Beber
vinho tem sido considerado pela mídia como aliado no combate às doenças
cardiovasculares. Será que este conceito tem base científica? O principal
benefício do consumo moderado de álcool à saúde está relacionado,
aparentemente, à inibição do desenvolvimento de aterosclerose ou do acúmulo de
placas gordurosas, particularmente nas artérias coronárias que irrigam o
coração. Estas placas ateroscleróticas reduzem o fluxo sanguíneo para o
coração, podendo resultar em angina ou mesmo em infarto agudo do miocárdio.
Visto
a importância do assunto, vou discutir aqui a literatura epidemiológica,
científica e as bases moleculares da ação das bebidas alcoólicas, especialmente
do vinho, sobre a inibição da aterosclerose.
Epidemiologia
Tem
sido descrito que o consumo moderado de bebidas alcoólicas, definido como 1 a 2
doses ao dia, aumenta a sobrevida global em diferentes populações. O grupo de
pacientes que aparentemente mais se beneficiou com consumo de leve à moderado
de álcool são homens e mulheres de meia idade e aqueles com risco aumentado de
desenvolverem doença cardiovascular. Desta forma, a redução total de
mortalidade gira em torno de 30%, resultante, possivelmente, da diminuição do
risco do desenvolvimento de aterosclerose. Toda a argumentação acima foi
baseada em grande número de estudos epidemiológicos. A associação de dados
obtidos em 51 estudos diferentes concluiu que a ingestão de 1 a 2 doses diárias
de bebida alcoólica, 3 a 4 vezes por semana reduz em 20% o risco de doença
cardiovascular. De grande importância foram os resultados de um estudo que
avaliou 38.077 indivíduos saudáveis. Neste estudo foi demonstrada redução de
até 32% no risco de infarto do miocárdio e de 20% de acidente vascular cerebral
(derrame) em indivíduos que bebiam 1 a 2 doses de bebida alcoólica, 3 a 4 vezes
na semana.
O
vinho tinto é melhor?
A
ingestão de qualquer tipo de bebida alcoólica é aparentemente benéfica, porém
alguns estudos sugerem que o vinho tinto confere um benefício adicional à
saúde. O consumo regular de vinho tinto tem sido sugerido como explicação para
o “paradoxo francês”, que significa a relativa baixa incidência de doença
aterosclerótica cardíaca em comparação com os outros países ocidentais, apesar
do alto consumo de gordura saturada na dieta francesa. A associação entre o
maior efeito protetor do vinho tinto em comparação com outras bebidas foi, pela
primeira vez, observado pelo estudo denominado Copenhagen City Heart Study,
onde 13.285 homens e mulheres foram observados por 12 anos. Os resultados deste
estudo mostram que pacientes que beberam vinho apresentaram risco menor (50%)
de morrer por doença cardiovascular ou acidente vascular cerebral em comparação
com aqueles que nunca beberam vinho. Aqueles que bebiam cerveja ou destilados
não apresentaram esta proteção. O benefício adicional do vinho tinto foi
confirmado pela análise de outros 13 estudos envolvendo 209.418 participantes.
Nesta análise, observou-se uma redução de 32% de doença aterosclerótica
associada ao consumo de vinho tinto, enquanto que a redução associada ao
consumo de cerveja foi de 22%.
Nem
todos os estudos são unânimes em eleger o vinho tinto como protetor da doença
cardiovascular. No entanto, é importante salientar que outros fatores que
determinam o estilo de vida, como dieta, exercício, padrão socioeconômico, ou
padrão de consumo de álcool, que podem ter influenciado a vantagem da redução
de taxas de aterosclerose. A composição química do vinho tinto pode contribuir
para o seu aparente benefício. Uma série de estudos científicos sugere que os
compostos polifenóis presentes no vinho tinto, como flavonóides e resveratrol,
podem influenciar na redução da progressão da aterosclerose.
