Nas últimas décadas, as recomendações dietéticas passaram por diversas modificações em relação ao consumo de carboidratos. A conduta nutricional no Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1), antes da comercialização da insulina, era baseada na "dieta de inanição", com apenas 1.200kcal e 10g de carboidratos por dia, com o intuito de tentar prolongar o tempo de vida.
Atualmente, com todo o avanço do tratamento do DM1, preconiza-se que a ingestão de carboidratos não seja restringida, e sim adequada às necessidades nutricionais. As recomendações atuais das Diretrizes da nossa Sociedade estão em sintonia com a Organização Mundial da Saúde, que preconiza no mínimo 130g de carboidratos por dia. As últimas recomendações da American Diabetes Association enfatizam a importância de individualizar esta recomendação de acordo com as preferências pessoais e culturais do paciente e, inclusive, a sua habilidade para promover mudanças de comportamento que assegurem manutenção do prazer em se alimentar.
Apesar do carboidrato ser o macronutriente que mais afeta a glicemia no período pós-prandial, o método da contagem de carboidratos, criado na Europa em 1935 e colocado em prática na década de 1990 após os resultados favoráveis do The Diabetes Control and Complication Trial, preconiza justamente a flexibilização da alimentação do indivíduo com DM1. O método permite que este macronutriente seja ingerido conforme a necessidade do indivíduo, desde que com ajuste correto da dose de insulina a ser administrada, sem afetar o controle da glicemia.
Apesar de toda a evidência das vantagens da utilização do método de contagem de carboidratos e da orientação da não restrição desse macronutriente há quase 30 anos, estudos defendendo dietas low-carb no DM1 frequentemente repercutem no meio científico e, inclusive, entre a população geral. Estes artigos apresentam algumas ponderações e falhas metodológicas que devem ser destacadas. Além disso, uma dieta considerada low-carb pode variar em relação à proporção de carboidratos, podendo ser inferior a 10% (cetogênica) até 45% das calorias da dieta (low-carbs tradicional)10. Desta forma, os estudos são extremamente heterogêneos, sobretudo na recomendação de carboidratos, que pode variar de cerca de 100g por dia até valores inferiores a 30g.
O estudo publicado na Pediatrics em 2018, por exemplo, demonstrou benefício de dietas de baixíssimo teor de carboidrato (<30 gramas/dia) praticado por crianças, adolescentes e adultos com DM1 no controle glicêmico. Este artigo teve grande repercussão, mas se trata de um estudo não randomizado e, o fato de carecer de um grupo controle seguindo uma alimentação balanceada e adequada às necessidades nutricionais individualizadas já é uma grande falha metodológica. Além disso, os participantes foram recrutados em uma página da internet, de comunidade de indivíduos com DM1 que já seguiam o protocolo proposto no livro editado pela autora do trabalho. Assim, a adesão destes pacientes também não parece refletir a realidade dos demais pacientes com DM1. É importante destacar, ainda, que os pacientes estavam seguindo o protocolo em média há 2,2±3,9 anos, período extremamente longo considerando a baixa adesão da dieta na prática. Apesar dos resultados no controle glicêmico serem relevantes, os próprios autores concluem que a generalização dos resultados exige estudos de maior qualidade metodológica.
Revisão sistemática recente analisou as evidências disponíveis para dietas low-carb no tratamento do DM1. Dos 79 artigos avaliados, 9 foram incluídos na revisão. Destes, 8 avaliaram a A1C como desfecho em indivíduos com DM1 em dieta low-carb, dos quais 4 relataram mudança não significativa e 3 relataram reduções estatisticamente significativas (p<0,05). Devido à heterogeneidade dos estudos incluídos, não foi possível determinar um efeito geral. As intervenções no DM1 só podem ser consideradas eficazes se houver redução da hemoglobina glicada (HbA1C) para a meta sem aumentar episódios de hipoglicemia grave, quantidade total de insulina, IMC, glicemia média e sem piorar a qualidade de vida. Nenhum dos estudos incluídos nesta meta-análise revisou todos estes desfechos. Os autores concluíram que as evidências disponíveis são limitadas e são necessários mais estudos para avaliar efeitos a curto e longo prazo para que seja possível recomendar com segurança as dietas low-carb no DM1 na prática clínica e que mais estudos são necessários.
No geral, os estudos existentes são principalmente em indivíduos auto-selecionados que praticam manejo intensivo de insulina, juntamente com restrição de carboidratos. A adesão à esta dieta parece ser desafiadora e faltam resultados validados.
As dietas low-carb podem até melhorar o controle glicêmico no DM1, mas há evidências limitadas para apoiar seu uso rotineiro no tratamento destes pacientes. Cada vez mais se recomenda dieta individualizada como abordagem mais eficaz no DM1. É importante considerar que os possíveis benefícios da restrição de carboidratos no tratamento do DM1 devem ser ponderados com os possíveis efeitos adversos à saúde. Os desfechos em longo prazo, especialmente em crianças e adolescentes, são desconhecidos. A utilização de dietas com muito baixo teor de carboidratos é controversa, sem segurança comprovada e com impacto desconhecido sobre o crescimento. Também é importante avaliar o impacto metabólico da substituição de carboidratos por proteínas e gorduras em longo prazo, uma vez que podem ocorrer estímulos para dislipidemias – associados ao aumento da ingestão de ácidos graxos saturados, ganho de peso e outros desfechos clínicos.
Ademais, as diretrizes britânicas e canadenses de diabetes ressaltam que “não há estudos que reportam a segurança de dietas muito restritas em carboidratos e, que essas dietas podem acarretar produção excessiva de corpos cetônicos devido à beta-oxidação, ocasionando efeitos cetogênicos com risco de cetoacidose”.
O que os estudos mostram é que devemos unir esforços para melhorar a qualidade geral da dieta dos jovens com DM1 para promover o gerenciamento ideal do controle glicêmico, desenvolvimento e crescimento. A alimentação dos indivíduos com DM1 em geral está muito aquém de cumprir as diretrizes alimentares, com ingestão inadequada de frutas, legumes e grãos integrais, insuficiente de fibras, excesso de gordura e açúcar de adição.
Indivíduos com DM1 devem ser aconselhados quanto às estratégias para otimizar a glicemia pós-prandial mantendo dieta balanceada e variedade de alimentos. O profissional que optar por aconselhar dietas low-carb no DM1, mesmo com as evidências limitadas, deve considerar todas as individualidades do paciente e ponderar os benefícios e todos os possíveis prejuízos mencionados anteriormente antes de utilizar esta estratégia, além de garantir acompanhamento rígido quanto à segurança da dieta. O fundamental é que a adequação nutricional seja feita de maneira individualizada, de acordo com as necessidades nutricionais e especificidades de cada paciente, garantindo melhor controle glicêmico, crescimento e desenvolvimento adequados em crianças e adolescentes com DM1. Isto é, sem dúvida, mais importante do que qualquer tipo de estratégia restritiva.
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