A
dieta cetogênica foi descrita na década de 1920 como tratamento alternativo
para crianças com epilepsia
refratária aos medicamentos utilizados à época.
A
dieta cetogênica mimetiza um estado de jejum prolongado no organismo, onde este
terá de buscar energia, devido a falta de glicose, de outros substratos como
triglicérides e ácidos graxos. Isto promove um quadro de acetoacidose
metabólica.
Dieta
cetogênica (KD) é uma abordagem dietética rica em gordura, adequada em proteína
e com níveis insuficientes de carboidrato para as demandas metabólicas
(até 20 g/dia
ou 5% da ingestão calórica diária) 1, forçando o
organismo a utilizar gordura como fonte primária de energia.
Como
o sistema nervoso central (SNC) não consegue utilizar o ácido graxo livre (AGL)
como energia (pois não ultrapassa a barreira hematoencefálica – BHE) para
prover substrato energético ao cérebro,
o organismo precisa converter AGL em corpos
cetônicos (CC), já que estes conseguem ultrapassar a BHE e
serem oxidados pelas mitocôndrias
dos neurônios, gerando ATP.
Por
esta razão, afirmamos que a KD produz um estado cetótico: na ausência de
carboidratos (depleção do glicogênio hepático e não ingestão alimentar); na não abundância
de aminoácidos gliconeogênicos
que possam ser utilizados para produção endógena de glicose; na grande oferta
de AGL
(dietético e endógeno),
este passa a ser
utilizado pelos tecidos
periféricos e a ser
convertido em CC para abastecimento do SNC, mantendo, assim,
a homeostasia e o adequado funcionamento do
organismo, mesmo sob a
condição de privação de carboidrato .
Indicações
- Crianças epiléticas com mais de 1 ano de idade que tenham comprovadamente epilepsia refratária a 2 ou mais drogas utilizadas em doses adequadas ou para pacientes cujos efeitos das drogas antiepilépticas sejam intoleráveis;
- Também está envolvida na diminuição da excitabilidade neural e da atividade de neurotransmissores excitatórios;
- Em doenças do metabolismo, como deficiência do transportador da glicose tipo 1 (erro inato que se manifesta no 1º ano de vida com crises epilépticas);
Mais recentemente, a KD começou
a ser proposta para prevenção
ou tratamento outras patologias, tais como: obesidade, câncer, diabetes, dislipidemia, hipertensão,
doenças neurológicas e, ainda, aplicada ao esporte para adaptação metabólica, especialmente em modalidades de endurance.
Protocolos dietas cetogênicas (KD)
Os protocolos de dietas cetogênicas mais utilizados atualmente são a “clássica” (ou 4:1), a dieta MAD (dieta Atkins
modificada), a dieta MCT (medium chain
triglyceride ketogenic diet) e a dieta LGIT (low
glycemic index treatment).
Diferentes
autores sugerem diferentes percentuais de distribuição dos macronutrientes
entre os protocolos.
Os
quatro principais tipos de KD são 4: 1.
Clássica (4:1): primeiro protocolo proposto; utiliza 90%
das calorias advindas
de gordura e 10% de um
somatório de proteína
e carboidrato, sendo que este não pode ultrapassar 20 g ou 5% do valor
energético total (VET);
2. MCT: a
maior parte da
gordura a ser utilizada deve ser de cadeia média, por
ser uma gordura mais cetogênica
do que as
de cadeia longa; desta forma é
possível reduzir a proporção 4:1
utilizada na dieta
clássica (de mais
difícil adesão),
proporcionando uma oferta
maior de carboidrato e proteína
sem inibir a evolução para a cetose fisiológica;
3. MAD: utiliza uma relação 1:1 LIP: não-LIP,
proporcionando um consumo maior
de proteínas e menor de gordura
(maior palatabilidade e adesão à
dieta).
A ideia
central é manter
a restrição severa de carboidrato (< 5%). Esta dieta é baseada no
protocolo criado na década de 1980, que propunha uma dieta restrita em
carboidrato, porém, com grande consumo de proteínas, o que, bioquimicamente,
pode inibir a evolução para o estado cetótico, uma vez que vários aminoácidos
são gliconeogênicos e podem ser utilizados para produção endógena
de glicose, mantendo
uma oferta constante e normal para todo o organismo, inibindo a
cetogênese. A modificação visou
corrigir este aspecto, propondo uma
dieta com um pouco mais de
proteína (mesclando proteínas animais e vegetais), mas não a ponto de inibir a
evolução para a cetose fisiológica;
4. LGIT: mantém uma maior oferta
de proteína e oferece um pouco mais de carboidrato do que
a MAD. A obrigatoriedade está no consumo de carboidratos
de absorção lenta
e gradativa (baixos IG e CG).
De uma
maneira ou de outra,
se bem conduzidos, todos
os protocolos levarão
o organismo a utilizar
gordura como principal fonte de energia e a produzir CC em
larga escala, atingindo o estado de cetose fisiológica e, com isso, os efeitos
benéficos associados a esse estado metabólico (Figura 1).
Quadro 2 . Comparação
entre as 4 principais dietas cetogênicas.
Nutriente
|
Dieta Cetogênica clássica {4:1}
|
MCT
|
Dieta Atkins modificada
|
LGIT
|
Gordura [g {% calorias}]
|
100 {90%}
|
78 {70%}
|
70 {70%}
|
60 {45%}
|
Proteína [g {%}]
|
17 {7%}
|
25 {10%}
|
60 {25%}
|
40 {28%}
|
Carboidrato {%}
|
8 {3%}
|
50 {20%}
|
10 {5%}
|
40 {27%}
|
MCT: medium
chain triglyceride ketogenic diet; LGIT: low glycemic index treatment
Fonte: Kossoff e Hartman.
