domingo, 28 de fevereiro de 2021

Dietas Low Carb em Diabetes Mellitus Tipo 1

 


Nas últimas décadas, as recomendações dietéticas passaram por diversas modificações em relação ao consumo de carboidratos. A conduta nutricional no Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1), antes da comercialização da insulina, era baseada na "dieta de inanição", com apenas 1.200kcal e 10g de carboidratos por dia, com o intuito de tentar prolongar o tempo de vida

Atualmente, com todo o avanço do tratamento do DM1, preconiza-se que a ingestão de carboidratos não seja restringida, e sim adequada às necessidades nutricionais. As recomendações atuais das Diretrizes da nossa Sociedade estão em sintonia com a Organização Mundial da Saúde, que preconiza no mínimo 130g de carboidratos por dia. As últimas recomendações da American Diabetes Association enfatizam a importância de individualizar esta recomendação de acordo com as preferências pessoais e culturais do paciente e, inclusive, a sua habilidade para promover mudanças de comportamento que assegurem manutenção do prazer em se alimentar

Apesar do carboidrato ser o macronutriente que mais afeta a glicemia no período pós-prandial, o método da contagem de carboidratos, criado na Europa em 1935 e colocado em prática na década de 1990 após os resultados favoráveis do The Diabetes Control and Complication Trial, preconiza justamente a flexibilização da alimentação do indivíduo com DM1. O método permite que este macronutriente seja ingerido conforme a necessidade do indivíduo, desde que com ajuste correto da dose de insulina a ser administrada, sem afetar o controle da glicemia

Apesar de toda a evidência das vantagens da utilização do método de contagem de carboidratos e da orientação da não restrição desse macronutriente há quase 30 anos, estudos defendendo dietas low-carb no DM1 frequentemente repercutem no meio científico e, inclusive, entre a população geral. Estes artigos apresentam algumas ponderações e falhas metodológicas que devem ser destacadas. Além disso, uma dieta considerada low-carb pode variar em relação à proporção de carboidratos, podendo ser inferior a 10% (cetogênica) até 45% das calorias da dieta (low-carbs tradicional)10. Desta forma, os estudos são extremamente heterogêneos, sobretudo na recomendação de carboidratos, que pode variar de cerca de 100g por dia até valores inferiores a 30g. 

O estudo publicado na Pediatrics em 2018, por exemplo, demonstrou benefício de dietas de baixíssimo teor de carboidrato (<30 gramas/dia) praticado por crianças, adolescentes e adultos com DM1 no controle glicêmico. Este artigo teve grande repercussão, mas se trata de um estudo não randomizado e, o fato de carecer de um grupo controle seguindo uma alimentação balanceada e adequada às necessidades nutricionais individualizadas já é uma grande falha metodológica. Além disso, os participantes foram recrutados em uma página da internet, de comunidade de indivíduos com DM1 que já seguiam o protocolo proposto no livro editado pela autora do trabalho. Assim, a adesão destes pacientes também não parece refletir a realidade dos demais pacientes com DM1. É importante destacar, ainda, que os pacientes estavam seguindo o protocolo em média há 2,2±3,9 anos, período extremamente longo considerando a baixa adesão da dieta na prática. Apesar dos resultados no controle glicêmico serem relevantes, os próprios autores concluem que a generalização dos resultados exige estudos de maior qualidade metodológica.

Revisão sistemática recente analisou as evidências disponíveis para dietas low-carb no tratamento do DM1. Dos 79 artigos avaliados, 9 foram incluídos na revisão. Destes, 8 avaliaram a A1C como desfecho em indivíduos com DM1 em dieta low-carb, dos quais 4 relataram mudança não significativa e 3 relataram reduções estatisticamente significativas (p<0,05). Devido à heterogeneidade dos estudos incluídos, não foi possível determinar um efeito geral.  As intervenções no DM1 só podem ser consideradas eficazes se houver redução da hemoglobina glicada (HbA1C) para a meta sem aumentar episódios de hipoglicemia grave, quantidade total de insulina, IMC, glicemia média e sem piorar a qualidade de vida. Nenhum dos estudos incluídos nesta meta-análise revisou todos estes desfechos. Os autores concluíram que as evidências disponíveis são limitadas e são necessários mais estudos para avaliar efeitos a curto e longo prazo para que seja possível recomendar com segurança as dietas low-carb no DM1 na prática clínica e que mais estudos são necessários

No geral, os estudos existentes são principalmente em indivíduos auto-selecionados que praticam manejo intensivo de insulina, juntamente com restrição de carboidratos. A adesão à esta dieta parece ser desafiadora e faltam resultados validados

As dietas low-carb podem até melhorar o controle glicêmico no DM1, mas há evidências limitadas para apoiar seu uso rotineiro no tratamento destes pacientes. Cada vez mais se recomenda dieta individualizada como abordagem mais eficaz no DM1. É importante considerar que os possíveis benefícios da restrição de carboidratos no tratamento do DM1 devem ser ponderados com os possíveis efeitos adversos à saúde. Os desfechos em longo prazo, especialmente em crianças e adolescentes, são desconhecidos. A utilização de dietas com muito baixo teor de carboidratos é controversa, sem segurança comprovada e com impacto desconhecido sobre o crescimento. Também é importante avaliar o impacto metabólico da substituição de carboidratos por proteínas e gorduras em longo prazo, uma vez que podem ocorrer estímulos para dislipidemias – associados ao aumento da ingestão de ácidos graxos saturados, ganho de peso e outros desfechos clínicos

Ademais, as diretrizes britânicas e canadenses de diabetes ressaltam que “não há estudos que reportam a segurança de dietas muito restritas em carboidratos e, que essas dietas podem acarretar produção excessiva de corpos cetônicos devido à beta-oxidação, ocasionando efeitos cetogênicos com risco de cetoacidose”.

O que os estudos mostram é que devemos unir esforços para melhorar a qualidade geral da dieta dos jovens com DM1 para promover o gerenciamento ideal do controle glicêmico, desenvolvimento e crescimento. A alimentação dos indivíduos com DM1 em geral está muito aquém de cumprir as diretrizes alimentares, com ingestão inadequada de frutas, legumes e grãos integrais, insuficiente de fibras, excesso de gordura e açúcar de adição. 

Indivíduos com DM1 devem ser aconselhados quanto às estratégias para otimizar a glicemia pós-prandial mantendo dieta balanceada e variedade de alimentos. O profissional que optar por aconselhar dietas low-carb no DM1, mesmo com as evidências limitadas, deve considerar todas as individualidades do paciente e ponderar os benefícios e todos os possíveis prejuízos mencionados anteriormente antes de utilizar esta estratégia, além de garantir acompanhamento rígido quanto à segurança da dieta. O fundamental é que a adequação nutricional seja feita de maneira individualizada, de acordo com as necessidades nutricionais e especificidades de cada paciente, garantindo melhor controle glicêmico, crescimento e desenvolvimento adequados em crianças e adolescentes com DM1. Isto é, sem dúvida, mais importante do que qualquer tipo de estratégia restritiva.

 

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.


Referências Bibliográficas:
 
Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2021. Disponível em: www.diabetes.org.br. Acessado em 28/02/2021.

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