada por fatores ambientais, como intoxicações, vacinas, alimentos alergênicos, alterações da microbiota intestinal e da imunidade. Crianças autistas apresentam alteração na permeabilidade intestinal, com translocação de alérgenos alimentares (glúten e caseína), gerando reações inflamatórias e imunológicas sistêmicas. Glúten e caseína, mal digeridos, parecem formar opioides que afetam os lobos temporais e causam dificuldades na fala e na integração da audição, redução de células nervosas e inibição de neurotransmissores.

Intestino de crianças com espectro autista

Nos últimos 30 anos tem se avaliado disfunção gastrointestinal e hipersensibilidade a determinados alimentos em crianças com espectro autista, onde se percebe que a permeabilidade intestinal alterada em 42,8% das 21 crianças autistas analisadas, entre 4 e 16 anos de idade.

Horvarth et al.10 realizaram biópsia em 36 crianças autistas com queixas gastrointestinais e encontraram refluxo gastroesofágico em 69,4%, gastrite crônica em 41,7%, duodenite crônica em 66,7% e baixa atividade de enzimas digestivas em 58,3%. Wakefield estudou 50 crianças autistas com queixas gastrointestinais e encontrou hiperplasia de linfonodos no íleo de 93% e cólon de 30% das crianças, bem como colite em 88% delas.

Horvarth e Perman descreveram alterações patológicas na permeabilidade intestinal, aumento da resposta secretória à injeção intravenosa de secretina, alteração na acidez gástrica e diminuição da atividade enzimática digestiva em crianças com espectro autista.
Parracho et al. identificaram diferenças na microbiota intestinal de crianças com e sem autismo, prevalecendo a enterobactéria patogênica Clostridium hystolyticum no primeiro grupo.

O desequilíbrio na microbiota intestinal, em que micro-organismos de baixa virulência tornam-se patogênicos e criam condições de maior permeabilidade, denomina-se disbiose. Os sintomas são: distensão abdominal, eructação e flatulência; constipação ou diarreia; presença de restos alimentares mal digeridos nas fezes, língua branca e mau hálito.

Fatores dietéticos que propiciam a disbiose incluem carência de fibras e zinco; excesso de carboidratos simples, proteínas e lipídios; mastigação insuficiente e presença de líquidos junto às refeições. Tais fatores prejudicam a nutrição das bactérias intestinais e dos enterócitos; favorecem o crescimento de leveduras e bactérias patogênicas; inibem a atividade fagocitária; promovem redução de sucos digestivos e enzimas pancreáticas.

Com a disbiose, surge a perda da permeabilidade seletiva, com translocação de produtos bacterianos, alérgenos alimentares e metais tóxicos, gerando reações inflamatórias e imunológicas sistêmicas, além da absorção reduzida de minerais e vitaminas.

Ações dos peptídeos derivados de caseína e glúten no cérebro

Devido à alteração na permeabilidade intestinal, a digestão ineficiente das proteínas do leite e do trigo gera peptídeos de cadeia curta, estruturalmente semelhantes à opioides, capazes de adentrar o sangue e a barreira hematoencefálica trazendo repercussões negativas.

No cérebro, os opioides gerados pela caseína (caseomorfinas) e pelo glúten (gluteomorfinas) promovem ações semelhantes às que ocorrem em usuários de morfina, afetando os lobos temporais e causando dificuldades na fala e na integração da audição, redução das células nervosas do sistema nervoso central e inibição de alguns neurotransmissores. Bloqueiam receptores dopaminérgicos, causando derramamento de dopamina no líquido cefalorraquidiano ou na urina. Afetam a percepção, a emoção, o humor e o comportamento do autista.

Nutrição Funcional para criança com espectro autista

As observações do nutricionista se fazem necessárias com objetivo de prevenir possíveis deficiências de vitaminas e minerais que possam ser iniciadas com a retirada dos componentes alimentares glúten e caseína, assim como o aparecimento da síndrome de abstinência, ocasionada pelo bloqueio e interferência da ação opioide dos peptídeos no sistema nervoso central. 

A presença de anormalidades bioquímicas e o comprometimento cognitivo e sensorial no autista podem resultar em deficiências nutricionais.

As intervenções nutricionais primárias sobre a criança com espectro autista requerem a abordagem da disbiose, por meio do Programa de Restauração Gastrointestinal 5 R´s descrito por Paschoal, Naves e Fonseca e por Dean e Swift: 

1. Remover: Reduzir a colonização intestinal por bactérias patogênicas, fungos e parasitas; reduzir xenobióticos; remover alimentos alergênicos para a criança. A ACELBRA-RJ34 preconiza a restrição dos alérgenos leite e glúten em três fases: 

- Fase 1 (1º mês): Começar a introduzir alimentos isentos de caseína e de glúten ao cotidiano da criança com espectro autista, considerando essa fase como um período de transição dietética. 

- Fase 2 (2º mês): Eliminar toda a caseína da dieta da criança. 

- Fase 3 (3º mês em diante): Eliminar todo o glúten da dieta da criança.



O rol de alimentos que contêm caseína inclui o leite de vaca, queijos, margarinas, iogurte, sorvete, creme de leite com soro, leite acidificado, leite condensado de cabra e leite maltado. Alguns alimentos enlatados podem ser conservados com caseinatos.

O glúten está em alimentos que contêm trigo, aveia, centeio, cevada, malte; como: triguilho, farinha de rosca, gérmen e farelo de trigo, sêmola, semolina, massas, alguns vinagres, dextrina, goma vegetal, molho de soja, temperos e caldos prontos. 

