O condicionamento das nossas
preferências por certos alimentos começa desde a infância e acredita-se que
estas se fixam na vida adulta, tornando dificultoso o processo de mudança
durante esta fase. Entretanto, estudo sugere que podemos mudar nossas
preferências alimentares sem fazer restrições e mantendo o prazer de comer.
Publicado em 2014 pela revista
Nutrition &
Diabetes, os autores observaram que é possível mudar o sistema de recompensa no
cérebro e as preferências por alimentos, através de uma intervenção que
combinou mudança de padrão alimentar e mudança comportamental.
Para compreender o estudo vamos
entender melhor sobre o sistema de recompensa cerebral mediado por alimentos!
O sistema de recompensa dopaminérgico
mesolímbico funciona como um centro de recompensa onde vários mensageiros
químicos, incluindo a serotonina, encefalina, ácido-aminobutírico (GABA),
dopamina (DA), a acetilcolina (ACH), entre outros, atuam em conjunto para
proporcionar uma liberação de dopamina (“hormônio do prazer”) no chamado núcleo
accumbens o qual abrange principalmente a área tegmental ventral (ATV) e os
neurônios dopaminérgicos - núcleo estriado dorsal. Este circuito está implicado
no prazer desencadeado por recompensas naturais, como os alimentos, o sexo e o
relaxamento e constitui a base neural para os fenômenos relacionados ao vício e
dependência química.
A recompensa alimentar neural consiste
num processo composto por 3 principais componentes: componente hedônico ou
resposta hedônica, componente de motivação ou incentivo e aprendizagem que
permite fazer associações e predições, fenômenos que podem ser aplicados tanto
a recompensas naturais como a recompensas artificiais causada por
substâncias químicas, como a própria nicotina.
O componente hedônico (liking) é o estado
motivacional que se reflete, por exemplo, na antecipação do prazer obtido
através da ingestão de alimentos de elevada palatabilidade, como gorduras e
açúcares, os quais estão associados à liberação de dopamina.
O componente motivacional (wanting) normalmente
gerado por estímulos de recompensa (por ex. visuais ou olfativos) induz a
procura de alimentos traduzindo-se em aumento do apetite, craving (significa
compulsão, fissura), e em outros comportamentos associados a uma motivação
aumentada para obter alimentos.
Ambos estão associados à aprendizagem,
realizando associações dos alimentos com mecanismos de recompensa e predições
de prazer ao consumir certos alimentos.
Estudos recentes mostram que a
ingestão alimentar induzida pelo estresse está relacionada com um aumento do wanting pós-prandial e
também com uma diminuição do liking
após as refeições. As pontuações de liking pós-prandiais são mais baixas em
obesos do que em indivíduos eutróficos em situações de estresse. O que sugere
uma dificuldade na obtenção de prazer nestes indivíduos que por sua vez leva a
uma procura excessiva pela recompensa, o que pode resultar num aumento do
consumo alimentar e peso corporal.
Na obesidade parece existir uma menor
capacidade de sinalização da dopamina. Os indivíduos obesos apresentam uma
disponibilidade do receptor da mesma (D2R) inferior à de
indivíduos eutróficos em resposta à ingestão de alimentos de elevada
palatabilidade. Simultaneamente, os obesos apresentam maior ativação dopaminérgica
em resposta a imagens de alimentos. Estes dados sugerem que na obesidade há uma
dificuldade na obtenção da recompensa através da ingestão (resposta hedônica -
prazer) e uma maior sensibilidade aos estímulos sensoriais de alimentos
(componente motivacional).
Existem também evidências de que a
ingestão de alimentos de elevada palatabilidade reduzem a sinalização da
dopamina. Em ratos, a ingestão frequente de alimentos ricos em açúcar e gordura
leva a uma diminuição dos D2R, bem como diminuição da sensibilidade
à recompensa. Estes resultados foram confirmados em humanos, num estudo de
ressonância magnética funcional de imagem (RMFi): as mulheres que tinham
aumentado de peso nos últimos 6 meses mostraram uma redução na resposta
dopaminérgica, em resposta à ingestão de alimentos de elevada palatabilidade.
