terça-feira, 24 de maio de 2016

O Papel da Nutrição no Transplante Cardíaco



DEFINIÇÃO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica ocasionada por uma anormalidade da função do coração em bombear e/ou em acomodar o retorno sanguíneo, não atendendo às necessidades de oxigênio dos tecidos. A IC é um problema grave e crescente de saúde pública em todo o mundo, sendo a via final comum da maioria das cardiopatias. A classificação da insuficiência cardíaca auxilia na compreensão da evolução da doença e direção do tratamento

Quadro 1. Classificação da insuficiência cardíaca baseada na progressão da doença


Estágio A
Inclui pacientes sob risco de desenvolver insuficiência cardíaca, mas ainda sem doença estrutural perceptível e sem sintomas atribuíveis à insuficiência cardíaca.




Pacientes com indicação
de intervenções predominantemente preventivas

Estágio B
Pacientes que adquiriram lesão estrutural cardíaca, mas ainda sem sintomas atribuíveis à insuficiência cardíaca.

Estágio C
Pacientes com lesão estrutural cardíaca e sintomas atuais ou pregressos de insuficiência cardíaca

Paciente com indicação terapêutica
Estágio D
Pacientes com sintomas refratários ao tratamento
Pacientes para procedimentos especializados e cuidados paliativos


Classificação da insuficiência cardíaca baseada em sintomas segundo a New York Heart Association (NYHA):


● Classe I: Ausência de dispneia durante atividades cotidianas. A limitação para esforços é semelhante à esperada em indivíduos normais

Classe II: Sintomas desencadeados por atividades cotidianas.

Classe III: Sintomas desencadeados em atividades menos intensas que as cotidianas ou pequenos esforços.

Classe IV: Sintomas em repouso.


COMPROMETIMENTO DO ESTADO NUTRICIONAL

São frequentes os pacientes com IC avançada desenvolver quadros variáveis de desnutrição, que pode esta associado à ingestão alimentar inadequada e ao aumento do metabolismo, evoluindo frequentemente para caquexia cardíaca, o edema das alças intestinais pode ser responsável pela presença de náuseas, má absorção de lipídios, sensação de plenitude gástrica e de perdas proteicas.


A prevalência da caquexia em pacientes com insuficiência cardíaca crônica é de 16%, sendo definida como a perda de peso não intencional mais de 7,5% em 6 meses ou mais, e cerca de 14% quando o IMC  inferior a 20 kg / m2.

A abordagem não farmacológica e não cirúrgica no tratamento de pacientes com IC tem se mostrado bastante útil para auxiliar o gerenciamento dos sintomas, reduzir o número de reinternações e melhorar a qualidade de vida.

RECOMENDAÇÃO NUTRICIONAL

Calorias:

·         28 kcal/kg de peso para pacientes com estado nutricional adequado e 32 kcal/kg de peso para pacientes nutricionalmente depletados (considera-se o peso do paciente sem edemas).

Carboidratos:

·         De 50 a 55% da ingestão energética, priorizando os carboidratos integrais com baixa carga glicêmica, evitando os refinados (açúcar), por agravar a resistência à insulina.

Lipídeos:

·         De 30 a 35%, com ênfase às gorduras mono e poli-insaturadas, em especial aos ácidos graxos da série ômega-3, e níveis reduzidos de gorduras saturadas e trans.

Proteínas:

·         De 15 a 20% do valor calórico total da dieta, priorizando as proteínas de alto valor biológico.

Sódio:

·         De 2 a 3g/dia nos estágios mais avançados da doença.

Líquido:

·         A restrição deve ser de acordo com a condição clínica do paciente.

Suplemento Nutricional:

·         Indicado nos pacientes com baixa ingestão alimentar, má absorção de nutrientes e em estado de hipercatabolismo. Nos casos de anorexia, ofertar refeições pequenas com alta densidade calórica e proteica. Se a ingestão oral estiver abaixo de 60%, a introdução de fórmula via enteral é indicado.

