quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Dieta Cetogênica


A dieta cetogênica foi descrita na década de 1920 como tratamento alternativo para crianças com epilepsia refratária aos medicamentos utilizados à época.

A dieta cetogênica mimetiza um estado de jejum prolongado no organismo, onde este terá de buscar energia, devido a falta de glicose, de outros substratos como triglicérides e ácidos graxos. Isto promove um quadro de acetoacidose metabólica.

Dieta cetogênica (KD) é uma abordagem dietética rica em gordura, adequada em proteína e com níveis insuficientes de carboidrato para as demandas  metabólicas  (até  20  g/dia  ou  5%  da ingestão calórica diária) 1, forçando o organismo a utilizar gordura como fonte primária de energia. 

Como o sistema nervoso central (SNC) não consegue utilizar o ácido graxo livre (AGL) como energia (pois não ultrapassa a barreira hematoencefálica – BHE) para prover substrato energético  ao  cérebro,  o  organismo  precisa converter  AGL  em  corpos  cetônicos  (CC),  já que estes conseguem ultrapassar a BHE e serem oxidados  pelas  mitocôndrias  dos  neurônios, gerando ATP.

Por esta razão, afirmamos que a KD produz um estado cetótico: na ausência de carboidratos (depleção do glicogênio hepático e não ingestão alimentar);  na  não  abundância  de  aminoácidos gliconeogênicos que possam ser utilizados para produção endógena de glicose; na grande oferta de  AGL  (dietético  e  endógeno),  este  passa  a ser  utilizado  pelos  tecidos  periféricos  e  a  ser convertido em CC para abastecimento do SNC, mantendo,  assim,  a  homeostasia  e  o  adequado funcionamento  do  organismo,  mesmo  sob  a condição de privação de carboidrato .

Indicações

  • Crianças epiléticas com mais de 1 ano de idade que tenham comprovadamente epilepsia refratária a 2 ou mais drogas utilizadas em doses adequadas ou  para pacientes cujos efeitos das drogas antiepilépticas sejam intoleráveis;
  • Também está envolvida na diminuição da excitabilidade neural e da atividade de neurotransmissores excitatórios;
  • Em doenças do metabolismo, como deficiência do transportador da glicose tipo 1 (erro inato que se manifesta no 1º ano de vida com crises epilépticas);
            Mais recentemente, a KD começou a ser proposta para prevenção ou tratamento outras patologias, tais como: obesidade, câncer, diabetes, dislipidemia, hipertensão, doenças neurológicas e, ainda, aplicada ao esporte para adaptação metabólica, especialmente em modalidades de endurance.

Protocolos dietas cetogênicas (KD)

Os protocolos de dietas cetogênicas mais utilizados atualmente são a “clássica” (ou 4:1), a dieta MAD (dieta Atkins modificada), a dieta MCT (medium chain triglyceride ketogenic diet) e a dieta LGIT (low glycemic index treatment). 

Diferentes autores sugerem diferentes percentuais de distribuição dos macronutrientes entre os protocolos. 

Os quatro principais tipos de KD são 4: 1.  Clássica (4:1): primeiro protocolo proposto; utiliza  90%  das  calorias  advindas  de gordura  e  10%  de  um  somatório  de  proteína  e carboidrato, sendo que este não pode ultrapassar 20 g ou 5% do valor energético total (VET);

2.  MCT: a  maior  parte  da  gordura  a  ser utilizada deve ser de cadeia média, por ser uma gordura  mais  cetogênica  do  que  as  de  cadeia longa; desta forma é possível reduzir a proporção 4:1  utilizada  na  dieta  clássica  (de  mais  difícil adesão),  proporcionando  uma  oferta  maior  de carboidrato e proteína sem inibir a evolução para a cetose fisiológica;

3.  MAD: utiliza uma relação 1:1 LIP: não-LIP, proporcionando um  consumo  maior  de  proteínas e menor de gordura (maior palatabilidade e  adesão  à  dieta).  

A  ideia  central  é  manter  a restrição severa de carboidrato (< 5%). Esta dieta é baseada no protocolo criado na década de 1980, que propunha uma dieta restrita em carboidrato, porém, com grande consumo de proteínas, o que, bioquimicamente, pode inibir a evolução para o estado cetótico, uma vez que vários aminoácidos são gliconeogênicos e podem ser utilizados para produção  endógena  de  glicose,  mantendo  uma oferta constante e normal para todo o organismo, inibindo  a  cetogênese.  A modificação visou corrigir este aspecto,  propondo  uma  dieta  com um pouco mais de proteína (mesclando proteínas animais e vegetais), mas não a ponto de inibir a evolução para a cetose fisiológica; 

4.  LGIT: mantém uma maior  oferta  de proteína e oferece um pouco mais de carboidrato do  que  a  MAD.  A obrigatoriedade está no consumo de  carboidratos  de  absorção  lenta  e gradativa (baixos IG e CG). 

De uma maneira ou  de  outra,  se  bem conduzidos,  todos  os  protocolos  levarão  o organismo  a  utilizar  gordura  como  principal fonte de energia e a produzir CC em larga escala, atingindo o estado de cetose fisiológica e, com isso, os efeitos benéficos associados a esse estado metabólico (Figura 1).

Quadro 2 . Comparação entre as 4 principais dietas cetogênicas.
Nutriente
Dieta Cetogênica clássica {4:1}
MCT
Dieta Atkins modificada
LGIT
Gordura [g {% calorias}]
100 {90%}
78 {70%}
70 {70%}
60 {45%}
Proteína [g {%}]
17 {7%}
25 {10%}
60 {25%}
40 {28%}
Carboidrato {%}
8 {3%}
50 {20%}
10 {5%}
40 {27%}
MCT: medium chain triglyceride ketogenic diet; LGIT: low glycemic index treatment
Fonte: Kossoff e Hartman.