Duração da KD
O
período sugerido pelos estudos para aplicação da KD é de, no mínimo, 2 semanas, sendo o ideal de 5 a 8 semanas. A KD não é um protocolo que visa ao aumento da massa magra,
mas sim a potencializar a oxidação da gordura e, com isso, redução da
massa gorda.
Efeitos
da Kd em diversos tecidos.
Possíveis Efeitos Colaterais
- Sonolência no início do tratamento, constipação, dores abdominais, náuseas, vômitos, hipoglicemia no início, acidose, distúrbios de cálcio e outros, cálculo renal, dislipidemia, infecções recorrentes e mudança do estado mental.
- Outros efeitos reversíveis, como gastrite.
Antes de iniciar
- Solicitar exames e repetir a cada 3 meses (Dosagem de colesterol total e frações, triglicérides, ácido úrico,ureia, hemograma completo, dosagem de CA,MG, NA, CL e K, glicemia, urina 1, eletroforese de proteínas, creatinina, ultra som abdômen, eletrocardiograma e eletroencefalograma.
A primeira consideração a ser feita, pensando em propostas
alimentares que induzam a um estado
cetótico, é que ao aumentar a ingestão de proteínas é interessante aumentar a
ingestão de proteínas vegetais, pois, em geral, são menos insulinotrópicas. Uma dieta rica em aminoácidos gliconeogênicos, como dito anteriormente, pode aumentar a produção endógena
de glicose e inibir a cetogênese.
Vale destacar que, nos primeiros
dias após o início, haverá uma maior
perda de massa magra como tentativa
do organismo de produzir glicose a
partir de aminoácidos vindos da proteólise muscular; entre o 5° e 7° dias, a
produção de CC já é significativa e
suficiente para abastecer o sistema nervoso central, e, assim, o organismo não necessita mais produzir grande
quantidade de glicose, reduzindo,
portanto, a proteólise
e priorizando a lipólise
na oferta de
substratos energéticos às células 1.
É
pequena a chance de ganho de massa magra após a aplicação da KD. As adaptações metabólicas levam a uma
redução da mTOR, principal via
de sinalização para
hipertrofia e anabolismo muscular 1.
Há, ainda, redução significativa nos níveis de insulina e do fator de
crescimento semelhante à insulina 1
(IGF-1), dois hormônios importantes
para o anabolismo muscular 1 . Assim, é possível
concluir que a KD não é um protocolo
que visa ao
aumento da massa magra, mas sim
potencializar a oxidação da gordura e, com isso, redução da massa gorda.
Suplementação na KD
Suplementar
eletrólitos é uma conduta importante para
manter a função
tecidual e o balanço nitrogenado adequado (sódio 3-5
g/dia e potássio 2-3g), além de auxiliar na redução de sintomas iniciais, como cefaleia
1.
Importante
Ao propor
uma KD, é importante refletir
a respeito dos objetivos
que se quer alcançar com esse protocolo: considerar o grau de disciplina e
adesão às orientações por parte do paciente; considerar o tempo de aplicação e a forma
de retorno para um protocolo alimentar mais tradicional; e que a presença de condições metabólicas como deficiências enzimáticas pode impedir o uso da KD em
determinados pacientes.
Texto elaborado por: Dra. Roseli Lomele Rossi - CRN 2084
Nutricionista
formada pelas Faculdades Integradas São Camilo (CRN 2084 /1983), com título de
Especialista em Nutrição Clínica concedido pela ASBRAN - Associação Brasileira
de Nutrição. Pós Graduada nos cursos de especialização de Planejamento,
Organização e Administração de Serviços de Alimentação; Fitoterapia Aplicada à
Nutrição Funcional e Nutrição Ortomolecular com Extensão em Nutrigenômica. É
Diretora da Clínica Equilíbrio Nutricional e autora dos Livros: “TPM: viva
melhor com alimentação e controle”, "Saúde & Sabor com
Equilíbrio" - Receitas Infantis, “Saúde & Sabor com Equilíbrio” –
Receitas Diet e Light Volumes I e II, Colaboradora do livro Nutrição Esportiva
– Aspectos relacionados à suplementação nutricional e autora do Livro “As
Melhores Receitas Light da Clínica Personal Diet”.
As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por
atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos,
nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e
exclusivamente, para seu conhecimento.
Referências
Bibliográficas:
1. PAOLI, A.; BIANCO, A.; GRIMALDI, K.A. The Ketogenic
Diet and Sport: a possible marriage? Exerc Sport Sci Rev; 43 (3): 153-62, 2015.
2. PAOLI, A. Ketogenic Diet for obesity: friend or
foe? Int J Environ Res Public Health; 11: 2092-2107, 2014.
3. WILDER, R.M. The effect on ketonemia on the course
of epilepsy. Mayo Clin Bulletin ; 2: 307-8, 1921.
4. SCHOELER, N.E.; CROSS, J.H. Ketogenic dietary
therapies in adults with epilepsy: a practical guide. Pract
Neurol; 16: 208-214, 2016.
5.
MIDORI, L.; NAKAHARADA, I. Dieta Cetogênica e Dieta de Atkins Modificada no
Tratamento da Epilepsia Refratária em Crianças e Adultos. J Epilepsy Clin Neurophysiol; 14 (2): 65-69,
2008.
6. KOSSOFF, E.H.; HARTMAN, A.L. Ketogenic diets: new
advances for metabolism-based therapies. Curr Opin Neurol; 25: 173-178,
2012.
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