Com estes resultados, Wang et al.
propuseram a teoria da hipofunção dopaminérgica, a qual sugere que a hiperfagia
resulta de uma adaptação do cérebro dos indivíduos obesos para compensar a
diminuição da função dopaminérgica. Se uma atividade e disponibilidade
dopaminérgica diminuída promove a ingestão alimentar, então o aumento da
dopamina cerebral deveria produzir o efeito contrário, ou seja, inibir a
ingestão. Portanto, o menor consumo de alimentos gordurosos e açucarados pode
melhorar a sensibilidade à dopamina reduzindo a ingestão alimentar.
Neste contexto, o estudo de Roberts e
sua equipe, com 13 homens e mulheres apresentando sobrepeso e obesidade, os
quais foram submetidos a seis meses de intervenção em um programa de
emagrecimento criado pela autora, chamado The iDiet, cujo objetivo foi ajudar
os participantes a alcançar uma perda de peso (linkar com o curso de
emagrecimento) sustentável de 0,5-1,0 kg por semana participando de um programa
comportamental em grupo projetado para facilitar a adesão às recomendações a
fim de reduzir o consumo de energia em -500 a -1000 kcal calorias por dia.
Sendo prescrito cerca de 25% de energia proveniente de proteínas e gorduras, e
50% dos carboidratos de baixo e médio índice glicêmico e 40g ou mais de fibra
dietética por dia.
Para isso eles utilizaram de
estratégias educacionais e de coaching
para facilitar a sustentabilidade de reduzir o consumo energético por meio da
redução da fome, utilizando alimentos e ingredientes capazes de aumentar a
saciedade, e desvalorização das associações existentes entre o consumo de
alimentos não saudáveis e recompensa e reforçando em paralelo com as
associações entre o consumo de alimentos saudáveis e recompensa.
Foi realizada ressonância magnética
dos cérebros dos participantes antes e depois da intervenção a fim de
identificar a atividade do núcleo estriado dorsal. Durante o exame os sujeitos
visualizaram 40 imagens de comidas saudáveis e 40 não saudáveis e também 40
imagens de objetos similares de alguma forma a cada um destes alimentos, os
participantes classificaram as fotos usando uma caixa de botão com uma escala
de 1-4, onde 1 ‘não desejável 'e 4 era ‘extremamente desejável’ cada
apresentação de fotos durou 5 segundos e foi repetido 20 vezes.
O grupo de intervenção obteve, após os
6 meses, mudanças positivas no seu sistema neurológico de recompensa, portanto,
eles já não tinham mais tanto desejo por itens calóricos, ocorrendo o
contrário, esta área cerebral se tornou sensível a alimentos de baixas
calorias, tornando mais prazeroso o consumo de alimentos saudáveis. Além disso,
eles reduziram 6 kg de peso corporal.
Os autores concluíram que vários
pontos da intervenção foram importantes, incluindo a reeducação alimentar,
mudança de comportamento e incentivo a escolha por preparações e alimentos
menos calóricos e ricos em fibras. Mostrando que é possível treinar o cérebro a
transformar a relação com os alimentos adquirindo hábitos saudáveis sem
restringir ou cortar alimentos e sem abrir mão do prazer de comer.
As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas
por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos,
nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e
exclusivamente, para seu conhecimento.
Referências
Bibliográficas:
Pujol, APP. Reprograme seu
Cérebro. Instituto Ana Paula Pujol. Disponível em: www.institutoanapaulapujol.com.br
Acessado em: 08/09/2016.
Deckersbach, T.; Das, S.K.; Urban, L.E.; Salinardi,
T.; Batra, P.; Rodman, A.M.; Arulpragasam, A.R.; Dougherty, D.D.; Roberts, S.B.
Pilot randomized trial demonstrating reversal of obesity-related abnormalities
in reward system responsivity to food cues with a behavioral intervention. Nutr.
Diabetes. 2014. Disponível em: http://www.nature.com/nutd/journal/v4/n9/pdf/nutd201426a.pdf
Ribeiro, G.; Santos, O.
Recompensa alimentar: mecanismos envolvidos e implicações para a obesidade.
Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, v.8, n.2, 2013.
Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1646343913000400.
Wang, G.J. et al. Brain dopamine and obesity. Lancet.,
v.357, n.9253, p.354–7. 2001.
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