Duração da KD
O período sugerido pelos estudos para aplicação da KD é de, no mínimo, 2 semanas, sendo o ideal de 5 a 8 semanas. A KD não é um protocolo que visa ao aumento da massa magra, mas sim a potencializar a oxidação da gordura e, com isso, redução da massa gorda.

Efeitos da Kd em diversos tecidos.







Possíveis Efeitos Colaterais

  • Sonolência no início do tratamento, constipação, dores abdominais, náuseas, vômitos, hipoglicemia no início, acidose, distúrbios de cálcio e outros, cálculo renal, dislipidemia, infecções recorrentes e mudança do estado mental.
  • Outros efeitos reversíveis, como gastrite.

Antes de iniciar

  • Solicitar exames e repetir a cada 3 meses (Dosagem de colesterol total e frações, triglicérides, ácido úrico,ureia, hemograma completo, dosagem de CA,MG, NA, CL e K, glicemia, urina 1, eletroforese de proteínas, creatinina, ultra som abdômen, eletrocardiograma e eletroencefalograma.
A primeira consideração a ser feita, pensando em propostas alimentares que induzam a um estado cetótico, é que ao aumentar a ingestão de proteínas é interessante aumentar a ingestão de proteínas vegetais, pois, em geral, são menos insulinotrópicas. Uma dieta rica em aminoácidos gliconeogênicos, como dito anteriormente, pode aumentar a produção endógena de glicose e inibir a cetogênese.
Vale destacar que, nos primeiros dias após o início, haverá uma maior perda de massa magra como tentativa do organismo de produzir glicose a partir de aminoácidos vindos da proteólise muscular; entre o 5° e 7° dias, a produção de CC já é significativa e suficiente para abastecer o sistema nervoso central, e, assim, o organismo não necessita mais produzir grande quantidade de glicose, reduzindo,  portanto,  a  proteólise  e priorizando  a  lipólise  na  oferta  de  substratos energéticos às células 1.
É pequena a chance de ganho de massa magra após a aplicação da  KD. As adaptações metabólicas levam a uma redução da  mTOR, principal  via  de  sinalização  para  hipertrofia e  anabolismo  muscular 1.  Há, ainda, redução significativa nos níveis de insulina e do fator de crescimento semelhante à  insulina  1  (IGF-1), dois  hormônios  importantes  para  o  anabolismo muscular 1 . Assim, é possível concluir que a KD não é um protocolo  que  visa  ao  aumento  da massa magra, mas sim potencializar a oxidação da gordura e, com isso, redução da massa gorda.

Suplementação na KD

Suplementar eletrólitos é uma conduta importante para  manter  a  função  tecidual  e  o balanço nitrogenado adequado (sódio 3-5 g/dia e potássio 2-3g), além de auxiliar na redução de sintomas iniciais, como cefaleia 1.

Importante 

Ao propor uma KD, é importante refletir a respeito dos objetivos que se quer alcançar com esse protocolo: considerar o grau de disciplina e adesão às orientações por parte do paciente; considerar o tempo de aplicação e a forma de retorno para um protocolo alimentar mais tradicional; e que a presença de condições metabólicas como deficiências enzimáticas pode impedir o uso da KD em determinados pacientes.


Texto elaborado por: Dra. Roseli Lomele Rossi - CRN 2084
                                                                     
Nutricionista formada pelas Faculdades Integradas São Camilo (CRN 2084 /1983), com título de Especialista em Nutrição Clínica concedido pela ASBRAN - Associação Brasileira de Nutrição. Pós Graduada nos cursos de especialização de Planejamento, Organização e Administração de Serviços de Alimentação; Fitoterapia Aplicada à Nutrição Funcional e Nutrição Ortomolecular com Extensão em Nutrigenômica. É Diretora da Clínica Equilíbrio Nutricional e autora dos Livros: “TPM: viva melhor com alimentação e controle”, "Saúde & Sabor com Equilíbrio" - Receitas Infantis, “Saúde & Sabor com Equilíbrio” – Receitas Diet e Light Volumes I e II, Colaboradora do livro Nutrição Esportiva – Aspectos relacionados à suplementação nutricional e autora do Livro “As Melhores Receitas Light da Clínica Personal Diet”.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.




Referências Bibliográficas:

1. PAOLI, A.; BIANCO, A.; GRIMALDI, K.A. The Ketogenic Diet and Sport: a possible marriage? Exerc Sport Sci Rev; 43 (3): 153-62, 2015.

2. PAOLI, A. Ketogenic Diet for obesity: friend or foe? Int J Environ Res Public Health; 11: 2092-2107, 2014.

3. WILDER, R.M. The effect on ketonemia on the course of epilepsy. Mayo Clin Bulletin ; 2: 307-8, 1921.

4. SCHOELER, N.E.; CROSS, J.H. Ketogenic dietary therapies in adults with epilepsy: a practical guide. Pract Neurol; 16: 208-214, 2016. 

5. MIDORI, L.; NAKAHARADA, I. Dieta Cetogênica e Dieta de Atkins Modificada no Tratamento da Epilepsia Refratária em Crianças e Adultos. J Epilepsy Clin Neurophysiol; 14 (2): 65-69, 2008.
 
6. KOSSOFF, E.H.; HARTMAN, A.L. Ketogenic diets: new advances for metabolism-based therapies. Curr Opin Neurol; 25: 173-178, 2012.


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