Efeito
do vinho tinto no processo aterosclerótico:
Aterosclerose
se inicia quando vasos sanguíneos começam a perder sua habilidade natural de
relaxar, ou vasodilatador. Subsequentemente há o acúmulo de LDL colesterol, o
qual provoca uma reação inflamatória, com liberação de substâncias que atraem
outras células, promovendo a progressão da placa aterosclerótica. O estágio
final da aterosclerose é quando ocorre a ruptura da placa, com exposição do
material dentro da placa, seguida de trombose da artéria e obstrução completa
do fluxo sanguíneo, o que pode resultar em infarto do miocárdio ou derrame. Os
fatores de riscos tradicionais, como tabagismo, hipertensão arterial,
colesterol elevado e diabetes promovem este processo.
Como
já salientado, os compostos polifenólicos do vinho tinto, em associação ao
etanol, podem ter papel importante na limitação do início e progressão da
aterosclerose. Alguns mecanismos estão envolvidos na ação destes compostos na
redução da aterosclerose, sendo que os principais estão descritos a seguir:
1)
Tanto o etanol como compostos polifenólicos induzem a formação de oxido
nítrico, um composto químico chave na regulação do tônus vascular. O oxido
nítrico é o vasodilatador mais potente produzido pelo organismo, inibe a adesão
de células inflamatórias aos vasos sanguíneos além de limitar a ativação das plaquetas,
as células responsáveis pela coagulação sanguínea.
2)
Outro mecanismo seria a elevação dos níveis das lipoproteínas de alta
densidade, as HDL-colesterol, também conhecidas como o colesterol bom. Uma a
duas doses diárias de qualquer tipo de álcool tem demonstrado aumento de 12%
nos níveis de HDL colesterol. O HDL “extra” pode remover parte do colesterol
ruim, o LDL colesterol, da circulação e reduzir a quantidade de material
disponível para a formação da placa aterosclerótica.
3)
Ainda tem sido demonstrado que a formação da placa pode ser reduzida pela ação
de compostos fenólicos encontrados no vinho tinto, que possuem propriedades
antioxidantes.
4)
Tanto o álcool como os compostos polifenólicos do vinho tinto apresentam
propriedades anticoagulantes.
Em
conjunto, os dados apresentados na literatura científica mostram que os efeitos
benéficos do vinho tinto são decorrentes de vários modos de ação de seus
componentes, especialmente dos compostos polifenólicos.
Será
que um copo de vinho tinto ao dia afasta a aterosclerose?
Apesar
das descrições acima serem provenientes de estudos altamente confiáveis, a
evidência atual ainda é insuficiente para encorajar pacientes que não bebem a
iniciar o consumo de vinho como parte de uma estratégia de proteção contra a
aterosclerose. Tem sido muito bem demonstrado os efeitos maléficos do consumo
excessivo de álcool.
Sabe-se
que a ingestão de doses elevadas de álcool contribui efetivamente para o
desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como cardiomiopatia alcoólica,
pressão arterial elevada e distúrbios elétricos do ritmo cardíaco, cirrose
hepática, câncer, pancreatite, doenças neurológicas e acidentes em veículos
automotores. Indivíduos com histórico pessoal ou familiar de alcoolismo ou
doença hepática devem evitar o consumo de álcool. Mesmo assim, muitas
sociedades médicas entendem que a ingestão de pequenas quantidades de álcool
como benefício potencial ao sistema cardiovascular, apesar de não haver
recomendações formais para o consumo leve de álcool. A Sociedade Americana de
Cardiologia recomenda que o uso de álcool deva ser discutido entre o médico e o
paciente, que indivíduos que ingerem doses elevadas de álcool devem reduzir o
seu consumo e os alcoólatras devem procurar ajuda para acabar com o vício.
Para aqueles pacientes que são consumidores moderados de álcool, a interrupção
não deve ser recomendada. No entanto, não existe justificativa para os não
bebedores iniciarem o consumo de vinho como uma medida preventiva, considerando
que existem várias outras terapias bem comprovadas para a redução do risco
cardiovascular, como o exercício, interrupção do tabagismo, controle da pressão
arterial e redução do colesterol, as quais não apresentam os efeitos
indesejáveis do vinho. Portanto, beba à sua saúde, e não para a sua saúde.
As informações contidas
neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos
profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos,
educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu
conhecimento.
Referências
Bibliográficas:
Farsky, P. O vinho é bom para
a saúde? Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – SOCESP. Disponível
em: www.socesp.org.br
Acessado em: 12/05/2019.
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