Fracionamento da dieta:

·         Para evitar sobrecarga prandial e uma melhor absorção dos nutrientes é importante oferecer uma dieta com volume reduzido e fracionamento aumentado (6 a 8 refeições/dia).

Consistência da dieta:

·         Em caso de dispneia, disfagia, odinafagia e dificuldade mastigatória a consistência necessita de modificação.

TRANSPLANTE CARDIACO

O transplante cardíaco (Tx C) representa um dos mais revolucionários avanços da medicina. Constitui modalidade de tratamento de escolha para os pacientes portadores de insuficiência cardíaca (IC) refrataria, classes III ou IV (NYHA), com sintomas incapacitantes, ou alto risco de morte dentro de um ano, sem possibilidade de alternativa de tratamento clínico ou cirúrgico.

No dia 26 de maio de 1968, Zerbini e Decourt realizaram o 1o transplante cardíaco da América Latina e o 17º no mundo em um paciente portador de miocardiopatia dilatada. Dois outros pacientes foram operados, um deles com sobrevida superior a um ano.

O desconhecimento técnico sobre a rejeição e a ausência de medicações eficazes para seu controle, associada a complicações infecciosas levaram a crescente descrédito do procedimento em virtude de resultados desfavoráveis.

Os anos que se seguiram foram marcados pela redução do número de transplantes e dos centros que mantinham seus programas ativos. A década de 70 destacou-se no desenvolvimento de medicamentos capazes de controlar os processos de rejeição. Com a introdução da ciclosporina na década de 80 pôde-se constatar melhora na sobrevida dos pacientes para 80,7% no primeiro ano e 59,7% no quinto ano após a operação.

TERAPIA NUTRICIONAL PRÉ TRANPLANTE

·         Seguir as recomendações nutricionais para insuficiência cardíaca;

·     Manter ou melhorar o estado nutricional através da interrupção ou redução do hipercatabolismo;

·      Em pacientes obesos é indicado perda de peso gradativa, de forma a prevenir a desnutrição e/ou sarcopenia. 

TERAPIA NUTRICIONAL PÓS TRANSPLANTE IMEDIATO

Nesta fase o hipercatabolismo é maior sendo necessário o aumento da oferta calórica e proteica, para isso deve-se considerar o uso de suplemento nutricionais completos e/ou modulares em caso de baixa ingestão alimentar ou até a terapia nutricional enteral ou parenteral, fornecendo substrato suficiente para o organismo realizar a cicatrização e melhorar a resposta imunológica para prevenir possíveis processos infecciosos.

Nas primeiras semanas a imunossupressão é intensa exigindo medidas rígidas de controle de qualidade na produção alimentar nas cozinhas que produzem grande volume de alimento e, como medida profilática é indicada a restrição do consumo de hortaliças, legumes e frutas cruas, suco fresco, queijo fresco.

TERAPIA NUTRICIONAL PÓS TRANPLANTE TARDIO

Após a realização do transplante cardíaco é necessário iniciar a terapia imunossupressora para evitar a rejeição no enxerto (coração), no entanto, ao mesmo tempo em que essas medicações trazem benefícios, podem também causar efeitos colaterais. A prevalência em cinco anos pós-transplante foi de 94% para hipertensão arterial sistêmica (HAS), 85% para dislipidemia (DLP) e 33% para diabetes (DM).

Quadro 2. Efeitos colaterais decorrente do uso de imunossupressores

MEDICAMENTO
EFEITO COLATERAL

Ciclosporina
hipertensão, hipercalemia, insuficiência renal, necrose tubular renal, insuficiência hepática.
Ciclosporina e
Tracolimus
diabetes, dislipidemia, insuficiência renal, hipertensão.

Altas doses de
corticosteroides
distúrbios eletrolíticos, hipertensão, intolerância à glicose,
osteoporose, obesidade.