A adesão à dieta ecológica, priorizando alimentos livres de agrotóxicos, pesticidas e aditivos melhora a microbiota intestinal. Para eliminar patógenos, é importante adicionar ao consumo regular sementes de abóbora ou de frutas cítricas, óleo de coco, alho, cebola, orégano, cúrcuma, tomilho e ervas antiparasitárias, antifúngicas e antibacterianas. 

Para maximizar a frequência evacuatória, diminuindo o contato de toxinas produzidas por patógenos na mucosa intestinal, deve-se oferecer uma ótima hidratação e um adequado consumo de fibras, em especial as solúveis, que auxiliam no crescimento da microbiota. Semente de linhaça e biomassa de banana verde são boas fontes. 

Cabe ressaltar que o açúcar favorece a disbiose e nas crianças autistas com sintomas desse desequilíbrio, recomenda-se a retirada gradual, por 3 semanas, para evitar o desaparecimento total dos sintomas e, em seguida, reintroduzir o açúcar (demerara, mascavo) por 5 dias, verificando os sintomas apresentados. Se a criança apresentar reação adversa a essa reintrodução, será necessária a restrição por tempo prolongado, substituindo-o por edulcorantes naturais à base de esteviosídio.

Crianças com espectro autista podem mostrar sensibilidade a aditivos, corantes, conservantes e salicilatos. Diversas dessas substâncias podem desencadear sintomas autísticos, dificuldades cognitivas, distúrbios do sono e agressividade; como corantes tartrazina e vermelho carmoisine e conservantes a base de benzoato. Já os salicilatos estão na maçã, cereja, uva, café, cravo e páprica. Recomenda-se que esses alimentos sejam retirados de uma vez e depois, reintroduzidos e testados um a um para determinar reações adversas específicas. 

2. Recolocar: Reequilibrar as concentrações do ácido clorídrico do estômago e das enzimas digestivas essenciais, por meio da inclusão de chás digestivos (180ml após as refeições) contendo alecrim, sálvia, cidreira, canela, erva-doce ou hortelã; abacaxi, mamão e limão, que melhoram a digestão das proteínas; ou a suplementação de cloridrato de betaína, proteases, lipases e sacaridases. É preciso ainda evitar volumes de líquidos junto às refeições, pois atrapalham o processo digestivo pela diluição do suco gástrico.

3. Reinocular: Probióticos são micro-organismos vivos que conferem alívio a sintomas intestinais e melhoram a imunidade. Crianças com constipação intestinal podem ter modificações na microbiota do intestino grosso, como declínio de bactérias probióticas e aumento de patógenos. Cepas variadas de lactobacilos ou o Kefir são fontes de probióticos, que podem reduzir toxinas, principalmente em crianças que usam antibióticos ou têm colite. Prebióticos nutrem exclusivamente as bactérias probióticas do trato gastrintestinal, antagonizando o desenvolvimento de patógenos. As doses eficazes variam de 4 a 20g/dia. Estão nas brássicas (brócolis, couve, couve-flor, repolho, rúcula, chicória), batata yacón e biomassa de banana verde.

4. Reparar: Ênfase a elementos dietéticos não irritativos, ricos em nutrientes de crescimento e reparadores da mucosa intestinal, com isenção de frituras, café, chá preto e alimentos industrializados. Para reparo da mucosa, antioxidantes e anti-inflamatórios, como zinco, ferro, glutamina, ácido fólico, vitaminas E, A, B12 e C são essenciais. Gorduras monoinsaturadas e ômega 3 melhoram a fluidez das membranas dos enterócitos. A glutamina otimiza a integridade física e imunológica da mucosa gastrointestinal.
A modulação nutricional do sistema imune intervém sobre a funcionalidade da barreira de mucosas, defesa celular e inflamação local ou sistêmica. Os ácidos graxos ômega 3 são exemplos de nutrientes que participam dessas ações. Outros nutrientes com papel essencial na função imune compreendem o zinco, cobre, magnésio, cálcio, ácido fólico e outras vitaminas do complexo B, vitaminas A, E, C, e em especial, a vitamina D.

5. Aliviar: visa a reduzir o desconforto agudo por meio de fitoterápicos com ações antiespasmódicas, como lavanda, hortelã pimenta, camomila e ginseng.

Sabe-se que muito embora não faltem comprovações do quanto à mudança de hábitos alimentares é fundamental para melhor qualidade de vida da criança com espectro autista, não é nada fácil para os pais, no convívio social, uma vez que a maioria dos adultos e crianças estão muito expostos  aos principais alérgenos alimentares.

Mas cabe aos pais primeiros se informarem a respeito, se conscientizarem e eles próprios aceitarem e aderirem às mudanças dos "Novos Hábitos Alimentares", escolherem lugares onde há possibilidade dos seus filhos comerem alimentos adequados e até aprenderem receitas isentas de substâncias alergênicas.

Texto elaborado por: Dra. Roseli Lomele Rossi - CRN 2084 

Nutricionista formada pelas Faculdades Integradas São Camilo (CRN 2084 /1983), com título de Especialista em Nutrição Clínica concedido pela ASBRAN - Associação Brasileira de Nutrição. 

Pós Graduada nos cursos de especialização de Planejamento, Organização e Administração de Serviços de Alimentação; Fitoterapia Aplicada à Nutrição Funcional e Nutrição Ortomolecular com Extensão em Nutrigenômica. 

É Diretora da Clínica Equilíbrio Nutricional e autora dos Livros: "Saúde & Sabor com Equilíbrio" - Receitas Infantis, “Saúde & Sabor com Equilíbrio” – Receitas Diet e Light Volumes I e II, Colaboradora do livro Nutrição Esportiva – Aspectos relacionados à suplementação nutricional e autora do Livro “As Melhores Receitas Light da Clínica Personal Diet”.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.

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