O ganho significativo de peso é bastante descrito em pacientes submetidos a transplantes de órgãos, em média, tais pacientes ganham cerca de 10 kg no primeiro ano após o procedimento, aumentando os riscos de desenvolvimento de doenças secundárias como hipertensão, diabetes e dislipidemias.

    No pós-transplante tardio, a dieta deve ser cardioprotetora, a fim de evitar futuros problemas cardiovasculares, onde é recomendado seguir as seguintes orientações:

·         Evitar o aumento excessivo de peso, que pode ocasionar a sobrecarga do enxerto;

·         Prevenir a hipercolesterolemia com ingestão controlada de colesterol e gordura saturada;

·         Aumentar a ingestão de gorduras mono e poli-insaturadas;
·        
Evitar alimentos embutidos;

·         Aumentar a ingestão de alimentos ricos em ômega 3;

·         Restrição do consumo excessivo de sódio e alimentos ricos em sódio;

·         Limitar o consumo de carboidratos a fim de manter níveis adequados de glicemia capilar, já que o tratamento com corticoide está associada com aumento da glicemia, sendo necessário eventualmente tratamento com hipoglicemiante oral ou insulina.

·         Durante os primeiros seis meses após o transplante é considerado o período de maior risco de contaminação, devendo seguir a recomendação de não ingerir alimentos crus.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os cuidados com o paciente no pré-transplante tem como principal objetivo preparar o receptor para o novo órgão, já que a desnutrição no candidato ao transplante é muito comum e está associada com aumento da morbidade e mortalidade, após a realização do transplante deve-se atentar a prevenção e tratamento das complicações metabólicas decorrente do uso continuo dos imunossupressores, portanto o acompanhamento nutricional é importante e deve fazer parte da rotina de consultas do paciente desde o diagnóstico de Insuficiência Cardíaca.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 

1      Rev. Nutr., Campinas, 22(3):399-408, maio/jun., 2009. Tratamento nutricional em pacientes com insuficiência cardíaca.
2      III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica. 
3      Pérez FJ., et al. Manejo nutricional del paciente trasplantado de corazónRev Cubana CardiolCirCardiovasc. 2012; 18(2): 86-94.
4      Bocchi EA, Cruz F, Guimarães G, Moreira LFP, Issa VS, Ferreira SMA, et al. A long-term rospective randomized controlled study using repetitive education at six-month intervals and monitoring for adherence in heart failure patients: the REMADHE study. Circulation. 2008.
5      Horwich TB, Fonarow GC, Hamilton MA, MacLellan WR, Woo MA, Tillisch JH. The relationship between obesity and mortality in patients with heart failure. J Am Coll Cardiol. 2001; 38(3):789-95.
6      Guimarães JI, Mesquita ET, Bocchi EA, Vilas-Boas F, Montera MW, Moreira MCV, et al. Revisão das II Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia para o diagnóstico e tratamento da insuficiência cardíaca. Arq Bras Cardiol. 2002; 79 (supl 4): 3-30.
7      II Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco.
8      Fiorelli AI, Coelho HB, Oliveira Junior JL, Oliveira AS. Insuficiência cardíaca e transplante cardíaco.RevMed (São Paulo). 2008 abr.-jun.;87(2):105-20.
9      Grady KL, Costanzo MR, Fisher S, Koch D. Preoperative obesity is associated with decreased survival after heart transplantation. J Heart Lung Transplant. 1996; 15: 863-71.
10    Williams JJ, Lund LH, LaManca J, Kunavarapu C, Cohen DJ, Heshka S, et al. Excessive weight gain in cardiac transplant recipients. J Heart Lung Transplant. 2001; 25: 36-41.
11     Johnson DW, Isbel NM, Brown AM, Kay TD, Franzen K, Hawley CM, et al. The effect of obesity on renal transplant outcomes. Transplantation. 2002; 74: 60-1.

Texto elaborado por: 

Nutricionista Camila R. L. Campos – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - puccazinha@hotmail.com

Nutricionista Lenita Borba – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia – lenitagb@yahoo.com.br

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizada única e exclusivamente, para seu conhecimento.

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